Epopéia mineira

Por josé maria couto moreira | 02/02/2016 | Crônicas

Epopeia mineira

José Maria Couto Moreira*

Tem sido lamentada, no Brasil e no exterior, pela imprensa, mandatários, escritores e poetas, a terrível enchente de lama que cobriu as cercanias de Mariana. A corredeira não parou por ali, mas prosseguiu em sua fúria incontrolável em direção ao mar, manchando águas doces e piscosas com seu lamaceiro destruidor. Minas sofreu pelo falso represamento das águas do ferro, e, coléricas, foram correndo pelos vales, depressões e jusantes que lhe permitiam o curso abominável, arrastando consigo anônimos residentes e exemplares vivos daquela paisagem que a natureza tanto se esforçou para criar e manter, levando em ondas revoltas todas as moradias onde o aguaceiro lhes impedia o curso, animais, plantações, a história e até as lembranças de famílias ali fixadas por mais de século. As repercussões sociais, econômicas e ambientais da enorme desgraça provocou manifestação de todos os setores do país. Foi um acontecimento terrível, muito embora seja o fato merecedor do costumeiro refrão da “tragédia anunciada”.
Este fato vil, para o qual não se aponta a fatalidade como causadora, encerra danos absolutamente não indenizáveis, sejam as infelizes vítimas, seus parentes sobrevivos, seus pertences memoriais, sua paisagem natural e tudo mais que no direito se pode abranger em danos morais, materiais e ambientais, estes, então, mandados às calendas. Sabemos todos que o responsável, único e exclusivo, é o homem, seja ele traduzido não apenas por aqueles que operam o mercado que os enriqueceu, mas as instituições públicas que lhes autorizaram e os que, por leniência ou mesmo atendendo a interesses inconfessáveis, não realizaram a indispensável e periódica fiscalização.
Isto posto - o tempo dirá - nunca será demais o que se disser sobre esta ocorrência tenebrosa, tudo se marcará como depoimento sobre ela, e que este, sempre em nossa lembrança, se preste a servir do que pode o descaso produzir de desastre e tristeza numa comunidade. A propósito, em belo e sentido texto, descreveu bem esta melancolia a profa. Marly Moysés Araújo, evocando o sonho do imortal Alphonsus.
Neste episódio, não se podem alinhar apenas a comoção mais o forte impacto e o espanto que nos rodeiam desde a notícia infausta, mas sejam exaltadas a solidariedade imensa do brasileiro, assinalada, primeiro, entre as próprias vítimas, que tentavam minorar a angústia do próximo; a manifestação de pesar e material provinda dos nossos rincões, a vigilância da imprensa sobre as providências que se reclamavam, e o concurso imediato e corajoso dos nossos bombeiros militares, sempre ciosos de seu dever, expondo-se a riscos para o levantamento das perdas humanas e seu resgate.
O rompimento da represa e a velocidade avassaladora da lama sem observar geografia e limites, nos impõe dias de desgosto e pesar. A tragédia é o preço da natureza pelo pecado do homem em violentá-la.
Não afrontemos este arsenal de forças vivas, porque, ao contrário de Deus, ela não perdoa.

*Advogado

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