Ensino Superior e a Faculdade de Direito:
Por Gisele Salgado | 26/05/2010 | DireitoSumário
Introdução
1. Histórico da criação das Faculdades de Direito no Brasil
1.1 As primeiras faculdades de Direito e sua regulamentação
1.2 Crescimento quantitativo das faculdades de Direito
2. Programas, o currículo de Direito para a graduação, ontem e hoje
2.1 O que se ensinava
2.2 O que se ensina atualmente
2.3 Propostas para reformulação do currículo
2.4 Importância da estruturação do currículo para a formação do bacharel
2.5 Portarias nº 1886/94 e nº 1252/01 do MEC
3. Objetivo do ensino do Direito na Faculdade de Direito
3.1 Objetivos do ensino de acordo com a LDB, um paralelo entre as Leis
de Diretrizes e Bases
3.2 A Faculdade de Direito e a 'tríplice função' da educação ( ensino,
pesquisa, prestação de serviço à comunidade)
3.3 Formar ou informar?
3.4 Tecnicismo no Direito
3.5 Objetivos do ensino diferentes para os diferentes profissionais do
Direito?
4. A dificuldade do ensino de Direito hoje
4.1 A prática e a teoria, congruências e disjunções
4.2 O ensino de Direito e as tradições
4.3 A dificuldade do ensino do direito frente à nova ordem mundial
4.4 Necessidade de se repensar o ensino do Direito
5. Conclusões
Bibliografia
Introdução
O currículo e os objetivos que são traçados para os cursos de graduação em Direito orientam, como também em outros cursos, quase todo o ensino ministrado nas faculdades de Direito. É o currículo que dita o que o aluno vai aprender durante seu percurso na faculdade, o que o professor vai ensinar, qual a posição do professor e da escola. Os objetivos por sua vez orientam que tipo de aluno se pretende formar, quais as habilidades que os alunos deverão ter desenvolvido, que posição este aluno terá frente aos problemas técnicos apresentados para ele ao final do curso, etc.
Currículo e objetivos são tomados neste trabalho como os principais condutores do ensino neste trabalho, pois acredita-se que estes dois elementos são os que determinam todos os outros, uma vez que são estes que dão (ou não dão) a estrutura do curso. São estes elementos que definem a postura ideológica/política do curso, fazendo com que certas matérias sejam ou não incluídas, as posturas dos professores frente ao estudo do Direito, o que se visa com este estudo, etc. Trata-se portanto de uma escolha deliberada por parte do legislador, e de certa maneira da sociedade (ou pelo menos parte dela).
A legislação que aborda o ensino superior e em especial o ensino de Direito oferece para estudo entre outras coisas, esses dois elementos bem definidos. Isso possibilita a analise do ensino de Direito na graduação através da legislação. Esta análise é parcial, pois somente oferece o que a lei diz e não o que ocorreu na prática, nem as nuances da aplicação dos currículos e objetivos, nem os problemas que estes trouxeram. Mas ao mesmo tempo que é restrita a um determinado campo e não abarca a complexidade do fenômeno da educação, permite que se estude um aspecto isolado através de um recorte metodológico, sem que se deixe de contextualizar esses elementos no fenômeno maior que é a educação superior brasileira. A analise da legislação permite que se tenha uma noção ao longo do tempo da mudança que o ensino de Direito vem passando.
Existem outros elementos dentro do ensino do Direito que poderiam ser estados e que são igualmente ricos, como por exemplo: a relação professor/aluno no ensino de Direito, o papel da faculdade de Direito nos rumos políticos da nação, perfil dos estudantes de Direito, as crises do Direito, etc. A hipótese tomada neste trabalho é que estes dependem, são consequência e não causa dos rumos dados ao ensino de Direito. As causas dos desajustes, dos problemas, das crises, da mudança de paradigmas, é justamente a escolha do currículo e dos objetivos do curso.
A escolha destes está na esfera legal, na esfera federal, o que permite analisar o curso de Direito em um aspecto mais amplo, em uma macro-esfera, onde os interesses regionais, os pequenos problemas de implantação do que se pretende, etc, seria colocado em uma esfera secundária. Isso não quer dizer que estes problemas não sejam relevantes para o ensino do Direito, mas sim que não dão origem aos principais problemas encontrados nestes cursos.
A maioria das propostas de mudança do ensino de Direito trazidas por comentadores das legislações sobre a educação superior, dificilmente apontam mudanças significativas no que diz respeito ao currículo e aos objetivos desta educação. Isso porque esses autores têm que trabalhar já limitados pelo que a legislação lhes propõe, isto é, não podem mudar o currículo (pelo menos de forma significativa) e não podem alterar os objetivos do curso. Não se está aqui propondo a desobediência sem qualquer fundamento, mas sim uma análise crítica das limitações impostas ao ensino e que muitas vezes impedem que outras propostas que não aquela trazida pela legislação sejam implantadas.
A possibilidade de outras propostas de ensino que não aquela principal adotada nacionalmente, já é vista nas escolas de ensino básico, fundamental e médio, que procuram implementar ensinos diferenciados, ditos 'alternativos'. Este é o caso de escolas que procuram apresentar propostas diferentes, tem projetos pedagógicos próprios e muitas vezes uma filosofia de ensino própria. Estas escolas geralmente não fazem parte da rede pública de educação, porém, desde que aprovadas por comissões especiais podem funcionar como estabelecimentos de ensino regulamentado de acordo com a legislação nacional. O que é permitido para essas escolas não parece ser permitido no ensino superior.
A impossibilidade de mudança nestes elementos selecionados aqui para estudo, indica que estes fazem parte da direção dada a educação no campo do Direito. O currículo e os objetivos seriam portanto, os cânones do ensino jurídico. São os elementos que não variam de acordo com a faculdade, região do país, vontade do corpo discente ou docente, etc. Esses elementos não variam, por estarem definidos em legislação específica, mudando essa legislação esses elementos variam. A mudança não é permitida aos particulares, mas é permitida quando se estabelecem novos paradigmas através de nova legislação. A mudança na legislação indica uma mudança na sociedade ao longo do tempo, aponta novas tendências educacionais, indica o que se pretende com a 'formação' do bacharel em Direito, indica também para que tipo de estudantes essa legislação está voltada, delineia o papel do professor dentro da sala de aula, aponta o período que o curso deverá ter, permite a influência de fatores muitas vezes externos ao processo educacional, etc.
São inúmeros os aspectos que podem ser abordados através da análise, através da legislação dos currículos e dos objetivos do curso de Direito na graduação. Este trabalho pretende apresentar alguns destes pontos, não de um modo específico mas de certa forma amplo, uma vez que seus desdobramentos são todos filhos de uma mesma mãe. Não foi encontrado trabalho que tratasse do ensino superior do ponto de vista que se pretende aqui enfocar, por isso este trabalho está sujeito a grandes críticas e também a grandes tombos. A possibilidade da análise destes elementos no curso de Direito é possível devido a especificidade do ensino do Direito que é dado em grande parte por dois fatores: a) especificidade do próprio Direito como objeto de estudo (ensino do Direito tem sua parte filosófica que tem suas variações, mas é a parte 'técnica', a parte da legislação nacional, que diferencia o estudo do Direito e não permite cursos iguais aqui e em outras partes do mundo) e b) implantação do curso de Direito no Brasil ter ocorrido anteriormente a formação e implantação das universidades brasileiras.
