Enxerto Revelador

Por Central Press | 26/03/2013 | Educação

*Wanda Camargo

Embora no ensino superior a situação se mostre um pouco menos dramática, no ensino fundamental e médio temos encontrado significativa parcela de docentes desmotivados, descrentes do próprio processo educativo e sem ânimo para procurar qualificação em outras áreas. Sem cair no chavão do magistério como “missão”, é evidente que todas as atividades profissionais requerem vocação - e uma forte crença na diferença promovida por seu desempenho na vida comunitária.

Parte do desinteresse provavelmente se deve à má remuneração, acrescida da constatação do pouco respeito pela função. Quase todos os professores neste país já tiveram que responder à inquietante pergunta “mas você não trabalha, só dá aulas?”. Assim, não é de estranhar os maus resultados do sistema educacional brasileiro frente às grandes avaliações internacionais, em qualquer nível de ensino.

A falta de estrutura física adequada (pois inacreditavelmente nem todas as escolas têm biblioteca ou laboratórios didáticos, quase nenhuma quadra esportiva, além de outras instalações indispensáveis aos professores, coordenadores e alunos) são fatores impeditivos ao bom exercício profissional. Isto acarreta negligência, desestímulo à adoção de novas metodologias de ensino e termina levando a um ciclo perigoso de indulgências - em que o professor releva o mau desempenho do aluno e este não espera dedicação do professor.

As provas de redação do último ENEM parecem ter levado esta calamidade ao paroxismo, pois além dos habituais erros gramaticais e de ortografia, aparentemente por pura brincadeira, alguns candidatos nela fizeram enxertos - em uma das redações, receita de macarrão instantâneo, em outra, o hino de um time de futebol. Não haveria nada de errado nisso, fossem citações devidamente destacadas e em absoluta relação contextual com o desenvolvimento do tema proposto. Mas, aparentemente, eram apenas recursos de preenchimento de espaço.

Isso revela mais do que uma suposta malandragem: é uma declaração de que os autores não acreditavam que as redações seriam corrigidas e, o mais desastroso, talvez tal descrença tenha sua gênese em trabalhos escolares não ponderados - ou sequer lidos - por professores que já não acreditam mais em sua profissão.

Lamentável que isso ocorra em nosso país, justamente quando poderíamos dar, finalmente, o salto de desenvolvimento prometido e aguardado por séculos. Desde o início dos anos 1990 obtivemos grandes vitórias nesse sentido, vivemos uma democracia que se sedimenta e aperfeiçoa, estabilizamos a moeda, iniciamos o resgate de imensa dívida social. Não podemos seguir em frente de modo sustentável sem que a maior parte da população tenha educação de boa qualidade em todos os níveis – e, para isso, o professor é essencial, é vital, é indispensável. E que justamente este profissional não se sinta valorizado e até orgulhoso da sua profissão, denota algo profundamente errado.

Não se trata apenas de investimentos em educação. Talvez a questão sequer seja esta. O Brasil é um dos países que mais investem proporcionalmente nesta área. Mas investe mal, ataca os problemas visíveis, ou seja, aqueles que dão visibilidade política - e ignora aqueles profundos, de base.

Em escolas públicas de ensino médio noturno, não é raro encontrar alunos circulando ruidosos nas proximidades do prédio, algumas vezes consumindo drogas, agredindo moradores das proximidades e, eventualmente, seus colegas. Os outros alunos, exaustos após um dia de trabalho e, ainda assim, dispostos a passar horas estudando na busca de conhecimento e melhoria de vida, não têm coragem de comentar a questão, por perigosa demais. Diretores, professores e funcionários, ainda que bem intencionados, muito pouco podem fazer. São comuns os casos de ameaças e agressões, geralmente impunes.

A quebra de hierarquias baseadas no conhecimento, a desvalorização do empenho, da competência, em detrimento da esperteza e da mera aparência, constituem problemas de toda a sociedade. Na escola, isto é muito mais doloroso, por ser de onde deveriam partir os bons exemplos. 

 

* Wanda Camargo é educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.