ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO À JUSTIÇA: A DEFENSORIA PÚBLICA ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE UM DIREITO FUNDAMENTAL

Por Cláudia Reis | 11/05/2011 | Direito

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO À JUSTIÇA: A DEFENSORIA PÚBLICA ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE UM DIREITO FUNDAMENTAL

Cláudia Priscyla Pereira Reis

Sumário: Introdução; 1. Estado Democrático de Direito; 2. Acesso à justiça; 2.1. A evolução do conceito teórico; 2.2. Obstáculos a serem superados para a efetivação do acesso à justiça; 2.3. Soluções práticas; 3. Defensoria Pública; 3.1. Defensoria Pública do Estado do Maranhão; Conclusão; Referências.

RESUMO

Estudo realizado acerca do papel da Constituição de 1988 e do Estado Democrático de Direito enquanto consagradores do direito fundamental do acesso do cidadão à justiça e da igualdade entre as partes, sendo esta, assim, efetivada pela instituição da Defensoria Pública, bem como uma breve explanação acerca da evolução do conceito de acesso à justiça juntamente com os obstáculos comumente apresentados e às conseqüentes soluções práticas a essa questão.

PALAVRAS-CHAVE
Estado Democrático de Direito. Acesso à justiça. Defensoria Pública

Introdução

O presente estudo visa caracterizar a indispensabilidade da atuação da Defensoria Pública para a máxima realização do acesso à justiça segundo o princípio constitucional do devido processo legal e das garantias do contraditório e da ampla defesa e da igualdade processual.
Partindo de uma reflexão acerca da instituição do conceito de Estado Democrático de Direito pela Constituição de 1988 e de sua conseqüente contribuição para a elevação do acesso à justiça à natureza de direito fundamental, dá-se seguimento a uma análise dos obstáculos e das soluções ao acesso à justiça, chegando-se a uma explanação acerca dos critérios de funcionamento da Defensoria Pública, bem como sua atuação no Estado do Maranhão, visando questionar se o exercício de tal direito exigível de fato vem sendo possibilitado em sua máxima.

1 Estado Democrático de Direito

A Constituição de 1988 estabelece em seu art. 1º que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo por fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo jurídico. Logo, a Lei Maior, como preleciona José Afonso da Silva (2008, p. 121), cria as perspectivas de realização social profunda mediante o exercício dos direitos sociais e dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social.
Afirma ainda José Afonso da Silva (2008, p.121) ser este um conceito novo, posto que além reunir os princípios tanto de Estado de Direito ? submissão ao império da lei, divisão de poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais ? quanto de Estado Democrático ? fundado na participação popular no exercício do poder, tendo, assim, por finalidade a obtenção de uma igualdade material entre os indivíduos ?, revela uma particularidade que os supera, "na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo".
Quanto ao império da lei no Estado Democrático de Direito, José Afonso da Silva (2008, p.119) expõe sobre a grande particularidade desse tipo de Estado:
Sujeita-se [...] ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais (grifo nosso).

Portanto, o Estado Democrático de Direito, enquanto instrumento de superação das desigualdades sociais e instaurador de um regime democrático possibilitador da realização da justiça social, proporcionou a elevação da dimensão do acesso à justiça à qualidade de direito fundamental, almejando-se cada vez mais a uma igualdade de oportunidades àqueles que não possuem condições econômicas. É nessa perspectiva que se estabelece constitucionalmente, enquanto um direito individual, a assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, representado também pela Defensoria Pública, sendo esta, portanto, um órgão indispensável à função jurisdicional.