Para cumprir os objetivos acima propostos será adotada uma análise da legislação que trata a respeito do tema, previlegiando o enfoque histórico, isto é, será analisada cada legislação de forma particularizada e inserida no contexto em que foi criada. Quanto aos conteúdos, serão analisados os seguintes documentos legais: Portaria do MEC 1886 de 1994, Resolução CFE n 03 de 1972, Parecer n 215 de 1962, Decreto n 19851 de 1931, Decreto n 11530 de 1915, Lei n 314 de 1895, Decreto n 12321 de 1891, Decreto n 7247 de 1879 e Lei de 11 de agosto de 1827. Além destes, serão também analisados as Constituições que trataram sobre o tema do ensino superior, bem como as Leis de Diretrizes e Bases. Os objetivos são analisados através das LDBs e em leis especiais, como a Lei 5540 de 1968.
O trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro pretende apresentar um panorama da criação das Faculdades de Direito no Brasil enfocando a regulamentação, seus currículos e objetivos iniciais e também a mudança do projeto inicial. O segundo capítulo trata dos programas de Direito para graduação ao longo da história e visa uma comparação através da legislação e em especial a análise da portaria 1886 do MEC. O terceiro capítulo discute os objetivos do ensino de Direito, dando ênfase a nova Lei de Diretrizes e Bases. Por fim, o último capítulo discute o papel da tradição no que se refere ao currículo e aos objetivos do ensino de Direito e aponta algumas dificuldades enfrentadas por este ensino em especial, com as mudanças da sociedade atual.
Mas do que a respostas este trabalho pretende levantar discussões sobre o tema, levando uma reflexão e a uma analise crítica da legislação em vigor, sempre buscando o aprimoramento do ensino do Direito. Repensar a legislação existente sobre o ensino superior de Direito faz com que novas propostas sejam suscitadas e com isso há uma eterna busca para a melhora deste ensino. Esta só pode ocorrer no âmbito jurídico, com o aprimoramento e /ou reformulação das leis que tratam do assunto, mas estas mudanças não são possíveis sem o necessário conhecimento do que já foi feito anteriormente.
1. Histórico da criação das Faculdades de Direito no Brasil
1.1 As primeiras faculdades de Direito e sua regulamentação
A consolidação da Independência ocorreu de certa forma rapidamente, mas não sem antes ocorrerem alguns conflitos. Estes conflitos deram-se não só através de movimentos, mas também através de diferentes projetos que se tinha para o país. As elites proprietárias rurais pretendiam com a independência alcançar o progresso, a modernização e civilização, mas que estas mudanças não implicassem na perda de suas prerrogativas, como a propriedade escrava. Não tinham a intenção de transformar o país em uma república, ou uma pretensão democratizante; ou seja, não queriam a liquidação das instituições herdadas do passado colonial. Por outro lado os grupos urbanos pauperizados tinham uma visão completamente diferente das elites, na liberdade e igualdade esperanças para uma sociedade pós-colonial.
O Estado Nacional para se estruturar como tal, necessitava de uma burocratização do aparelho administrativo, que não ocorreu de maneira fácil, pela resistência da antiga administração da justiça. O caráter liberal do Estado Nacional brasileiro porém tinha um caráter instrumental, tornando-se ao longo do tempo cada vez mais conservador e distante dos princípios democráticos.
Durante a vigência do regime monárquico não houve um dilema liberal, mas sim um dilema democrático, que se deu durante a construção do Estado Nacional. "Os construtores do Estado Nacional viveram, por sucessivas gerações e durante quase cem anos, acreditando que era preciso primeiro ser livre para poder ser democrático"
Necessitava-se de um controle burocrático, neste Estado Nacional, e acabou criando-se uma verdadeira intelligenzia profissional liberal, que tinha como seu grande expoente o bacharel, um intelectual educado e disciplinado segundo teses e princípios liberais.
Em 11 de agosto de 1827, criava-se através de uma lei os dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de São Paulo, outro em Olinda. As disputas pelo local da criação dos cursos, mostra o caráter fundamental de se produzir um corpo burocrático. São Paulo, foi em muitas discussões refutado pela economia incipiente e distância dos grandes centros. Além de um corpo burocrático, o Estado Nacional necessitava de um corpo legal. A Constituição de 1824, coloca que as Ordenações Filipinas passavam a ser o código brasileiro, excetuando-se as partes que tinham sido expressamente revogadas. Essa situação deu-se até a promulgação do Código Civil em 1916. Pode-se ver aqui a prevalência da visão da elite agrária, pois apesar da mudança política, não foi alterado o plano legal, garantindo assim os antigos poderes das elites.
Em São Paulo, inaugurou-se solenemente o curso de ciências jurídicas e sociais em 1828. Foi utilizado para os cursos no Brasil, a mesma estrutura que estes tinham em Portugal, que por sua vez tinha como padrão a reforma feita pelo Marques de Pombal, com a Lei da Boa Razão de 1769. Esta lei visava regulamentar os cursos jurídicos e delimitar regras e padrões para o ensino, que desde então sofreu poucas transformações.
A academia de Direito visava suprir o Estado Nacional Brasileiro de burocratas. Porém existia na sua formação já um daqueles conflitos que permearam todo o pós independência. Este conflito se dava no campo das idéias, onde a academia formal se confrontava com a academia real, esta última com valores liberais.
"A natureza essencialmente conservadora do ensino jurídico, na sociedade brasileira, situou as faculdades de Direito como instituições encarregadas de promover a sistematização e integração da ideologia jurídico-política do Estado Nacional, vale dizer, do Liberalismo." A academia portanto foi o local onde se condensaram conflitos entre o liberalismo e a democracia, distinguindo-a das outras instituições, onde o que ocorria era a separação destas duas correntes.
Baseada no sistema de ensino de Portugal, a academia procurava superar o passado colonial, formando uma elite intelectual que estava aberta à modernidade, e que não somente absorvia os conhecimentos de natureza jus-naturalista, ministrados em sala de aula, mas que fundiam a esses saberes absorvidos de forma autodidata. O início da vida da academia não se deu de forma tranqüila, sendo muitos os problemas a serem superados.
Através das atividades dos bacharéis em direito do período pode-se verificar que a academia estava mais preocupada em produzir uma elite coesa e voltada para preencher os quadros da burocracia do que para a formação de juristas. Os profissionais que saiam da academia tinham interesses e idéias diversas, porém todos eles estavam em última análise ligados a um objetivo comum, desenvolver as estruturas jurídico-políticas do Estado. Porém, a formação deste profissional era mais voltada ao campo político. Tal fato pode ser verificado através da forte presença de instituições e associações acadêmicas discutindo temas de políticos de relevância nacional.
A Academia portanto ensinava a ser liberal e não democrático. Tal fato vai levar depois Sérgio Buarque de Holanda, em uma atitude de desencantamento dizer que: "a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido" , quando comentava sobre o sentido do bacharelismo, fazendo uma crítica à valorização dos ideais liberais em detrimento dos democráticos pela elite no pós independência.
