Entretenimento Educativo (2)
Por Bernard Gontier | 30/10/2009 | HistóriaAlguma educação e alguma habilidade. Um pouco dos dois, sem isso não há ensino. O sujeito que rabiscou o javali na caverna de Altamira tinha evidentemente de ser a um só tempo um observador e um desenhista. O gênio da Disney de então (1935), sr. Carl Barks, era autodidata.
Nascido na alvorada do século XX e tendo de caminhar 6 km por dia para se educar numa escola rural, Barks diria mais tarde que “nunca fui mais longe do que meu quintal. Minha prancheta de desenho era meu tapete voador, sempre abarrotada de enciclopédias que ganhava de amigos.” Até chegar aos estúdios Disney, Barks foi fazendeiro, lenhador, torneiro, condutor de mulas, vaqueiro e impressor. Ele estava com 34 anos quando aterrizou na Califórnia, e a vida lhe ensinara que “o humor preserva a sanidade e aumenta a noção de sobrevivência”. (A frase é Charles Chaplin, outro educador que entreteve). Os personagens de Barks mais conhecidos, Pato Donald e Tio Patinhas, transpirariam muito de seu mentor. E inspirariam outros artistas. Spielberg não esconde que alguns de seus filmes tem cenas inspiradas em histórias de Donald e Patinhas.
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A ferramenta ainda não estava há disposição, não totalmente, mas depois que o projetor de Lumiére foi patenteado subiu-se uma oitava em relação a Lanterna Mágica e estava-se mais próximo da transformação do cinema em espetáculo.
Data: 1902. Filme: “Le Voyage dans la Lune” (Viagem à Lua), de autoria do francês Georges Meliés, um misto de pintor, ilusionista, cenógrafo e mecânico, nascido em 1861. Meliés tinha 35 anos quando começou a produzir filmes, e parece que todos os truques do futuro cinema, ou do cinema do futuro, já estavam na sua cabeça. Câmera lenta e acelerada, justaposição de imagens, desenho animado misturado com realidade, miniaturas, neve artificial, Meliés pintou e bordou e descobriu até a chave de ouro da bilheteria: o nu feminino.
Nem “As Sete Bolas de Cristal”, de Hergé (“Tintim”), nem futurista de tempo algum previu a corrida cinematográfica, tanto sua existência quanto sua intensidade, na virada do século XX. A interação das imagens e a troca de informações dava saltos quânticos diários e os alfabetizados podiam, ao menos, ler tiras de jornal ilustradas, sobre, por exemplo, “As Minas do Rei Salomão”, sem nunca na vida ter sequer ouvido falar do assunto. Bastaria, porém, uma primeira vez. Se em pleno século XXI o primarismo das reações humanas nos remetem as cavernas de Altamira, é de se pensar como reagiu a platéia, num segundo instante, após a projeção dos 16 minutos de “Viagem à Lua”.
Truman Capote disse que o lance do artista é transformar sofrimento em arte. Ele não foi o único a perceber isso, nem o primeiro a dizer. Mas encerrou sua carreira literária ao se deparar com o mal que existe dentro do coração humano. Seu último livro gerou filmes, mas já sabemos que filmes, em geral, trilharam um longo caminho do manuseio humano pelo experimento, até que fossem viabilizados.
Numa frágil e temerária linha do tempo exposta no artigo anterior, que vai da percepção de Lucrecio Caro à Lanterna Mágica decorrem aproximadamente 1.700 anos. Da Lanterna ao projetor de Auguste e Louis Lumiére mais 300 anos. Na última década do século XIX tem-se a nítida impressão de que um esforço individual, ou seja, cada qual no seu canto, sem comunicação alguma com seus pares de criação, culmina num esforço internacional para que o cinema acontecesse.
Na Inglaterra, Willian Friese Greene e Willian Dickson (esse último trabalhou para Tomas Edison), na França, Louis Leprince (que desapareceu misteriosamente), na América do Norte, Birt Acres, na Alemanha, Max Skaladanowski, na Itália, Filoteo Alberini. Longa é a lista que se tem notícia, inviável talvez seja a lista real. Esse esforço, genericamente falando, era para viabilizar o cinetoscópio Edison (e genéricos), e sua adequação à percepção humana das imagens por segundo. A partir desse parâmetro, foi num curto período de tempo que a tecnologia se ajustou ao ser, (cerca de 3 anos), e das concebidas 45 imagens por segundo chegou-se nas palatáveis 16 imagens por segundo (cinema mudo).
Em Portugal, a primeira sessão pública de cinema se deu em junho de 1896. Um mês depois o italiano Vitório de Maio leva o omniógrafo para o Rio de Janeiro, pois a máquina é a mesma porém a inclinação humana para batismos variados parece inesgotável.
A “Viagem à Lua”, de Meliés, ocorrerá em 1902 e nessa data Carl Barks estava com alguns meses de vida.
O século XX será, sem sombra de dúvida, taxado de muitos rótulos, valendo então aqui rotular como o século do cinema e dos quadrinhos. Duas formas distintas, embora um tanto primas, de condensar e popularizar informações que antes existiam apenas em bibliotecas.