2 Acesso à justiça

O acesso à justiça já não mais se refere ao simples acesso ao Judiciário ? admissão ao processo ou o ingresso em juízo ? mas sim à prerrogativa de todo cidadão de poder exigir os seus direitos e solucionar seus conflitos, devendo ser o sistema acessível a todos, sem exceção, e produzir resultados justos.
Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p.39) destacam que atualmente o caminho para a ordem jurídica justa se realiza através da soma de princípios e garantias, interpretados harmoniosamente. Trata-se do oferecimento da ampla admissão ao processo ? mediante a garantia constitucional de assistência jurídica integral e gratuita ?; a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal; a justiça das decisões; e a utilidade das decisões.
Convém analisar a importância do devido processo legal. Segundo o conceito de Cintra, Grinover e Dinamarco(2008, p.81), trata-se de um conjunto de garantias constitucionalmente estabelecidas que "asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e [...] são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição". É, portanto, o direito conferido ao cidadão a um procedimento adequado, devendo, pois, ser direcionado sob a ótica do princípio do contraditório e da ampla defesa, da igualdade processual, da publicidade, dentre e outros.
Vale ressaltar que, bem como destacam estes autores (2008, p.81), pela primeira vez na Constituição do Brasil, na de 1988, é adotada expressamente essa garantia do devido processo legal, em seu art. 5º, LIV. Deste princípio decorrem, portanto, os demais mecanismos para o efetivo acesso à justiça ? enquanto direito de ação e direito de defesa ? estando aquele estreitamente ligado a realização deste.
O acesso à justiça implica no princípio constitucional da igualdade ? art. 5º, caput, CF ? vez que este trata da igualdade substancial, onde as partes devem desfrutar de tratamento igualitário perante o juiz, mas através da imposição do tratamento desigual para os desiguais. Já o princípio do contraditório e o da ampla defesa são previstos na Constituição de forma combinada em seu artigo 5º, pois estas duas garantias possuem íntima ligação. Conceituam Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p.62) que através desses princípios as partes podem litigar em paridade de armas, deles decorrendo "a necessidade de que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário. Somente conhecendo-os, poderá ele efetivar o contraditório."
Como finalidades básicas do sistema jurídico para que haja o efetivo acesso à justiça faz-se necessário que ele seja, primeiramente, igualmente acessível a todos, devendo ser encarado, como lembram Cappelletti e Garth (2002, p.12), "como o requisito fundamental ? o mais básico dos direitos humanos ? de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos". Posteriormente, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

1.1 A evolução do conceito teórico

O conceito de acesso à justiça tem passado por inúmeras transformações significativas. Fazendo-se um retrocesso dos acontecimentos, se pode citar o período dos estados liberais burgueses ? séculos XVIII e XIX ? em que os métodos utilizados para solucionar as questões civis seguiam os parâmetros fundamentalmente individualistas dos direitos, funcionando como um direito formal de cada um para apresentar ou impugnar uma ação. Esses direitos não possuíam vínculo direto com o Estado, cabendo a este somente a manutenção da ordem social, no sentido de evitar que tais direitos fossem infringidos por outros. É interessante frisar o relato de Cappelletti e Garth (2002, p.9) sobre referido tema:
Afastar a ?pobreza no sentido legal? ? a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições ? não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos.

Então, com relação a esse período, Cappelletti e Garth (2002, p.10) acentuam o fato de não haver possibilidade de se falar em efetividade de acesso, e sim em formalidade, pois a igualdade no caso concreto não existia, mas apenas em seu aspecto formal. E por mais que se tentasse fazer melhorias, estas não passavam da teoria, já que as necessidades reais da maior parte da população não eram postas como prioridade pelos responsáveis pelas mudanças (estudiosos do direito, bem como o próprio sistema judiciário), que se embasavam na parte teórica do procedimento.
Com o crescimento das sociedades, tanto em dimensão quanto em complexidade, houve também uma transformação no conceito de direitos humanos. Nessa perspectiva os autores usam da obra de Chayes para esclarecer sobre este ponto:
A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas ?declarações dos direitos?, típicas dos séculos dezoito e dezenove (CHAYES, 1976 apud CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 1041-1048).

Esse novo panorama trouxe consigo fatores cruciais para a real efetividade do acesso à justiça, transformando a atuação de caráter prático do Estado em algo imprescindível à satisfação dos direitos sociais fundamentais da população. Além disso, Cappelletti e Garth (2002, p.13) propõem a necessidade dos juristas expandirem suas análises para além dos tribunais, através da utilização de métodos sociológicos, políticos, psicológicos e econômicos, além de compreenderem por via de outras culturas. E finalizam esclarecendo o seguinte:
O acesso não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica (CAPPELLETTI;GARTH,2002, p.13).