O Estado Nacional brasileiro formou sua burocracia primeiramente nas academias de Direito. Da formação dessas escolas no pós independência, elas continuaram formando profissionais, onde muitos seguiam a vida pública. No decorrer da belle époque, 1870 a 1914, dentro de um clima de opinião positivo-naturalista, este quadro também não se altera.
Os valores liberais consagrados na formação do Estado Nacional, ainda estavam presentes. A abolição e a República que tanto prometiam não alteraram substâncialmente a vida do cidadão comum, nem do país como um todo, gerando um sentimento de frustação. Os bacharéis em direito, com suas idéias liberais, continuaram sendo requisitados pela máquina burocrática do Estado. Muito dos cargos da burocracia com o correr do tempo, vão também sendo preenchidos por intelectuais diversos em sua maioria escritores.
1.2 Crescimento quantitativo das faculdades de Direito
O crescimento quantitativo do número de faculdades de Direito ocorreu na década de 60, junto com outros diversos cursos. Porém, foi o curso de Direito um dos que mais se expandiu pois necessitava de pouco recurso para sua implantação (muitas vezes só lousa e saliva) e era um curso relativamente barato podendo as faculdades particulares propiciar aos seus alunos uma mensalidade convidativa.
De acordo com um levantamento realizado por José Ângelo Belloni a pedido da OAB, metade dos cursos foi criados nos últimos 25 anos, sendo que "no período de 1967 a 1975 observa-se grande expansão no ensino de Direito no Brasil com a criação de 25% dos cursos hoje existentes....Indicador, também, desta expansão é o grande número de reconhecimentos de cursos pelo CFE no período de 1972 a 1976 (25% dos cursos hoje existentes)." Este mesmo estudo mostrou que existem aproximadamente 150.000 alunos e 8.000 professores nos 184 cursos de Direito.
Eliane Botelho Junqueira comenta que: "não existe um consenso do número total de faculdades de Direito no Brasil. Como 212 instituições participam do Exame Nacional de Cursos de 1998, é de se supor que o número total de cursos seja superior a este, já que todas as instituições que ainda não formaram uma primeira turma ficaram de fora do Exame Nacional de Cursos. O Relatório Síntese da Avaliação das Condições de oferta dos Cursos de Direito de 1998 (INEP, 1998), menciona a existência de 262 cursos de graduação, apesar de só terem sido avaliados 194. Mais adequado do que falar de cursos, seria falar de instituições, uma vez que muitas instituições têm vários cursos, em diferentes cidades e, mesmo, em diferentes Estados. Esta confusão é agravada pelo sistema de franquia, fórmula utilizada para contornar os obstáculos legais para a criação de novos cursos...." .
Os cursos cresceram assustadoramente e agora há uma grande preocupação em verificar a qualidade destes cursos, isso porém só começou a ser implantado efetivamente com o Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão , nos últimos anos da década de 90. Milhares de profissionais já tinham saído destas faculdades quando uma verificação da pretensa "qualidade" destas universidades e faculdades foi posta em jogo. Muitos desses alunos de faculdades ditas ruins, eram professores e coordenadores dessas instituições de ensino, e outros bons profissionais do Direito, outros mesmo com suas deficiências foram absorvidos pelo mercado, e outros tantos ficaram fora deste.
A partir da instituição de exames nacionais vem tentando-se evitar que maus profissionais saiam para o mercado de trabalho. Esta medida pode ser encarada como uma preocupação com o ensino, mas também como uma reação de um mercado de trabalho já saturado.
A partir da década de 60 iniciou-se uma grande busca pelos cursos superiores. Primeiro foi a classe média alta que alcançou os bancos escolares das faculdades, depois nas décadas de 60 e 70 foi a vez da classe média dita média, e os anos 80 e 90 a vez da classe média pobre. Isto é uma generalização e como toda generalização não comporta em seu interior exceções. A possibilidade de acesso à faculdade pública teoricamente não é restrita a ninguém, exigindo-se que se passe somente no exame vestibular. Porém com a crescente procura pelos alunos, as universidades públicas encontram-se cada vez mais concorridas. Muitos alunos ficam nas universidades e universidades particulares na maioria das vezes não por opção, mas sim por não terem passado nos exames para a universidade pública.
Ampliou-se também o ensino fundamental e básico (1 e 2 graus), fazendo com que uma grande massa de alunos tivessem acesso ao ensino superior através de seus diplomas. Essa ampliação também foi sentida no ensino superior. Não houve porém, um preparo para este aumento considerável de alunos; as universidades públicas não conseguiram aumentar suas vagas e as universidades e faculdades públicas com suas autorizações criaram cursos sem a infra-estrutura e em geral sem grandes preocupações. Estas últimas tiveram o mérito de democratizar o ensino superior, algumas se tornaram pólos de referência devido ao seu ensino, outras não. Mas é isso que acontece quando se oferece uma coisa antes restrita a um maior número de pessoas possíveis, uns dizem que ocorreu uma democratização, outros uma massificação, e outros ainda uma popularização. São todos ai quase sinônimos, mas cada palavra carrega o ponto de vista de um analista.
O que ocorre efetivamente é que o ensino de Direito muda de foco, não é mais um ensino voltado para as elites do país e que tem como principal função formar a burocracia estatal, como no início dos cursos de Direito no país; mas é voltado para uma grande população de classe média que vê no ensino superior a possibilidade de inserção em uma sociedade recém urbanizada e carente de profissionais qualificados. O ensino de Direito foi um ensino feito para atender a poucos, e não foi reestruturado para atender a uma massa de alunos.
Este descompasso entre os públicos e os objetivos do ensino de Direito podem ser verificados através do estudo dos currículos do curso de Direito, que por mais que se alterassem não conseguiram se tornar adequados à essa nova sociedade.
2. Programas, o currículo de Direito para a graduação, ontem e hoje
O ensino de Direito no país não foi pensado inicialmente dentro de uma estrutura de universidade nos moldes atuais, mas sim de faculdades isoladas que foram criadas no início do século XIX. O curso de Direito no Brasil é relativamente recente e mais recente ainda sua grande explosão quantitativa, que ocorreu na década de 60.
As Constituições brasileiras também demoraram a se preocupar com o ensino superior, o que parece razoável quando nem o ensino primário, fundamental ou de 1 grau, não tinha sido implantado efetivamente no país. O ensino superior não integra a Constituição de 1824, nem o seu ato adicional que permite as Assembléias Legislativas legislar sobre a instrução pública e os estabelecimentos destas, ficando de fora dessa legislação não só as faculdades de Direito, mas também as de Medicina e as Academias. É a Constituição de 1891 com as emendas de 1926, é que se designa a competência do ensino superior à União.
A constituição de 1934 dispensa também pouca atenção ao ensino superior, somente designando a competência à União determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos no seu artigo 150, "b". Esta Constituição trouxe grandes avanços para a educação brasileira, e não deve ser analisada sem a Reforma Francisco Campos, ministro da educação no período de 1930 a 32. Quanto ao ensino superior esta reforma se preocupava com a criação de universidades como a Universidade de São Paulo e a Universidade do Rio de Janeiro. Muito do que foi colocado nesta constituição em termos de educação não foi implantado, pois logo depois de seu estabelecimento viria o Estado Novo.
