ESTATUTO DO CONTRIBUINTE: O DEBATE DA EXISTÊNCIA E EFETIVIDADE DO INSTITUTO NO BRASIL

Por Liz do Nascimento Moraes Gandra | 31/08/2017 | Crescimento

O direito constitucional sofreu uma grande transformação com a transição, em boa parte das nações ocidentais (inclusive no Brasil), do Estado Liberal para o Estado Social de Direito. Dito isso, plausível seria deduzir que, uma vez que a Constituição é o farol que guia o ordenamento jurídico, os outros ramos do direito seguiriam o caminho norteado pela Carta Magna. Porém, percebe-se que o Direito Tributário não tem feito o percurso com a velocidade necessária para acompanhar os demais ramos do direito.

Segundo Santos (2012, p. 12), a transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito foi acompanhada pela Constituição Federal de 1988, porém o Direito Tributário se encontra parado no tempo, ainda sob a influência do liberalismo dominante do século XIX e parte do século XX.

A passagem do Estado Liberal para o Estado Social (sob a égide do Estado Democrático de Direito) representou um aumento significativo da carga de prestações por parte do Estado, que somente podem ser cumpridas a contento se houver um ótimo funcionamento do aparato tributário. Com efeito, o comprometimento do Estado Social com diversos outros valores, além da simples manutenção das condições necessárias ao bom funcionamento do mercado – principal função atribuída ao Estado Liberal -, exige uma manipulação do sistema tributário que leve em consideração outros objetivos, além da mera arrecadação de receitas. Trata-se, no caso, da utilização do tributo com finalidades extrafiscais, que assumem especial dimensão no Estado Social, em especial no que diz respeito à função redistributiva do Estado e ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, protegendo um mínimo existencial para a sociedade.

Hodiernamente, sob uma visão superficial, o Estatuto do Contribuinte poderia ser considerado um tema recorrente entre os tributaristas, entretanto, em uma análise detida, percebe-se que o assunto ainda não foi devidamente debatido, com a profundidade e alcance necessários, em um estudo sistemático pela doutrina.

De acordo com Ávila (2008, p.2):

De um lado, a análise da Constituição Brasileira de 1988 revela uma enormidade de dispositivos que servem como pontos de partida exatamente para garantir os direitos dos contribuintes e para limitar o poder de tributar: princípios, direitos e garantias fundamentais, princípios tributários, definição de espécies tributárias e extensas regras de competência. De outro, o exame da doutrina põe a descoberto tanto a circunscrição de sua atividade, com notáveis exceções, à mera descrição do ordenamento jurídico, quanto sua dificuldade em constituir o conteúdo semântico daquelas normas jurídicas por ela própria qualificadas de fundamentais - os princípios jurídicos; e o estudo da jurisprudência manifesta a ineficácia dos direitos fundamentais enquanto normas protetoras dos direitos dos contribuintes e dos princípios fundamentais como normas limitadoras do poder de tributar.

Há que se ressaltar, no que pese ser um tema recorrente, ainda há dificuldade em sua conceituação. De forma geral, o Estatuto do Contribuinte é o conjunto de normas que regula a relação entre o contribuinte e o ente tributante. Os primeiros obstáculos à delimitação integral do Estatuto do Contribuinte residem na equiparação indevida entre norma e dispositivo e entre sistema interno e externo. De acordo com Guastini (1998, p. 16) norma não é o texto nem o conjunto deles. Norma é o conteúdo de sentido construído a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Sendo assim, de acordo com Ávila (2008, p. 2), é equivocada a afirmação de que a Constituição de 1988 possui uma inigualável quantidade de normas que garantem os direitos dos contribuintes e limita o poder de tributar. A Constituição de 88 nada mais possui um maior número de pontos de partida para a construção dos direitos dos contribuintes e das limitações ao poder de tributar. Não se deve confundir o ponto de partida com o ponto de chegada.

Sendo assim, o Estatuto do Contribuinte não é o simples existir de dispositivos na Constituição, ao contrário, ele deve ser coerentemente e constantemente construído, em um verdadeiro trabalho de interpretação.

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