Estatística: _ Aprendendo Com os Números
Por Julio Cesar Souza Santos | 08/03/2017 | Sociedade
Quem Foi o Pioneiro da Demografia Moderna e o Que Ele Pesquisou? O Que Graunt Procurava ao Pesquisar a Mortalidade em Londres? Qual Foi a Contribuição de Adolphe Quetelet ao Estudo da Estatística?
O pioneiro da demografia moderna foi um próspero homem de negócios londrino – John Graunt – e um amador no mundo da matemática. Não tinha instrução formal na matéria, mas foi colocado como aprendiz em casa de um retroseiro ([1]) e se tornou um próspero homem de negócios. Conhecida pela sua hábil faculdade de tomar apontamentos estenográficos, era devoto experimentalista, no tocante a religião e apaziguador na Londres dominada pelas facções da Guerra Civil.
Embora educado como puritano, converteu-se ao catolicismo e sofreu prejuízos enormes no incêndio de Londres em 1666 e nunca refez sua fortuna. Homem de negócios realista, Graunt não se preocupou com os cálculos da riqueza nacional que ocupavam os “aritméticos políticos” do seu tempo. Interessava-se com o bem-estar da sua comunidade e desempenhou diversos cargos, incluindo o de vereador. O número de mortos nos anos da peste tornou-se a base do interesse de Graunt pela demografia e pela estatística.
O fato mais angustiante relativamente à população inglesa foi a elevada taxa de mortalidade durante os anos da peste. Durante o ano de 1625, por exemplo, morreu ¼ da população e, durante a catastrófica peste de 1603, as relações de mortalidade semanais publicavam informações recolhidas por pesquisadores encarregados de observar os cadáveres e comunicar a causa da morte, assim como de obrigar a cumprir as leis da quarentena.
Graunt desconhecia por que os seus pensamentos se interessaram pelas relações de mortalidade e integrava-o que tantos fatos tão coligidos fossem tão pouco utilizados. O seu inimigo – o economista William Petty – encorajou a sua curiosidade. Em fevereiro de 1662, o Dr. Daniel Whistler distribuiu uma brochura de 90 páginas, de autoria de John Graunt, propondo que ele fosse aceito como membro e a sociedade concedeu-lhe imediatamente tal honra – coisa sem precedente relativamente a um simples homem de negócios. O Rei Carlos II, apoiando Graunt, instigou a sociedade a que, “se descobrissem mais alguns homens de negócios assim, não deixassem de admitir sem qualquer hesitação”.
Modestamente Graunt esperava que o seu curto panfleto lograsse alcançar-lhe representação naquilo a que chamava de “Parlamento da Natureza”. Sua obra não fazia quaisquer reivindicações cósmicas, limitando-se a “reduzir vários grandes volumes confusos em poucas tabelas claras, e condensar observações delas decorrentes em poucos parágrafos”. Graunt ofereceu logo no princípio 106 observações numeradas e, recusando-se a admitir que a inaptidão das “pesquisadoras” tornara seu produto inútil, ele revelou engenho extraindo dele hipóteses. Mesmo quando se sabia que as pesquisadoras tinham sido tentadas, “depois de uma caneca de cerveja”, registrando o que era realmente uma morte resultante de “bexigas francesas” ([2]) como sendo de “tísica”, utilizava o fato Para aumentar o interesse das listas.
Depois de agrupar diversos fatos similares de todas as 7 décadas registradas nas relações de mortalidade, Graunt comparou os resultados de diferentes grupos. Observou por exemplo que apenas 2 pessoas em cada 9 morriam de doenças agudas, 70 em 229 de doenças crônicas e somente 4 de 229 de “mazelas externas” (cancros, pústula, ossos partidos, lepra, etc.). Sete por cento morriam de velhice, enquanto algumas doenças e acidentes mantinham proporção constante. Menos de uma em 2 mil era assassinada em Londres e, não mais de 1 em 4 mil, acabavam morrendo de fome.
O outono era a estação mais insalubre, mas algumas doenças – febre, disenteria, varíola – eram igualmente ameaçadoras ao longo de todo ano. Londres não era tão saudável como em tempos fora. Enquanto a população da província inglesa duplicava pela procriação apenas uma vez em cada 280 anos, a de Londres duplicava todos os 70 anos.
Seu invento mais original foi a nova forma de apresentar a população e a mortalidade, calculando a sobrevivência numa “tabela de vida”. Começando por dois fatos simples – o número de nascimentos que sobreviveram até aos 6 anos (64 em 100) e o número dos que sobrevivem até à idade de 76 anos (1 em 100) – elaborou uma tabela indicando o número de sobreviventes em cada uma das 6 décadas intervenientes no cálculo:
- Aos 16 anos ..................... 40
- Aos 26 anos ..................... 25
- Aos 36 anos ..................... 16
- Aos 46 anos ..................... 10
- Aos 56 anos ..................... 6
- Aos 66 anos ..................... 3
- Aos 76 anos ..................... 1
- Aos 80 anos ..................... 0
Não temos conhecimento de nenhum censo nacional antes do século XVIII e, fossem quais fossem os números que revelavam o poder econômico e militar de uma nação. Eram guardados como segredos de Estado. Parece que os antigos censos de população entre os Egípcios, Gregos, Hebreus, Persas, Romanos e Japoneses incidiam sobre pessoas e bens tributáveis. E homens de idade militar.