A Constituição de 1967 instala a noção de escola como empresa de ensino, onde visa-se a produtividade. A necessidade de mão de obra qualificada para trabalhar nas novas indústrias é urgente, e volta-se o ensino profissionalizante e inicia-se a grande expansão da malha do ensino superior particular. É importante lembrar do papel da reforma universitária através da lei 5548 de 1968. A Constituição de 1988 é a que dedica mais espaço em seu texto legal para a educação, que é concebida como direito de todos e dever do Estado e da família sendo promovida e incentivada em colaboração com a sociedade e seus fins são a qualificação para o trabalho, o exercício da cidadania e o desenvolvimento da pessoa. É em especial no art. 207 da Constituição Federal de 1988 que trata da educação superior, apontando a autonomia das universidades e a necessidade de terem função de ensino, pesquisa e extensão.
2.1 O que se ensinava
O currículo dos cursos de Direito estão pautados por uma série de documentos legais e os principais são: Resolução CFE n03 de 1972, Parecer n 215 de 1962, Decreto n 19851 de 1931, Decreto n 11530 de 1915, Lei n 314 de 1895, Decreto n 12321 de 1891, Decreto n 7247 de 1879 e Lei de 11 de Agosto de 1827. Através destas nove alterações curriculares, pode-se apontar uma mudança na sociedade e principalmente no perfil do aluno. Algumas mudanças curriculares apontam mudanças políticas, como mudanças de regimes ou mesmo de grupos que estavam associados ao poder.
Existem ainda diversos documentos legais que tratam da questão da educação. Os primeiros currículos visavam a formação da burocracia de um Estado nacional que estava se formando, como comenta Aurélio Bastos: "...o incipiente Estado brasileiro, premido pela situação impositiva da Igreja, que controlava a sua infra-estrutura de funcionamento cartorial e eleitoral, buscou nos cursos jurídicos a solução possível para a formação de quadros políticos e administrativos que viabilizassem a independência nacional" .
O Direito nacional ainda estava em formação, a estrutura do curso de Direito era praticamente importada de Coimbra sem muitas modificações, não havia a separação entre Estado e Igreja nos primeiros momentos e grande parte dos professores tinham formação portuguesa. O currículo apresentado na formação dos cursos de Direito no Brasil, parece estranho e vago aos olhos de um estudante de Direito atualmente. Dentro deste currículo havia matérias como por exemplo Direito Natural, matéria que poderia corresponder a Filosofia do Direito, porém ainda não tinha o cunho kantiano que mudou o seu caráter e com isso seu nome. A matéria denominada Diplomacia, também chama atenção, apesar de não ser uma matéria 'propriamente de Direito', fazia com que o currículo estivesse perfeitamente ajustado à seu público. Direito Pátrio Civil é outra matéria que demonstra uma preocupação com o ensino do Direito nacional, procurando com isso dar subsídios ao futuro bacharel para lidar com questões burocráticas.
Este currículo teve porém outras versões, como é o caso do Projeto de Lei de 5 de julho de 1826, que determinava uma outra denominação das matérias e uma outra ordem a ser seguida. Neste projeto o curso de Direito, ou melhor, o curso jurídico também é denominado de curso de Ciências Sociais. Esta proposta curricular é muito diferente daquela que ficou na Lei de 11 de Agosto, havendo uma redução significativa das matérias de cunho eclesiástico, a supressão de matérias como História e Geografia. Possivelmente o conteúdo destas últimas passou a integrar a matéria denominada Diplomacia (não podemos ter certeza disto, pois seria necessário ter disponível o conteúdo desta). As duas matérias suprimidas, demonstram um currículo voltado para um profissional que não necessariamente faria parte da burocracia, é um currículo voltado mais para o interesse privado. Também, não se pode deixar de notar que este currículo não apresenta as matérias processuais.
Além desta versão, segue-se uma infinidade de projetos de Lei e emendas, como é o caso do Projeto de Lei de 5/07/1826 da Comissão de Instrução Pública, a Emenda Clemente Pereira, Emenda Lino Coutinho, Emenda Nicolau Vergueiro, Emenda Cruz Ferreira, Emenda Costa Aguiar, Emenda Cavalcanti Albuquerque, e diversas outras, além das variações de redação do projeto de lei acima citado (3 versões ao todo) .
É interessante notar que o art. 10 da Lei de 11 de Agosto, faz ainda vigente o estatuto do Visconde da Cachoeira de 9 de janeiro de 1825 (aprovado de acordo com Decreto imperial). "Assim o art. 10 absorveu o Estatuto do Visconde de Cachoeira, intencionando resguardar os fundamentos doutrinários que informavam a organização da Universidade de Coimbra, sem, todavia, desconhecer as especificidades que pretendiam para os cursos jurídicos no Brasil" .
É no Estatuto do Visconde de Cachoeira que se pode ver ia influência da "lei da boa razão" portuguesa . Neste havia uma grande preocupação com o conteúdo de cada matéria a ser ministrada, além de possuir uma bibliografia. Se com este estatuto havia pela obrigatoriedade da lei, pouca diferença na "qualidade" do ensino uma vez que se massificava a bibliografia, engessava a prática de aula de cada professor (currículo do Estatuto em anexo ).
A estrutura importada com toques nacionais não modificou muito, o que em 1769 foi remodelado pelo Marques de Pombal, na sua famosa "Lei da Boa Razão". Esta reformulou as fontes de Direito e seus conteúdos, introduziu novos métodos de interpretação e também instituiu os Estatutos Pombalinos da Universidade (1772) . "No que respeita ao ensino do direito, os Estatutos Pombalinos são denominados, desde logo, por estas intenções: a) proscrever do ensino do direito tudo quanto seja inútil para obter o conhecimento funcional (<mais regular, mais completo, mais fácil, mais methodico, e mais ordenado>, Estatutos II, 280) da ordem jurídica positiva; b) incluir neste ensino tudo o que for útil a tal conhecimento (nomeadamente, cadeiras de Direito Pátrio); c)Unir a teoria à prática, fornecendo, nos bancos da escola, um <tyrocinio dessa mesma Prática> (Estatutos, II, 474)" .
A reformulação do ensino de Direito foi tamanha que pouco foi alterada depois, mas esta não ocorreu sem uma reformulação dos códices medievais. O ensino de Direito utilizava-se de uma legislação recém recompilada com a influência de Direitos de diversos países, ainda ganha a estrutura do manual, livro onde o aluno não precisava recorrer ao comentadores que já se encontravam de difícil acesso aos estudantes, tanto pela falta de bibliotecas como pela falta de edições . Os estudantes passaram a estudar de cada matéria os seus princípios gerais, o que fazia com que soubessem pouco da legislação. Diz sobre isto Espanha: "...os Estatutos fazem coincidir o núcleo do curso de Direito com uma série de cadeiras sintéticas, ou seja, em que se ensina uma súmula de princípios de cada ramo do Direito ou instituto, com as principais aplicações e exceções, sem que se entre numa análise profunda de cada ponto de direito, como se fazia até aí. ....Claro que, seguindo este método, os juristas acabavam por conhecer muito pouco das minúcias do ordenamento jurídico positivo" .