1.2 Os obstáculos a serem superados para a efetivação do acesso à justiça

Por mais que se busque a efetividade ideal do acesso à justiça, sabe-se que ela não passa do plano imaginário, visto que sempre existirão diferenças entre as partes e isso é praticamente impossível de ser eliminado em sua completude, justamente por existirem vários obstáculos que dificultam sua eficácia.
No que diz respeito aos custos de um processo (incluindo os honorários advocatícios), sabe-se que se tratam de custos altos, funcionando, em grande parte, como um inibidor ao acesso à justiça, bem como, em contrapartida, um catalisador das vantagens das pessoas ou organizações de maior recurso financeiro, podendo ser ainda pior, por exemplo, quando se trata de pequenas causas, pois normalmente os custos ultrapassam a quantia da contestação. Existe ainda a questão de que o tempo, quanto maior for, pode retardar a conclusão da solução judicial, sendo tais custos aumentados, e, nesse sentido, os fracos são geralmente os que são pressionados a deixar suas causas ou são quase que obrigados a aceitar acordos bem inferiores aos que teriam direito.
Além disso, é válido considerar o reconhecimento do direito juridicamente exigível, na verdade a falta dele, seja por distintas formações educacionais ou até mesmo pelo status social. Isso ocorre devido ao conhecimento limitado que as pessoas têm a respeito de como se deve proceder com uma ação judicial. Além disso, uma outra problemática que ocorre nesse contexto é o fato da indisposição psicológica das pessoas para recorrer a processos judiciais, seja por falta de confiança nos profissionais do direito ou mesmo pelos ambientes que as intimidam, no qual existe alto grau de formalismo.
Outro empecilho ao efetivo acesso à justiça tem relação com os interesses difusos (fragmentados ou coletivos), que por possuir diversas partes interessadas acaba por afugentar um objetivo comum. Assim, Cappelletti e Garth (2002, p.26) apontam o problema fundamental dessa questão: "a razão de sua natureza difusa ? é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação".
É importante ressaltar que para se falar em soluções ao acesso à justiça através da superação de tais obstáculos, faz-se necessário encará-los de forma interligada, concatenada:
Finalmente, como fator complicador dos esforços para atacar as barreiras ao acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas de acesso são inter- relacionados [...] Um estudo sério do acesso à Justiça não pode negligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes (CAPPELLETTI;GARTH, p.29).

1.3 As soluções práticas

No presente item são exibidas as soluções práticas para a execução do direito ao acesso à justiça, tomando ainda como base os ensinamentos de Cappelletti e Garth. Os autores (2002, p.31) enumeram estas soluções em três fases, ou melhor, "ondas". A primeira foi a da assistência judiciária, a segunda tem relação com as reformas tendentes a proporcionar representação jurídica aos interesses "difusos" e por fim, a onda denominada de "enfoque de acesso à justiça".
No tocante à primeira onda, os autores (CAPPELLETTI;GARTH, p.32-46) caracterizam a disponibilização de comissões de agentes privados ou públicos para dar assistência aos cidadãos necessitados e encaminhá-los aos serviços de Justiça com a finalidade de possibilitar-lhes a condução de seus direitos. Eis que os dois autores fazem a identificação de três tipos de assistências: Juridicare, que é a possível escolha de um advogado particular, por cidadãos desfavorecidos financeiramente, custeada pelo próprio Estado; a Defesa Oficial, a qual possui um quadro de advogados efetivos e preparados para prestar serviços aos cidadãos, tanto no critério de consulta quanto no critério de ingresso a possíveis processos; e o Modelo Combinado, que é a adequação do indivíduo às duas anteriores, sendo de sua escolha a que lhe for mais cabível.
De acordo com a segunda onda, a da representação dos interesses difusos, foi impulsionado o pensamento a respeito das noções básicas no processo civil sobre o papel dos tribunais, pois no entendimento habitual do processo civil não restava lugar para resguardar os direitos difusos.
Finalmente, a terceira onda, que tem como objetivo, segundo Cappelletti e Garth (2002, p.67-73), centrar sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas, tendo como método levar em conta as duas primeiras ondas e considerá-las somente como algumas de uma série de possibilidades para a melhoria do acesso.

