ENTRE A DEFESA DO CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Por george cabral cardoso | 13/12/2016 | Direito

 DESCRIÇÃO DO CASO

O CONANDA, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão de vínculo com a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, resolveu tratar, através de uma resolução, acerca da publicidade, dentro do mercado consumerista, que se direciona à criança e ao adolescente, prevendo, em seu artigo 2°, algumas práticas abusivas em relação a estes. Para tanto, baseou-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90) e no Código de Consumidor (Lei n° 8.078/90).

Diante disso, a Associação dos Profissionais de Propaganda (APP), erigiu manifesto, vez que o controle feito pelo CONANDA já é amparado por lei outras leis, bem como pelo Código Brasileiro de Autoregulamentação Publicitária (CBAP), sendo tais aplicados pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (CONAR). Argumentou, ademais, que a atitude do CONANDA configura uma decisão arbitrária, que fere o Direito Constitucional à Liberdade de Expressão, e que somente o Congresso Nacional, tendo em vista as disposições constitucionais, detém a legitimidade para legislar acerca da atividade publicitária.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 

2.1 Descrição das Decisões Possíveis: 

  • A Resolução nº 163/2014 do CONANDA não atende a legislação consumerista bem como não protege o interesse das crianças e adolescentes sem inviabilizar atividade publicitária; 
  • A Resolução nº 163/2014 do CONANDA atende a legislação consumerista e protege o interesse das crianças e adolescentes, sem inviabiliza a atividade publicitária 

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão: 

  • Há princípio ressalta-se a inconstitucionalidade da Resolução n° 163/2014. O art. 220 da Constituição Federal, traz em seu texto “a manifestação do pensamento , a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observando o disposto nesta Constituição”. Desta feita é evidente que o Poder Constituinte Originário em admitir que a manifestação do pensamento e sua veiculação sofra restrições decorrentes da própria Constituição. Trata-se, portanto, da materialização do direito fundamental à liberdade de expressão. Ao tratar da Liberdade de Expressão, Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 125) elucida que:

 “Por liberdade de pensamento e de manifestação entendemos a tutela (proteção) constitucional a toda mensagem passível de comunicação, assim como toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer temática, seja essa relevante ou não aos olhos do interesse público, ou mesmo dotada – ou não- de valor. Por isso mesmo, não é apenas a transmissão da mensagem falada ou escrita que encontra proteção constitucional, como ainda a mensagem veiculada através de gestos e expressões corporais”

Nesse contexto, a Resolução 163/2014, por considerar ilegal praticamente toda e qualquer publicidade direcionada ao público infantil, é inconstitucional. Há latente supressão à liberdade de expressão, ao direito de veicular a criação publicitária e até mesmo à informação, não se admitindo essas restrições, senão decorrências de normas constitucionais.

Para Ricardo Costa e Juliana Fraga (20[**], p.9):

os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, por utilizar recursos como a imagem aliada ao som, apresenta uma evolução crescente no que tange as formas apresentadas por meio dos avanços nos recursos tecnológicos atraindo, cada vez mais a atenção deste público, que despreparados pela falta de maturidade, pode vir a realizar ações que por impulso possam gerar a compra do produto sugerido. Existe ainda, a forma de persuadir estes consumidores de forma indireta, ou seja, destinar a eles a propaganda como forma de torná-los, não os decisores da compra, mas sim, os influenciadores, aqueles que irão trabalhar, mesmo que de forma inconsciente, para que seus pais os responsáveis venham a adquirir um determinado produto.

Por ser infralegal, a Resolução do Conanda deveria observar o disposto pela Constituição e pelas leis federias que regulamentam a temática, entretanto não há essa observância no que diz respeito ao disposto na Resolução 163/2014. Dispõe o art. 37, §2º, CDC, quando afirma que “é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite a violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança [...]” (negrito nosso), evidenciando-se, pois, a preocupação do legislador em classificar como abusiva apenas a publicidade direcionada ao publico infantil que tire proveito da deficiência de julgamento e inexperiência da criança, estando, portanto, a Resolução 163/2014 em desconformidade com a legislação consumerista. Acerca do tema, Tiago Zapater (2014, p.1) afirma:

“Em tese, até se poderia admitir regulamentação voltada a identificar critérios para averiguar se a publicidade se aproveita ou não de deficiência de julgamento da criança – embora a técnica original do CDC seja mais recomendável, ao ultilizar expressões abertas que, a cada caso concreto, podem ser interpretadas pelas autoridades-, mas nunca proibição total. O ato normativo infralegal regulamenta a lei e, por isso, não pode proibir o que a lei, e mais do que isso, a Constituição, permitiram.”.