Esta volta é fundamental para que se entenda com que espírito o currículo chega aos trópicos. Quando os cursos de Direito aqui foram implantados, muito dos preceitos pregados pelos Estatutos Pombalinos já não eram mais aplicados, porém a sua linha havia permanecido. Os estudantes de Direito no Brasil estudavam a legislação, mas não era esquecido dos princípios de cada matéria; e isso por diversas razões, entre elas a que havia uma certa instabilidade nas leis que devia ser superada no ensino de Direito. É de se pensar se não o curso de Direito não está a necessitar de uma nova "reforma pombalina", ou seja, não só uma reforma no ensino, mas também na legislação?
Surge em 1831 o Regulamento dos Cursos Jurídicos, que não alterava muito a Lei de criação dos cursos jurídicos de 1827, mas que agregava algumas matérias do antigo Estatuto do Visconde da Cachoeira. Em 1851 são acrescentadas as matérias de Direito Romano e Direito Administrativo, com o Decreto n° 608, o que pode indicar o enfraquecimento das elites que lutavam por um direito pátrio. Surgiu depois, o Decreto nº 1134/1853, onde o Direito Romano já se encontra consolidado no currículo; e logo em seguida o Decreto n1386 de 1854, que não apresentava muitas alterações se comparado ao anterior. Em 1865 surge outra reforma curricular, que não foi aplicada; esta visava dividir o curso em dois: curso de Ciências Jurídicas, com quatro anos de duração e curso de Ciências Sociais com duração de três anos. Este último apresentava menos matérias do que o primeiro e introduzia matérias como Direito Internacional e Diplomacia, Economia Política e Direito Eclesiástico. O Decreto n 3454/1865 teve sua execução suspensa um dia depois de aprovado.
Nesta época havia a discussão do ensino livre, e um projeto que reflete isto é o Projeto de Lei n 463 de 1873 de autoria de Antonio Cândido da Cunha Leitão . As discussões da faculdade livre estão presentes no Decreto n 7.247 de 1879. Foi este documento que "implantou no Brasil a liberdade de ensino e deu nova estrutura organizacional às faculdades de Direito" . Este decreto suspendia a necessidade da frequência, autorizava a associação de particulares para o ensino de disciplinas ministradas nos cursos superiores oficiais, introduzia exames livres para matérias ensinadas na faculdade ou escolas dependentes do Ministério do Império e criava cursos livres em escolas das faculdades do estado referentes às disciplinas ali oferecidas por professores particulares .
Rui Barbosa apresenta um longo parecer e juntamente com este um projeto, o Projeto nº 64 de 1982, defendendo muitas das propostas da "faculdade livre" inicialmente proposta no decreto nº 7.247. Defendia: a liberdade de opiniões para o estudo do Direito, a supressão da matéria de Direito Eclesiástico. A este projeto de Rui Barbosa seguiu-se o de Almeida Oliveira, que propõe o curso de Direito destinado a preparar escrivões, solicitadores e tabeliães. Trata-se de um projeto que propõe um ensino profissional, que não é o ensino superior, mas que é oferecido na própria Faculdade de Direito.
O próximo decreto a tratar do currículo dos cursos de Direito é o Decreto nº 9360 de 1885, que não introduzia muitas novidades no campo do currículo, mas ditava diversas outras medidas em seus 398 artigos. Segue a este um projeto de 1887 de autoria do Barão de Mamoré, que pretendia a unificação dos cursos jurídicos e de Ciências Sociais, além de introduzir uma disciplina nova, a Enciclopédia Jurídica. Este projeto naufraga.
O Decreto nº 10.361 de 14 de novembro de 1890, conhecido como Reforma Benjamim Constant, retoma o Decreto de 1885 que não fora implantado. Apresenta o curso jurídico separado do curso de Ciências Sociais e introduz um outro pequeno curso denominado "Notoriado", que possuía cadeiras com noções de Direito e somente dois anos de duração . Este decreto terá como reflexo o Decreto nº 12321 de 1891, com o mesmo currículo. A lei n 314 de 1895 amplia para cinco anos o curso jurídico, suprime com os curso de notoriado e de ciências sociais, além estabelece novas regras para os abusos que ocorriam com a frequência livre. O decreto nº 3903 de 12 de janeiro de 1901 apenas apresenta um remanejamento de disciplinas, no que diz respeito ao currículo.
A próxima reforma curricular viria com o Decreto n 8662 de 1911, que foi introduzido pela Reforma Rivadávia Corrêa. Este decreto transformava a cadeira de Filosofia do Direito para Introdução Geral ao Estudo do Direito ou Enciclopédia jurídica, de acordo com seu art. 41. Desde a Emenda do Visconde de Cachoeira (1825) não se citava no texto da lei, o que as matérias deviam apresentar. Segue-se a esta reforma o Decreto nº 11530 de 1915, conhecida como reforma Carlos Maximiliano.
O Decreto nº 19.851 de 1931, conhecida como Reforma Francisco Campos, que viria a dar o apelido ao autor de Chico Ciência. "A Reforma Francisco Campos para o ensino jurídico, como se verifica, é a primeira (e não foram poucas a reformas curriculares) que se define dentro de uma proposta didática e política específica, com objetivos dados e definidos para se alcançar o processo de formação do bacharel"
A reforma que se segue a de 1931 é a de 1962, já em um contexto onde principais universidades brasileiras e faculdades de Direito já estavam consolidadas dentro de uma estrutura maior de ensino. Este é o período da criação da Universidade de São Paulo (em 1934), da Universidade de Brasília (Universidade do Distrito Federal), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1961 é aprovada a LDB que reformula os objetivos da educação; com suas diversas alterações a partir de decretos-leis e leis; porém poucas mudanças efetivas ocorrem entre o novo currículo do Parecer CFE nº 215 de 1962 e o antigo currículo proposto em 1931. É de notar a inclusão em 1971 de disciplinas como: História do Direito, Filosofia do Direito, Teoria Geral do Estado e Ética Profissional no currículo mínimo da CFE de 1962 e ainda a ampliação do currículo de 1962 com pelo menos duas disciplinas vinculadas à ciências sociais e outras ciências .
O próximo passo para a reforma será a de 1972, cerca de 10 anos depois e já no início da abertura democrática brasileira. Apesar da abertura uma reforma substancial no currículo não foi sentida, o que se pode ver é que se retoma o já feito, mas sem abalar muito as estruturas do edifício, ficando como última grande reforma, a reforma de 1931. De certo modo a Portaria 1886 de 1994, ensaiou uns passos de mudanças, mas ainda se encontra com uma estrutura híbrida, ou seja, com uma carga de matérias tradicionais e um desejo de se aventurar em novas trilhas, como a pesquisa através da monografia, as atividades complementares que deslocam de certo modo o aprendizado para outro eixo que não só aquele da sala de aula, e com a prestação de serviços à comunidade cumprindo o papel da extensão.
