ENTRANDO NAS VIA(DA)GENS TEOLÓGICAS: SUBSÍDIOS BÁSICOS PARA UMA...

Por Maylton Marques Lourenço | 29/08/2016 | Religião

ENTRANDO NAS VIA(DA)GENS TEOLÓGICAS: SUBSÍDIOS BÁSICOS PARA UMA TEOLOGIA INCLUSIVA NO SÉCULO 21

André Sidnei Musskopf possui graduação (2001), mestrado (2004) e doutorado (2008) em Teologia pela Escola Superior de Teologia, além de ser pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Gênero nas áreas de: estudos feministas, estudos de gênero, estudos queer, masculinidade, homossexualidade e diversidade sexual.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia na Cátedra de Teologia e Gênero e integra a Coordenação do Programa de Gênero e Religião da Faculdades EST. A obra que será analisada será As Via(da)gens Teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil, sua tese de doutorado: abordará a sexualidade na sociedade brasileira desde o Brasil Colônia ao Brasil no início do século 21.

Na sociedade brasileira há ambientes definidos para a manifestação das sexualidades ditas desviantes: o carnaval. É comum os homens vestirem-se de mulher e vice-versa com o fim de divertir e celebrar de maneira diferente a festa “profana”, como assim é dita pelas igrejas tradicionais. É nesta época que as desviantes variações de sexualidade são expostas, sentidas e permitidas.

Contudo no mundo cristão os espaços de conhecimentos e manifestações de sexualidade também são restritos: as romarias, procissões e peregrinações, pois são nesses espaços que as pessoas se socializam criando vínculos e laços afetivos, culminando, em algumas vezes, nas práticas sexuais.

Sexo e religião são duas dimensões fundamentais na vida de brasileiros e brasileiras que, ao longo da história do país, se converteram em motivo de orgulho e identificação e se tornaram foco do desenvolvimento de rotas turísticas provocando tanto uma movimentação interna, quanto atraindo visitantes de outras partes do mundo (...) Na área da sexualidade, o que atrai e provoca esta movimentação é a suposta liberdade sexual e o erotismo dos quais os festejos populares do Carnaval são a expressão mais vívida e representativa. Na área da religiosidade, o maior país católico (religioso) do mundo atrai e provoca movimentações por suas incontáveis romarias, procissões e peregrinações aos santuários da fé, muitas das quais transformadas em patrimônio cultural. (MUSSKOPF, 2008, p. 30)

Partindo deste princípio André Musskopf vai retratar da sexualidade no Brasil dentro da religião. Iniciando seus debates no Brasil Colônia ele abordará alguns aspectos como: partindo do princípio do mito fundador do Brasil                                                                                                                                                                              foi construído com base no tripé da “sagração da natureza” (o Brasil seria o Éden da qual a literatura cristã medieval tão abordava), “sagração histórica” (o Brasil seria um território que Deus concedeu aos portugueses para formar o novo céus e nova terra profetizados por Isaías – Is. 66:18-22) e a “sagração do governante” (era função do rei de Portugal como soberano realizar a obra divina no território “descoberto”).

Este mito, portanto, desenvolveu-se dentro de uma perspectiva de “poder teológico-político” através das “três operações divinas que, no mito fundador correspondem pelo Brasil: a obra de Deus, isto é, a Natureza, a palavra de Deus, isto é, a história, e a vontade de Deus, isto é o Estado”. (MUSSKOPF, 2008, p. 35)

Nesse imaginário europeu que se cria alguns mitos sobre os nativos, utilizando, também, sua sexualidade. Em primeiro lugar eles são puros e inocentes por deixar a mostra sua nudez (“vergonhas”). Mas essa ideia inicial não foi a predominante nem manteve por muito tempo: “Muito cedo a própria nudez passou a ser associada à ideia de licenciosidade e construir uma característica animalesca relacionada ao imaginário infernal’” (MUSSKOPF, 2008, p. 39).

Os costumes e práticas indígenas, em geral não compreendidas pelos colonizadores devido a seus preconceitos e até mesmo por sua falta de interesse, que comprovavam a relação entre nudez e promiscuidade, atestando sua animalidade e sua ligação com o demônio eram múltiplos. (MUSSKOPF, 2008, p. 30)

Ronaldo Vainfas (1989, p. 22) completará o pensamento de Musskopf ao dizer, sobre a visão dos colonizadores sobre os colonizados que:

Os indícios de que a mão do Inimigo agia por detrás dessa aparente inocência recolheram os portugueses sobretudo da licenciosidade em que julgavam viver os índios e, particularmente, da relação que mantinham com o próprio corpo. Repugnava-lhes antes de tudo, o “canibalismo”, prática ininteligível ao europeu (e assustador para os missionários), fato que corroborava a visão do ameríndio como ser animalesco, selvagem e monstruoso. Mas inquietava-os, em grande medida, o que consideravam falta de lei, ausência de interdições quanto à exibição do corpo e às relações sexuais.

Esse mito criado e incorporado a igreja traçava uma problemática que serviria para a escravização dos povos indígenas e a necessidade da catequização para que eles se convertam de seus pecados e sejam salvos.