Os números públicos são um produto secundário moderno de novas formas de pensar a respeito de governo, riqueza e ciência. Governos representativos têm necessitado de censos públicos da população. Os estruturadores da Constituição americana foram pioneiros ao estabelecerem a disposição de um censo nacional de 10 em 10 anos. O censo de 1790 deu início ao mais antigo censo periódico de uma nação e se tornou modelo de instituição noutros lugares.
As razões de segurança nacional não foram os únicos obstáculos medievais à publicação de dados sobre nascimentos, mortes e longevidade. Durante muito tempo acreditou-se que a duração das diferentes vidas humanas era do pelouro ([3]) exclusivo de Deus. Só no século XVII a palavra inglesa para dizer “seguro” começou a ter o seu significado moderno e em 1783 um escritor francês se vangloriava de que, embora permitido em Nápoles, Florença e na Inglaterra, o seguro de vida não o era na França – onde a vida humana era tida por tão sagrada que não podia ser objeto de aposta.
O renascimento e uma ciência de estatísticas cresceram juntos, fornecendo o moderno vocabulário das ciências sócias, da economia nacional e das relações internacionais. Adolphe Quetelet começou a ensinar Matemática aos 17 anos e obteve seu doutorado pela Universidade de Gante, graças a uma tese sobre geometria analítica que lhe assegurou a eleição para a Academia Belga. Aos 23 anos foi nomeado professor de Matemática e depois atraiu multidões para as suas preleções sobre assuntos científicos esotéricos.
Embora tivesse compartilhado as especulações dos matemáticos e astrônomos franceses em Paris, sentiu “a necessidade de juntar ao estudo dos fenômenos celestes o estudo dos fenômenos terrestres, que não tinha sido possível até agora” e, tampouco, perdeu seu interesse artístico pela forma e pelas medidas do corpo humano. Em Bruxelas começou a reunir aquilo a que chamou de “estatística moral”. Da massa de números não classificados separou todas as estatísticas sobre seres humanos, incluindo números supostamente banais sobre as dimensões físicas do corpo humano, juntamente com fatos sobre crimes e criminosos.
Quetelet alargou a “Estatística” para passar a significar dados sobre a espécie humana. O uso conhecido mais antigo da palavra “estatística” significava uma ciência do Estado, ou arte de governar e, durante o século XVIII, descreveu o estudo de constituições e recursos naturais e a política dos Estados. John Sinclair utilizou a palavra “estatística” como o nome da avaliação do quantum da felicidade pelo povo de um país e dos seus maios de “melhoria futura”.
Quetelet abordou o assunto não do lado político ou econômico, mas a partir de um interesse pela matemática, pela probabilidade e por normas humanas. Dos dados quantitativos que reuniu sobre o corpo humano, ele concluiu que “considerando a altura dos homens de uma nação, os valores individuais se agrupam eles próprios simetricamente à volta do médio de acordo com a lei das causas acidentais”.
Em 1844, Quetelet deixou os céticos surpresos ao aplicar seus conceitos para avaliar a extensão da fuga ao recrutamento do exército francês. Comparando os seus números relativos à distribuição provável dos homens de alturas diferentes com a distribuição efetiva das alturas encontradas entre 100 mil jovens franceses que tinham respondido à chamada para recrutamento, ele calculou que cerca de 2 mil homens tinham escapado ao recrutamento, fingindo medir menos do que a altura mínima.
Quetelet foi atacado por usar a “física social” para negar a capacidade do indivíduo de escolher entre o bem e o mal. Mas replicou que, finalmente, agora, a estatística revelava as forças que já se encontravam em ação na sociedade e criava assim “a possibilidade de melhorar as pessoas, modificando as suas instituições, seus hábitos, sua educação e tudo quanto influenciava o seu comportamento”. A devota Florence Nightingale foi a inverossímil defensora dessa nova ciência, a qual fez de Quetelet o seu herói, considerando sua “Física Social” como a sua segunda Bíblia e anotou todas as páginas do exemplar que lhe foi oferecido. Como a estatística era a medida do objetivo de Deus, o estudo da estatística se tornou outro dos seus proclamados deveres religiosos.
Quetelet organizou pessoas na Europa e na América para reunirem dados recenseadores que pudessem servir como “estatística moral”. Instigou Charles Babbage a fundar a Sociedade Estatística de Londres e, depois disso, fez da Exposição do Palácio de Cristal de Londres um fórum de cooperação internacional, que decorridos 3 anos deu origem ao Primeiro Congresso Estatístico Internacional em Bruxelas.
Foi de importância crucial nesses anos formativos das ciências sociais. A estatística internacional – disseram alguns – foi uma esplêndida criação do próprio Quetelet e, nela, os povos ocidentais baseariam expectativas excessivas quanto às lições de dados quantitativos sobre saúde pública, política e educação. No século XX, os números públicos dominariam discussões sobre previdência nacional e relações internacionais. Conceitos como rendimento nacional e per capita, produto nacional bruto, taxas de crescimento e desenvolvimento, nações desenvolvidas e subdesenvolvidas e crescimento populacional seriam um legado de Quetelet.
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([1]) Fabricante ou vendedor de retrós
([2]) Trata-se da Sífilis – Os Ingleses tinham o hábito de qualificar de francesas doenças ou práticas sexuais pouco católicas.