Aguardamos atenciosamente por uma nova reforma, desejando imensamente que surja um Marquez de Pombal, ou um Rui Barbosa, ou qualquer outra figura iconoclasta, que tenha coragem de fazer um currículo que se distancie um pouco da tradição, do mofo, e busque uma aproximação com o povo, com os problemas sociais, com os novos problemas, com uma nova sociedade. Não se prega o novo, como quem busca uma casa cheirando a cimento fresco, pois se sabe que de tão fresco o que é duro pode cair. O que se busca é adequação, é a reflexão dos nosso juristas que timidamente já estão mostrando que o ensino do Direito do jeito que está, não pode prosseguir. Fala-se de crises, crise do Direito, crise do ensino do Direito, crise da Universidade; mas seria interessante que estas crises não gerassem só indignação, mas também reflexão, pois só assim se pode levantar as mangas das camisas para construir um novo currículo. Mudanças não faltaram e não faltarão.
2.2. O que se ensina atualmente
Atualmente o currículo de Direito tem sido pautado pela portaria 1886 DE 1994 do MEC, que através de seus dezessete artigos vem a fixar as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico. Ao final desse capítulo apresentamos o texto da portaria na íntegra.
A portaria não visa somente o currículo do Curso de Direito, mas sim o conteúdo e as diretrizes curriculares, por isso não é apenas uma exposição das matérias que devem conter no curso. As matérias consideradas obrigatórias, aquelas chamadas fundamentais e profissionais, estão expostas porém a portaria dedica a maioria de seus artigos às atividades extra-classe, como aos estágios, à monografia, e as atividades complementares.
A portaria parece confundir conteúdo e currículo, utilizando-os como sinônimos intercambiáveis. Essa não é a opinião de Horácio Rodrigues, que considera que a portaria "ao referir-se a conteúdo mínimo e não currículo mínimo, demonstra esta claramente a visão de que o curso de Direito não é apenas um conjunto de disciplinas e atividades, mas um conjunto de conteúdos, que se desenvolvem através de disciplinas e atividades diversas" . Essa confusão entre conteúdo e disciplina parece explicável pois geralmente nos cursos de Direito uma vez definidas as matérias, praticamente já se definem os conteúdos. Um exemplo disso pode ser a definição de 5 semestres de Direito Civil, onde o número de semestres indica mais ou menos que o professor fará um curso enciclopédico seguindo praticamente a ordem dos artigos do Código Civil. Um curso assim definido, dificilmente é monográfico, dificilmente é científico e muito provavelmente é técnico e visa na maioria das vezes só o conteúdo. Esta peculiaridade não é só dessa matéria, mas de quase todas do currículo.
Cabe então uma pergunta, a esse tipo de currículo, ou melhor, de matérias, do jeito que o Direito é assim ensinado, isto é técnica ou ciência? O grande problema dos currículos parece estar em responder essa questão. Ao mesmo tempo em que o curso de Direito busca dar um conteúdo e a preparação técnica para o aluno, mostrando para o aluno o conteúdo das leis, dos códigos, da Constituição, o curso chama essa atividade de interação com esses documentos, de ciência. Isso nós parece inteiramente equivocado, pois isso é técnica, já que não está se produzindo nenhum conhecimento, mas sim se reproduzindo o que já está feito. Ciência requer pesquisa, e pesquisa requer novidade, pontos de vista diferentes, novas observações, um acréscimo ao já feito. Dificilmente um curso de Direito proporciona ciência aos seus alunos, e quando o faz é quase que isoladamente em uma ou outra matéria, mas de forma concisa. Talvez é por este ponto que não se vê muita diferença entre uma Faculdade de Direito e um cursinho preparatório para careiras públicas ou mesmo para os exames da OAB.
A inserção de atividades extra-classe, faz com que a realidade da Faculdade de Direito e os cursinhos de Direito se diferenciem, porém, essa diferenciação que é na letra desta portaria muito grande, na prática é diminuída, devido a praxe dos alunos e dos órgãos que oferecem estágios, visitas, e outras atividades; em burlar as horas devidamente requeridas nesta portaria. A exigência da monografia também soa estrangeira dentro de um todo de ensino que privilegia o mercado de trabalho do profissional de Direito e não de um acadêmico. É evidente a dificuldade que os alunos, apesar de ter uma matéria específica de metodologia da pesquisa, em formular uma monografia; e muitas vezes a dificuldade também é dos professores que muitas vezes não tem a pesquisa como seu dia a dia.
A monografia poderia ser muito bem substituída, por peças processuais, pareceres, e outras atividades profissionais escritas, como aponta Eliane Junqueira em sua proposta (vide item 2.3). A exigência de monografia em um curso de Direito que não é acadêmico soa falsa, complica a vida de muitos alunos e professores, além de gerar resultados geralmente insatisfatórios. As monografias apresentadas dificilmente expressam a opinião dos alunos sobre determinados temas, e são em sua grande maioria colas de livros conceituados, as vezes colas bem feitas, as vezes mal feitas, havendo alunos que se utilizam amplamente de monografias já prontas disponíveis na internet ou encomendam monografias nas diversas empresas do ramo. Ao invés de incentivar a pesquisa, a exigência da monografia está estimulando o mercado.
Como sugestão para a melhora da qualidade das monografias apresentadas, seria interessante que a Portaria designasse a obrigatoriedade de reuniões periódicas entre alunos e professores para a discussão do que estaria sendo desenvolvido. Estas reuniões deveriam ter número de horas delimitadas, podendo com isso ser acrescentados (mas nunca subtraído do mínimo necessário) às horas que a faculdade oferece aos seus alunos. Assim a banca examinadora destas monografias poderia ter um maior controle e dar maior orientação aos alunos.
Não se pode dizer que a monografia é de todo mal, havendo diversos alunos que se encantam pela pesquisa científica e realizam trabalhos de alta qualidade. O que se aponta aqui, é que isso não é o que acontece na grande maioria. Não se deve aqui penalizar de todo o aluno que age burlando a monografia, pois o próprio curso de Direito e a própria Portaria encaram a monografia como um acessório, e se acessório não é principal. Deve-se então criar alternativas dentro da exigência de um trabalho escrito, que realmente incentive o aluno e proporcione a adequação necessária.
Comparado a anterior Resolução CFE nº 03/72, a Portaria 1886 apresenta um número de horas mais elevado, de 2.700 horas anteriormente obrigatórias sobem para o mínimo de 3.300 horas, e o período do curso vai do mínimo de 4 e máximo de 7 anos, para 5 anos mínimo e 8 anos máximo para a conclusão. O número de horas cresceu muito se computado também as horas requeridas nos estágios supervisionados, as atividades complementares, na feitura da monografia e mesmo no estágios profissional extracurricular.
Para o desenvolvimento de todas essas atividades extra-aulas, a faculdade de Direito deve dispor de uma boa infra-estrutura como recomenda a portaria; dispondo assim de uma biblioteca com o mínimo de dez mil volumes, núcleos de prática jurídica, local para realização do estágio supervisionado. É também necessário que o aluno tenha possibilidade de usufruir amplamente desta estrutura, devendo esta ser oferecida aos alunos do período diurno e noturno, além de horários extra, aos sábados possibilitando ao aluno do período noturno especialmente a atualização destes locais para o desenvolvimento de suas atividades.