Do ponto de vista da sexualidade, a religiosidade desempenhou o mesmo papel: as práticas sexuais foram qualificadas a partir das crenças religiosas (sensualidade e erotismo – inocentes ou perversos – indígena versus [suposta] virtude dos cristãos europeus). Por isso, se, por um lado, “esses componentes  [religiosos dos mitos fundantes] não ficaram retidos na história, mas estão constantemente forjado a cultura brasileira, mostrando como a religião significa o imaginário como um todo [... e funda e sustenta] o imaginário religioso para além das religiões instituídas”, por outro, este mito conta, “para o bem ou para o mal, a formação de um povo singularmente sexual numa terra exótica e [...] confere sentido simultaneamente ao passado e ao presente, fornecendo uma das auto-interpretações mais poderosas e intrigantes na vida contemporânea brasileira”. (MUSSKOPF, 2008, p. 41)

Mas para o Musskopf o Brasil não era apenas representado como o paraíso ou o inferno: o purgatório também é o Brasil, um lugar nem santo, nem profano, mas purificador dos pecados daqueles que ali habitam deixando de lado a sodomia e as práticas satânicas e purificando aos moldes cristão-europeu, como forma unia e verdadeira de vida a ser seguida seja índio, ou, posteriormente, o africano.

Em síntese, percebe-se nesse cenário a união perfeita entre Igreja e Estado. Através da ajuda mutua cria uma conjuntura social e moral para introjetar no Novo Mundo os ideais mercantis, que o Estado português tanto apregoava financiando a ida de católicos (principalmente jesuítas). A Igreja, com a função de salvar almas e senhora da moral e ética, controla e coordena a vida das pessoas auxiliando a reproduzir as ideias do Estado no território brasileiro, garantindo a manutenção desse sistema.

A forma como a religiosidade e sexualidade foram vividas no Brasil colônia, é resultado deste sistema que, em muitos casos, aliou Estado e Igreja. O Estado apoiou a imposição do sistema de crenças e comportamentos morais que interessavam à Igreja. A Igreja, por sua vez, ajudou a organizar corpos para o sistema reprodutivo que o Estado queria implantar. Mas, sempre que esses interesses não coincidiram, a produção mercantil prevaleceu sobre a salvação das almas, abrindo espaços para os “desvios” praticados pelas massas submetidas, muitas vezes com a anuência dos próprios agentes do poder político e/ou dos representantes da instituição eclesiástica. (MUSSKOPF, 2008, p. 44)

Em outras palavras:

“Não existe pecado ao sul do Equador” – essa foi a imagem que se fixou a respeito da sexualidade brasileira no período colonial. Neste sentido, o Brasil era o purgatório como etapa de purificação do pecado indígena, africano e português, não apenas por causa de suas práticas religiosas heréticas e demoníacas, mas também por causa de sua sexualidade pervertida, prova irrefutável de sua idolatria. Além disso o Brasil era o paraíso – já não mais por sua pureza e inocência – para aqueles/as que viviam sua sexualidade fora dos cânones da Igreja e dos códigos morais da época. Mas, o Brasil também era o Inferno, especialmente para as mulheres nativas e africanas que sofreram abusos nas mãos dos colonizadores, e para os missionários que, muitas vezes, não encontravam outra forma para descrever o que presenciavam, fato que também justificava a urgência de sua atuação. (MUSSKOPF, 2008, p. 53)

Os atos sexuais realizados entre os europeus e as mulheres nativas foram justificados pela ausência de mulheres europeias no início da formação e construção do Brasil, sendo que, essa relação ou se dava através do cunhadismo, ou através do abuso das indígenas escravizadas. Segundo Darcy Ribeiro:

A incorporação indígena à população brasileira sós e faz no plano biológico e mediante ao processo, tantas vezes referido, de gestação de mamelucos, filhos do dominador com mulheres desgarradas de sua tribo, que se identificavam com o pai e se somavam ao grupo paterno. Por essa via, através dos séculos, a mulher indígena veio plasmando o povo brasileiro em seu papel de principal geratriz étnica (1995, p.146)

Com a vinda de africanos para trabalhar, inicialmente nas lavouras de cana-de-açúcar, houve um novo personagem na formação do Brasil responsável para satisfazer os desejos sexuais do seu senhor e servir como geratrizes: a escrava africana. Com apenas um detalhe: a nudez, para estas, não era um problema grave, como as indígenas, pois já chegavam ao seu destino final, o Brasil, devidamente trajadas e cobertas.

Diante desse quadro, foram os missionários que – nem sempre – tentaram fazer frente ao que julgavam ser uma total devassidão moral. Se não bastassem a pecaminosidade da vida que indígenas e africanos/as levavam antes de sua incorporação ao sistema colonial como escravos/as, este mesmo sistema não ajudava na eliminação destas práticas e implantação das virtudes cristãs e, ainda, aguçava a licenciosidade dos próprios colonizadores. As correspondências dos missionários com a Europa retratam esta percepção e o seu desespero frente a ela. (MUSSKOPF, 2008, p. 56)

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