ESPÍRITO: NOSSO EU MESMO
Por Fernando Rosemberg Patrocínio | 27/05/2016 | Filosofia
ESPÍRITO: NOSSO EU MESMO
Alegava Descartes, em trechos da quarta parte do seu importante: “Discurso do Método”, e, portanto, em suas conclusões de ordem filosófica e matemática, haver compreendido que:
“... Eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que esse Eu, isto é, a Alma, pela qual Sou o que Sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, (grifos meus) e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que É”. (Opus Cit. - Internet).
Todavia, do tempo de Descartes para cá, o conhecimento, de um modo geral, avançou muito e, no caso em questão, devassou-se as entranhas do biológico, do aspecto físico dos Seres e das coisas, e, portanto, o Homem já sabe quase tudo de si mesmo. Ou, pelo menos, da notável engenhosidade de sua natureza somática, seja nos aspectos mecânicos e físico-químicos de tal, avançando-se para os mais sutis mecanismos, permitindo-lhe entrever algo de sua interioridade energética, ou bioplasmática, que se irradia exteriorizando a aura dos corpos vivos e mesmo das coisas inertes e tão-só materiais.
Portanto, se no Século 17 de Descartes, tornara-se, para ele, mais fácil conhecer-se a Si mesmo, como Ente pensante e como Espírito imortal, parece-me que, neste início do Século 21, as técnicas avançadas do mundo científico, no curso dos tempos que se transcorreram, inverteram o sentido das coisas, pois hoje, muito mais se sabe do corpo que do Espírito, muito mais do físico (matéria) que do não-físico (Alma); conquanto também se avance no sentido do energético, do espiritual e transcendente de todos nós.
É que o primeiro a impressionar-nos os sentidos é o material, o denso das coisas físicas, do fisiológico, do compacto estrutural; o Espírito, pela ordem natural das coisas, vem depois, numa sucessão de três planos entrosantes, consecutivos, interligados.
Ou seja: no início vem a matéria, depois a energia, e, posteriormente, algo ainda mais abstrato refletindo-se no fator cognitivo, no axiológico, nos procedimentos morais, bem como no ultra-cognitivo de tal fator, numa escalada evolucional infinita direcionada para algo desconhecido de nossa inteligência e espiritualidade. Assim, deparamo-nos, do ponto de vista dos conhecimentos científicos do Mundo terreno, com os três sucessivos componentes:
-Matéria, Energia e Psi, ou, Funções Psi, de Joseph Banks Rhine; como já é do conhecimento atual.
E, do ponto de vista espiritista, temos algo parecido:
-Matéria, Fluido Cósmico Universal e Espírito: que é o Princípio Inteligente individuado, dotado das Funções Psi e sujeito à reencarnação nos diferentes Mundos para seus progressos e evolução.
De retorno, pois, ao pensamento de Descartes, e, comparando-o com o nosso tempo, parece-me que, hoje, invertera-se a ordem das coisas, pois se conhece muito do corpo e se conhece pouco do Espírito, do Ser pensante de nós mesmos; porquanto, não sabemos o que ele é, do que se constitui intimamente e quais são os mais secretos mecanismos do psiquismo, do pensar que dele mesmo se destaca e flui continuamente num processo cognitivo dinâmico que, mesmo pelo sono do corpo, da pausa fisiológica necessária, não se paralisa jamais, pois constatamos, na prática mesma (lembranças do sonho), que nossa atividade psíquica prossegue, indefinidamente, noutras dimensões conscienciais.
Portanto, em nossa dicotomia, o Espírito humano reflete um psiquismo dinâmico de natureza e essencialidade desconhecidas, conquanto ele mesmo, o Espírito, em pessoa, venha a nos expressar como inteligência-moral neste Mundo a que pertencemos como Homem, sendo este, pois, o serviçal, aquilo que está a serviço da Alma, do Espírito, seu comandante afinal.
Paradoxalmente, pois, eu, você, todos nós, somos constituídos de corpo e Alma, de soma e de Espírito, sendo, pois, por meio dele mesmo, ou seja, do Homem, como Espírito reencarnado num corpo, que crescemos, estudamos, trabalhamos e o empregamos, juntos, estando um ligado ao outro como meio de vida, de saber, de aquisição de valores, sejam eles afetivos, ou morais, num todo consciencial que parece expandir-se na ordem de Si mesmo, na ordem, pois, de sua capacidade cognitiva, mental e moral.
Sendo positivamente lógico afirmar-se que: é por meio do Espírito que eu conheço, mas, definitivamente, pouco me conheço.
Ou, noutros termos:
É por meio do Espírito que eu sei, entretanto, de mim mesmo, quase nada sei.
Ora, o que sabemos, pois, do Espírito?
Do que, intimamente, ele se formara, se constituíra como instrumento pensante, dinâmico e, filosoficamente, perquiridor?
De onde ele procedera no tempo, ou, quem sabe, do além-tempo, da eternidade atemporal?
Não só não sabemos de onde o mesmo procedera e tampouco o sabemos - em nossa bronquice - para onde se vai, para que outros Mundos, piores ou melhores, estamos rumando, nos dirigindo, por nossa grave culpa ou nossa elevação moral.
Repiso, pois, que é no Espírito mesmo, e, com ele mesmo, que estudamos, aprendemos, trabalhamos, experienciamos e, portanto, por um longo tempo - evidencia-se: palingenésico - vimos com ele laborando, exercitando, evoluindo, tomando atitudes condenáveis umas e aprováveis outras, piores ou melhores; ou seja: fazendo tudo quanto fazemos sem atinarmos para o fato de que não sabemos o que ele é: de que tudo, ou quase tudo, desse tal de Espírito ignoramos, se mostrando ele, pois, como o maior dos mistérios do nosso saber que, em suma, não sabe, mas que, um dia, deposito esperança, saberá.
Assim, tal princípio anímico é, ainda, uma incógnita que não se tem como definir e entender mais objetivamente, quando, em contrapartida, tal se define e se revela por meio de nós mesmos, nosso procedimento, nosso caráter, nosso labor, nosso saber que tão pouco sabe, pois que nem mesmo a si próprio se conhece; conquanto nele mesmo se reflita, se estabeleça e se componha no condicionamento de sua unidade dicotomizada por: essência e corporalidade, que, acrescentando-se mais, se poderia concebê-la como unidade trina: por Espírito, Perispírito e Corporalidade física.
Sem mais, concluo refletindo que: se, para Descartes, parecia-lhe mais fácil conhecer o Espírito que o corpo, afigurasse-nos, que, presentemente, a coisa algo se invertera, parecendo-nos mais fácil conhecer o corpo que o Espírito, se não for esta uma equivocada impressão de minha Cogniscidade, agitada pelos seus compromissos, correrias, labores diversos, quando, nas paradas momentâneas, tal como agora, se debruça sobre si mesma, interiorizando-se na essencialidade, para, novamente, exteriorizar-se na temporalidade mundana, necessidade exata, mas momentânea, de nossos Espíritos imortais.
Obs.: é até possível que, tal como Descartes, já saibamos um tanto mais do Espírito, pois nosso saber não se restringe ao agora da presente corporalidade física; mas se estende ao amplo saber universal que, como Consciência plena, livre, leve e solta nos espaços espirituais, já detemos em nós mesmos.
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