A portaria a pesar de incentivar a pesquisa através da monografia, não exigiu que o curso de Direito formasse núcleo de grupos de pesquisa. Este tipo de atividades incentivaria a pesquisa alunos que não fazem iniciação científica, e auxiliaria àqueles que já desenvolvem. Este núcleo de pesquisa estaria encarregado de desenvolver e publicar suas pesquisas, incentivando assim alunos e professores. Além de trabalhar com publicações próprias o núcleo de pesquisa poderia estar realizando tradução e publicação de trechos ou integralmente de edições estrangeiras e nacionais de difícil acesso; e disponibilizando-as ao grande público. Este núcleo de pesquisa deveria estar em estreita integração com outros núcleos, como por exemplo ao núcleo de prática jurídica, criando-se com isto parcerias enriquecedoras para ambos.
A infra-estrutura disponibilizada pela Faculdade de Direito não é suficiente por si só, por isso necessita de professores gabaritados e que se dediquem aos projetos desenvolvidos. A dificuldade de aplicação destes locais extra-sala e consequentemente de suas atividades, é muitas vezes a não utilização destes por alunos e por professores. No caso dos professores ainda impera o regime parcial na maioria dos cursos de Direito, o que não exige dos professores mais do que aquele horário da aula. Para cumprir novas exigências curriculares é necessário a profissionalização dos professores de Direito, ou seja, que professor de Direito se torne uma profissão respeitada por si só (inclusive financeiramente), para que o ensino de Direito deixe de ser 'bico' e passe a ser encarado de modo mais sério. Não que, não existam profissionais gabaritados e que pelo volume e dedicação ao trabalho, queiram somente dedicar algumas horas a dar aulas, passando conhecimentos pertinentes e muitas vezes fundamentais da prática profissional; porém, isso não deve ser regra, pois é evidente que este professor dificilmente vai ter a mesma dedicação à preparação de aulas e a correção de provas se comparado a um outro professor que é contratado por período integral. No ensino do Direito tudo é necessário.
É importante ressaltar que a Portaria 1886 permite uma espécie de especialização dentro dos cursos de graduação, a partir do quarto ano. Esta especialização deverá ser feita "segundo suas vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho", logo a escolha deveria teoricamente depender do aluno e não da faculdade. Devido à necessidade de escolha o curso de Direito deve proporcionar para o aluno a opção de optar, disponibilizando em sua grade curricular pelo menos algumas alternativas. Deve-se atentar também que estas alternativas irão depender do mercado de trabalho disponível para estes futuros bacharéis, por isso a faculdade deve estar atenta à economia de sua região, mas também não pode estar só focada a esta pois corre o perigo de vários alunos não estarem interessados só naquela especialização oferecida.
2.3 Algumas propostas para reformulação do currículo
Apresenta-se aqui algumas propostas para a reformulação do currículo da graduação na área de Direito elaboradas por profissionais e professores de Direito. Estas propostas foram elaboradas tendo como base a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (Lei n 9394). O objetivo da apresentação destas propostas é mostrar que pouco se pode alterar quando o currículo procura seguir a legislação indicada. Primeiro, se fará uma exposição geral do projeto do autor, em seguida a apresentação deste e por fim críticas e sugestões a estas propostas.
Proposta A
Proposta curricular de Eliane Botelho Junqueira apresentada no livro 'Faculdades de Direito ou Fábricas de Ilusões?' de 1999. Esta proposta é feita através de 5 linhas de estudo, no qual se supõe que o aluno deva escolher qual deve cursar. Estas linhas de estudo podem também ser escolhidas pela faculdade, e sobre quem deva fazer esta escolha a autora não indica. O curso de Direito estaria dividido em especializações: especialização acadêmica, especialização em advocacia popular, especialização em advocacia criminal, especialização em advocacia empresarial e especialização em advocacia pública. Estas especializações são divididas em três momentos de acordo com as disciplinas a serem cumpridas: disciplinas fundamentais comuns, disciplinas profissionalizantes comuns e um conjunto variável de acordo com a especialização. Deste conjunto fazem parte os seguintes itens: disciplinas profissionalizantes específicas, disciplinas instrumentais, núcleo de prática jurídica e trabalho de conclusão de curso.
A partir da escolha de uma certa especialização o aluno irá desenvolver certos tipos de habilidades já visando o seu desenvolvimento profissional. As disciplinas comuns permitiriam ao aluno o desenvolvimento de habilidades básicas e fundamentais enquanto as disciplinas profissionalizantes servem de suporte ao conhecimento da dogmática jurídica.
A autora não apresenta comentário de como ocorreria esta especialização, apresentando somente quadros das matérias para cada bloco do currículo. Para efeito de economia apresenta-se aqui o bloco de disciplinas fundamentais e comuns, bem como o de disciplinas profissionalizantes comuns separadamente, isso porque uma vez que são comuns se repetem em cada especialização. A autora não utiliza dessa maneira. Quanto a duração das matérias a serem ministradas a autora não indica quantas horas/aula será dispensada a cada uma delas, e em especial quanto será dispensado as matérias que fazem parte da área comum.