3 Defensoria Pública

A Defensoria Pública é um dos mecanismos precípuos ao acesso à justiça e à consolidação do Estado Democrático de Direito. Criada a partir da "Constituição Cidadã" de 1988, cumpre, pois, um dever constitucional de prestar assistência judiciária gratuita aos hipossuficientes, estando, assim, configurada como um direito e garantia fundamental na Constituição em seu art. 5º, LXXIV, que afirma: "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos."
Ressalte-se que a eficácia deste dispositivo, conforme destaca José Afonso da Silva (2008, p.607), constituirá "um meio de realizar o princípio da igualização das condições dos desiguais perante a Justiça". Almeja-se, assim, conferir maior efetividade ao princípio da igualdade das condições de acesso à justiça, assegurando aos necessitados o direito tanto de defesa quanto de ação constitucionalmente previstos.
Nessa perspectiva, o art. 134º da Constituição reconhece a relevância da Defensoria Pública enquanto instituição indispensável à Justiça, o qual estabelece que: "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". Atuam, também, no âmbito extrajudicial e através da consultoria jurídica.
Visando organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, segundo as regras de competência estabelecidas nos arts. 21, XIII, e 22, XVII, o §1º do art. 134 prevê que lei complementar ? LC 80 de 12 de Janeiro de 1994 ? realizará tal organização, bem como prescreverá normas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos Estados. Logo, faz-se necessário a transcrição do §2º de tal artigo, uma vez que este proporcionou um fortalecimento das Defensorias Públicas estaduais pelo fato de garantir-lhes autonomia:
Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, §2º.


3.1. Defensoria Pública do Maranhão

A Defensoria Pública do Estado do Maranhão fora criada a partir de Lei Estadual, a qual dispõe sobre a sua organização e funcionamento. Trata-se da Lei Complementar nº. 19 de 11 de Janeiro de 1994. Apesar de ter sido estabelecida em 1994, a estruturação da Defensoria Pública do Maranhão deu-se somente no ano 2000, com a realização do primeiro concurso público para defensores.
Dentre suas atribuições, registram-se onze capítulos que versam sobre: natureza e finalidade; funções; órgãos da Defensoria Pública; competência dos órgãos da Defensoria Pública; garantias e prerrogativas; carreira e ingresso; promoções; remoção; regime disciplinar; direitos e vantagens; disposições finais e transitórias.
Quanto ao seu campo de atuação, o art. 8º, IV, da lei complementar nº. 19/94 prevê que se dá nas seguintes searas: ação penal privada e a subsidiária da ação penal pública; ação cível; defesa em ações penais e cíveis; direitos e interesses do consumidor lesado; defesa dos interesses do menor.
Em entrevista ao Presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Maranhão (ADPEMA), Ricardo Luís de Almeida Teixeira (1), o defensor informou que a Defensoria Pública do Maranhão conta hoje com 46 defensores, mas a lei estadual (2) prevê um número de 85. Chama a atenção para o pequeno número de comarcas atendidas, segundo nos informou o defensor, sendo apenas 4% das comarcas do Estado, revelando-se, assim, uma faixa excessivamente pequena para a população de um Estado tão necessitado dessa assistência jurídica. Analisando-se o último diagnóstico realizado pelo Ministério da Justiça (3) no que concerne à atividade das Defensorias Públicas de todo o país, nota-se que a Defensoria Pública do Maranhão apresentava o menor repasse orçamentário, o menor número de defensores, o menor número de comarcas atendidas, enfim, constava como um dos piores indicadores. Dentre os diversos obstáculos ao acesso à justiça no Maranhão, o defensor Ricardo Teixeira nos destaca um, que em muito possui relação com o presente estudo:
Como lembra Cappelletti, um dos obstáculos ao acesso à justiça é que a pessoa não conhece o direito exigível. No caso do Maranhão isso é muito forte, pois como grande parte da população é praticamente analfabeta, logo não sabe que possui esse direito, e tal desconhecimento faz com que muitas pessoas não procurem seus direitos.