Por fim, é importante ressaltar que o principio da proteção integral do menor, plasmado no art. 227 da Constituição Federal, é contemplado pela legislação consumerista, seu aparo se dá de forma satisfatória com a existência de limites à publicidade direcionada ao público infantil.

  • Entre os direitos básicos do consumidor, disposto no art. 6º do CDC, está a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços. Toda essa proteção parte do principio da vulnerabilidade do consumidor que, segundo João Batista de Almeida (2008, p.24), é “a primeira justificativa para o surgimento da tutela do consumidor”.

Se o grau de vulnerabilidade dos consumidores na fase adulta é alto, maior ainda é a vulnerabilidade dos consumidores do publico infantil, tomados por consumidores equiparados. Ciente dessa vulnerabilidade do consumidor infantil e de sua influência nas relações de consumo diárias foi que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) criou a Resolução nº 163/2014, regulando a publicidade direcionada ao público infantil.

A proibição da publicidade abusiva direcionada ao publico infantil recebe fundamento pela própria legislação consumerista, tendo em vista que o rol do art. 37 do CDC é meramente exemplificativo, sendo passível de abrangência. Nesse sentido, assertam Isabella Henriquenes e Pedro Hartung (2014, p.1) que “logo, a ilegalidade da publicidade infantil e sua consequente proibição, explicitada pelo Conanda, fundamentam-se no próprio CDC, especificamente nas disposições do parágrafo 2º do artigo 37, que estabelece – com o uso da expressão “dentre outras”-, um rol exemplificativo de publicidades abusivas, destacando aquela que se aproveite de julgamento e experiência da criança.

Tem-se, ademais que não se pode mais ter a publicidade como um instituto meramente informativo. João Batista de Almeida (2008, p.118) ressalta que “o consumidor é induzido a consumir, bombardeado pela publicidade massiva que o cerca em todos os lugares e momentos de seu dia-a-dia”. Dessa forma, a hipervulnerabilidade do publico infantil exige uma atenção ainda maior da tutela estatal, considerando o principio constitucional da proteção integral do menor.

Corroborando com essa linha de pensamento, Isabella Henriques e Pedro Hartung (2014, p.1) proferem que:

a resolução 163 do Conanda apresenta-se, portanto, como um marco histórico e paradigmático, uma vez que explicita o dever do aplicador da Constituição Federal, do ECA e do CDC de coibir a publicidade e a comunicação mercadológica que abusa da hipervulnerabilidade da criança brasileira e viola, de forma clara, os direitos legalmente assegurados e a ética socialmente compartilhada de cuidado da infância com absoluta prioridade.

Assim, a resolução 163/2014 representa a materialização do principio da proteção integral do menor aplicado às relações de consumo, onde a tutela estatal busca alcançar a proteção das crianças contra a sociedade movida pelo consumo exacerbado e o desperdício.

2.3 Descrição dos Critérios e Valores: 

  • Liberdade de expressão: diz respeito à liberdade de veiculação de criação artística e do pensamento, abrangendo a publicidade.
  • Principio da Legalidade: diz respeito à observância do disposto em lei.
  • Vulnerabilidade do consumidor: principio que norteia as relações de consumo, justificando a tutela estatal.
  • Proteção integral do menor: principio irradiado por todo o ordenamento jurídico nacional, visando a proteção dos interesses do menor. 

3 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008.

COSTA, Ricardo; FRAGA, Juliana. Os Direitos da Criança Diante da Publicidade. Disponível:< /www.metodista.br>. Acesso em: 27 Set 2014.

FERNANDES, Bernado Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3ª . Ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

HENRIQUES, Isabella; HANTUNG, Pedro. Sim, a publicidade voltada às crianças é abusiva e ilegal. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/2014-jun-25/sim+a+publicidade+voltada+as+criancas+e+abusiva+e+ilegal> Acesso em 25 Set 2014.

ZAPATER, Tiago Vaitekunas. Não se pode admitir a proibição total da publicidade infantil. Publicado em 11 de Abril de 2014. Disponível:<em http://www.conjur.com.br/2014-abr-11/tiago-zapater-nao-admitir-proibicao-total-publicidade-infantil >. Acesso em: 23 Set 2014.

[1] Case apresentado à disciplina Direito do Consumidor, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;

[2] Aluno do 6º período, do curso de Direito da UNDB;

[3] Professora da disciplina Direito do Consumidor, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;