Quanto à atuação da Defensoria Pública do nosso Estado, está a iniciativa de mover ações individuais e coletivas, e um dos mais importantes critérios está no fato de que a lei estadual ? art. 1º, §2º, a ? prevê que serão atendidos pela assistência jurídica integral e gratuita aqueles que possuem renda mensal inferior a três salários mínimos.
No entanto, o presidente da ADPEMA nos deixou claro que a instituição se utiliza de um critério bem mais amplo, que é o da impossibilidade econômica, onde, explica, "o assistido não precisa necessariamente ter uma renda mensal inferior a três salários mínimos, mas sim comprovar que diante dos custos pessoais não tem recursos para pagar os honorários de um advogado e as custas processuais", como é o caso, exemplifica Ricardo Teixeira, dos super endividados, das pessoas que gastam quase todo o salário com o tratamento de doenças, dentre outros. Logo, uma vez comprovada tal impossibilidade, esse indivíduo certamente será atendido pela Defensoria Pública do Maranhão, vez que, segundo o entendimento dos seus membros, não se compreende que alguém, por falta de recursos, fique privado do acesso à justiça.
Outra particularidade que em muito chama a atenção é o fato de que, ao contrário do que comumente se imagina, a Defensoria Pública do Maranhão atua principalmente na seara cível, e não penal. Segundo dados fornecidos pelo Presidente da ADPEMA, a atuação da instituição na área penal corresponde a apenas 15% dos casos, sendo ainda 5% na seara da Criança e da Juventude, enquanto que os 80% restantes são de atuação na área cível. Ademais, o defensor Ricardo Teixeira destaca como a Defensoria Pública mudou muito o seu antigo perfil de instituição de mera defesa, sendo hoje uma instituição que entra com mais ações, ou seja, um órgão que gera mais demandas do que propriamente defesas. Assim, destaca: "E isso é que é interessante, pois as pessoas imaginam que a Defensoria Pública só defende bandidos.".
Importante também é a questão da autonomia conferida constitucionalmente às Defensorias Públicas Estaduais ? funcional e administrativa e iniciativa de sua proposta orçamentária. No Maranhão só recentemente, após forte resistência do governo, fora aprovada sua proposta de iniciativa orçamentária. O presidente da ADPEMA reputa que tal resistência devia-se ao fato dessa iniciativa representar uma ameaça de perder seu quinhão orçamentário para uma instituição que se tornaria independente e da qual ele não mais poderia arbitrar. Ainda sobre essa resistência, afirma o defensor Ricardo Teixeira:
O que nós percebemos é que com o trabalho que estamos fazendo, está havendo um crescimento na procura. [...] Esse ano provavelmente conseguiremos superar a casa dos 100 mil atendidos, e o Maranhão tem potencial, na minha opinião, para 500 mil. Então, nós temos um caminho de crescimento muito forte, apesar da resistência do governo, que, se fosse favorável à instituição, seria um crescimento vertiginoso.

Afirma, ainda, que havia grande resistência também por parte do Ministério Público e da Procuradoria do Estado, os quais se sentiam intimidados pelo forte crescimento da Defensoria Pública, acreditando o Ministério Público ser isso uma ameaça a sua credibilidade, pois a Defensoria Pública sempre foi vista como uma instituição pequena, minimizada; por outro lado a Procuradoria do Estado temia ter o seu bolo orçamentário diminuído diante do aumento do orçamento da Defensoria Pública, vendo aí, portanto, o seu enfraquecimento. O que se altera com essa iniciativa, nos explica o defensor, é que há um aumento do repasse orçamentário, atendendo, assim, às reais necessidades da Defensoria Pública do Estado, implicando, desse modo, no aumento da quantidade de defensores, bem como no conseqüente melhoramento da qualidade do serviço prestado(4).

Conclusão

Através da análise do estudo de Cappelletti e Garth é possível perceber que o acesso à justiça sempre encontrou barreiras a sua efetivação, tais como os altos custos dos processos e a falta de informação dos cidadãos quanto aos seus direitos, estando estes obstáculos interligados, devendo, desse modo, a solução para tal questão ser encarada de modo uniforme para que se pudesse efetivar o acesso à justiça.
A Constituição Federal de 1988 proporcionou a conquista do direito fundamental do acesso à justiça mediante a assistência jurídica integral e gratuita, revelando-se, assim, como fator indispensável à consolidação da concepção de Estado Democrático de Direito, bem como a superação de um dos maiores obstáculos a este acesso, que eram os tradicionais custos altos do processo. Assim, foram criadas as Defensorias Públicas, pois somente assim se possibilitariam as garantias constitucionais do devido processo legal (assim como os princípios do contraditório e da ampla defesa) e da igualdade entre as partes.
No tocante às especificidades da Defensoria Pública do Estado do Maranhão nos faz refletir em que sentido a prerrogativa constitucional do acesso à justiça encontra barreiras e resistências na prática, pois se nota que esse órgão enfrenta ainda inúmeros entraves ocasionados pela resistência tanto dos governantes, quanto de outras instituições que temem o seu crescimento. Ora, se a Lei Maior prevê a consolidação de um direito fundamental e o que se vê na realidade maranhense são empecilhos à esfera de atuação da instituição, conclui-se que tal Estado Democrático de Direito não está cumprindo com o seu papel de criar um Estado de justiça social, fundamentado, dentre outros aspectos, na cidadania e na dignidade da pessoa humana.
Logo, deseja-se que as Defensorias Públicas de todo o país possuam autonomia para, fortalecidas, atuarem segundo as enormes necessidades do povo brasileiro, o qual em sua maioria não possui meios para de fato ter acesso à justiça, configurando-se, através dela, a própria efetividade da Constituição.
Como é sabido, o acesso à justiça, segundo os ensinamentos de Cappelletti e Garth, jamais será pleno em virtude das persistentes e difíceis de serem eliminadas diferenças entre as partes. Um dos maiores obstáculos já fora conquistado, que foi a aquisição da garantia constitucional de assistência jurídica integral e gratuita. Apela-se, entretanto, para a necessidade de tornar tais diferenças entre as partes cada vez menores, e isso será possível na medida em que os cidadãos forem cada vez mais conscientizados e informados sobre seus direitos, do mesmo modo em que as Defensorias Públicas, fornecedoras do auxílio ao exercício desse direito exigível, não mais encontrem resistências seja por parte dos governantes, seja por parte de outras instituições, visando, assim, o seu crescimento e fortalecimento, bem como o conseqüente aumento da quantidade de cidadãos acolhidos por essa garantia, possibilitando, portanto, já que não o inalcançável pleno, mas o máximo de acesso à justiça.


ABSTRACT
A study conducted on the role of the 1988 Constitution and the democratic rule of law as enshrined in the fundamental right of citizen access to justice and equality between the parties, and this is carried out by the institution of the Public Defender, and a brief explanation about the evolution of the concept of access to justice along with the barriers commonly reported and the consequent practical solutions to this issue.


KEY WORDS
Democratic rule of Law. Access to justice. Public Defender.

NOTAS
(1) TEIXEIRA, Ricardo Luís de Almeida. Defensoria Pública do Maranhão. Nov, 2008. Entrevistadora: Cláudia Priscyla Pereira Reis: São Luís: UNDB, 2008.

(2) Lei Complementar nº. 19/94 ? ANEXO II, quadro de carreira da Defensoria Pública

(3) MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: www.anadp.org.br/wtksite/downloads/Diag_defensoria_II.pdf. Acesso em: 15/10/08.

(4) Para se ter idéia, nos informou Ricardo Teixeira, o orçamento passado pelo governo à Defensoria era em torno de R$5 milhões de reais, e hoje a instituição já conta com um orçamento de cerca de R$14 milhões de reais, valor este bem mais condizente com suas reais necessidades.


REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

GRINOVER, Ada Pelegrine; CINTRA, Antonio Carlos e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

LEI COMPLEMENTAR Nº. 19-94 - MA. Disponível em: http://www.dpe.ma.gov.br/documentos/LC19.htm. Acesso em: 20/10/08.

MINISTÉRIO JUSTIÇA. Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em: http://www.anadp.org.br/wtksite/downloads/Diag_defensoria_II.pdf. Acesso em: 15/10/08.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

TEIXEIRA, Ricardo Luís de Almeida. Defensoria Pública do Maranhão. Nov, 2008. Entrevistadora: Cláudia Priscyla Reis: São Luís: UNDB, 2008.


(1) TEIXEIRA, Ricardo Luís de Almeida. Defensoria Pública do Maranhão. Nov, 2008. Entrevistadora: Cláudia Priscyla Pereira Reis: São Luís: UNDB, 2008.