Disciplinas Fundamentais Comuns:
Teoria da Justiça e Gênese da ordem
Neoliberalismo e Globalização
Sociologia das Organizações
Funções Essenciais da Justiça
Ética Profissional
Direitos Humanos
Profissões Jurídicas I
Introdução à Ciência do Direito I
Introdução à Ciência do Direito II
Disciplinas Profissionalizantes Comuns:
Teoria do Direito Civil
Teoria do Direito Penal
Introdução ao Direito Internacional
Teoria do Direito do Trabalho
Introdução ao Direito Administrativo
Introdução ao Direito Processual Penal
Introdução ao Direito Processual Civil
Introdução ao Direito Comercial
Especialização Acadêmica
 Disciplinas fundamentais comuns
 Disciplinas profissionalizantes comuns
 Disciplinas profissionalizantes específicas: Direito Romano, História do Direito, Criminologia, Direito Constitucional, Antropologia do Direito, Sociologia do Direito, Filosofia do Direito, Direito Educacional, História dos Cursos Jurídicos
 Disciplinas Intrumentais: Oratória Jurídica, Informática Jurídica, Hermenêutica Jurídica, Argumentação Jurídica, Metodologia da Pesquisa, Filosofia da Ciência, Lógia Jurídica, Teoria da Argumentação
 Núcleo de Prática Jurídica: Pesquisa, Monitoria, Organização de Seminários, Análise de atividades simuladas, Análise de audiências, análise de sentenças
 Trabalho final de curso: monografia
Especialização em Advocacia Popular
 Disciplinas fundamentais comuns
 Disciplinas profissionalizantes comuns
 Disciplinas profissionalizantes especiais: Contratos, Responsabilidade Civil, Direitos Reais, Direito Agrário, Direito Alternativo, Direito da Criança e do Adolescente, Direito das 'Minorias', Wrigs, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito Sindical, Direito Previdenciário, Direito dos Acidentados no Trabalho, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal
 Disciplinas Instrumentais: Movimentos Sociais, Oratória Jurídica, Hermenêutica Jurídica, História das Lutas Sociais, Profissões Jurídicas II, Argumentação Jurídica, Sociedades Civis
 Núcleo de Prática Jurídica: júri simulado, preparação de peças, audiências, visita a sociedades civis, visita à órgãos judiciais, laboratórios experimentais, análise de autos findos
 Trabalho Final de Curso: peças processuais, pareceres, estatutos, projetos de lei, acordos
Especialização em Advocacia Criminal:
 Disciplinas fundamentais comuns
 Disciplinas profissionalizantes comuns
 Disciplinas profissionalizantes especiais: Direito da Criança e do Adolescente, Justiça Penal Militar, Direito Processual Penal, Crimes contra a vida, Crimes Contra os Costumes, Crimes contra o pratrimônio, Contravenções Penais, Leis Penais Extravagantes, Medicina Legal, Criminalística, Crimes do Colarinho Branco, Crime e Informática, Crimes Internacionais, Juizados Especiais Criminais
 Disciplinas Instrumentais: Oratória Jurídica, Informática Jurídica, Hermenêutica Jurídica, Vitimização, Criminologia, Sistemas Penais, Organização de Escritório, Direito e Psiquiatria
 Núcleo de Prática Jurídica: Júri simulado, preparação de peças, audiências, visitas a delegacias, visitas a varas criminais, visitas a prisões, laboratórios experimentais, análise de autos findos
 Trabalho Final de Curso: peças processuais, pareceres, projetos de lei
Especialização em Advocacia Empresarial
 Disciplinas fundamentais comuns
 Disciplinas profissionalizantes comuns
 Disciplinas profissionalizantes especiais: Direito do Autor, Direito Internacional Privado, Comércio Exterior, Falência e Concordata, Direito Tributário, Contratos Internacionais, Direito e Bioética, Direito Processual do Mercosul, Direito de Integração, Direito Econômico, Direito Antitruste, Direito Ambiental, Juizados Especiais, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho
 Disciplinas Instrumentais: elaboração de análise de contratos, oratória jurídica, informática jurídica, hermenêutica jurídica, argumentação jurídica, Mercosul, Sociologia das Empresas, Organização de escritório
 Núcleo de Prática Jurídica: Preparação de peças, audiências, visita a órgãos e instituições, visita a empresas, laboratórios experimentais, análise de autos findos
 Trabalho Final de Curso: peças processuais, pareceres, contratos, projetos de lei, acordos
Especialização em Advocacia Pública
 Disciplinas fundamentais comuns
 Disciplinas profissionalizantes comuns
 Disciplinas profissionalizantes especiais: Serviços Notariais, Registros Públicos, Pessoa Jurídica, Direito Eleitoral, Processo e Técnica Legislativa, Processo e Técnica Legislativa, Direito Constitucional, Direito Administrativo
 Disciplinas Instrumentais: Oratória Jurídica, Informática Jurídica, Hermenêutica Jurídica, Argumentação Jurídica, Direito e Democracia, Formas de Governo, Partidos Políticos
 Núcleo de Prática Jurídica: Visita à Assembléia Municipal, Visita à Assembléia Estadual, Laboratórios experimentais, análise de autos findos
 Trabalho Final de Curso: Pareceres, projetos de lei, contratos, licitações, acordos
Nesta proposta de Eliane Botelho Junqueira tem a diferenciação dos alunos depois dos primeiros anos ou semestres da faculdade, isso permite que o aluno venha buscar as matérias que lhe agradam mais e também uma especialização na graduação, este tipo de programa evitaria que os alunos tivessem que cursar matérias que não estão interessados. Algumas desvantagens. Há um perigo neste tipo de estrutura curricular, pois faz com que a especialização seja antecipada, não ocorrendo mais posteriormente à graduação, mas concomitante a esta. Outra desvantagem é a possível desunião dos alunos propiciada pela não existência de grupos estanques de alunos. Os alunos teriam também que escolher seu campo de atuação precossimente e estariam limitados de certa forma de conhecer outros campos do Direito que eventualmente não fossem atuar.
Há dentro da proposta apresentada uma preocupação com o estágio e com a monografia. Quanto a esta última é interessante a proposta da autora para outras atividades que não a monografia no estilo acadêmico, para alunos que não estão voltados para a área acadêmica. Isso permite que os alunos dessas outras especializações possam desenvolver trabalhos igualmente interessantes, porém voltados à sua futura área de atuação. Considerar pareceres, petições, projetos de lei, acordos, equivalentes a monografias é uma proposta inovadora e deve ser avaliada pois nem todo bacharel em direito visa carreira acadêmica, aliás estes são muito poucos. Lidar com a diversidade de alunos que o curso de Direito dessa forma é uma arte e nunca esta diversidade deve ser desconsiderada, nem por isso deve-se sucumbir a ela, porém este não é o caso deste ponto em específico.
Este tipo de currículo voltado para a especialização visa formar profissionais já voltados para o mercado de trabalho. Surge a velha questão: formar ou informar? O que o curso de Direito estaria fazendo neste caso é informar o aluno, já que o currículo está voltado para o conteúdo e não para a análise ou para a reflexão.
Este currículo praticamente pressupõe um curso semestral, em certos momentos generalistas, outros quase monográficos. Dentre as dificuldades que esta proposta pode apresentar na sua aplicação é a dificuldade de se encontrar professores gabaritados para ministrar as diferentes áreas do Direito e áreas adjuntas a este. Dificuldades também poderão ocorrer em matérias que apresentam uma certa generalidade, mas que ao receberem o adjetivo "jurídica" ganham uma dimensão no mínimo esquisita.
São o caso de disciplinas como oratória jurídica, Hermenêutica jurídica, Informática jurídica, argumentação jurídica, lógica jurídica, metodologia jurídica. É de se perguntar o que esse adjetivo leva à essas ciências, se por acaso o estudos da argumentação procederia ser tão diferente quando abordado do ponto de vista jurídico, ou se o que se visa com essas disciplinas adjetivadas não é estudar, por exemplo Lógica, mas só a lógica que diz respeito ao profissional de Direito, e como se poderia estudar o específico sem saber o principal? Ou o estudo neste caso fica deficiente pois requer um grau de especialização tamanho do professor que ministra esta matéria e isso dificilmente se encontra em todas as áreas citadas, ou se dá de forma generalista, cumprindo o programa das matérias, dizendo o já dito, falando o já falado, fazendo arremedos de livro, imitando resumos.
Quanto às matérias selecionadas cabe também dar destaque a matérias que geralmente não são bem dadas nos cursos de Direito como Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, e ainda há outras que seus estudos científicos foram quase que abandonados neste último século, como Direito Romano e História do Direito. Outra dificuldade destes currículos é a sua ênfase na novidade e no recente, isto é interessante para o aluno que vem sedento por conhecimentos recém saídos das teses e monografias, e quase cheirando a notícia de jornal; mas este tipo de seleção também leva a um envelhecimento precoce do currículo e pode acarretar na sua superação em poucos anos (este é o caso de matérias como Neoliberalismo e Globalização, Mercosul). Seriam estas matérias fundamentais no curso de Direito, e mesmo se fossem não deveriam estar inseridas em conteúdos maiores e não fragmentadas?
À alta qualificação dos professores acrescenta-se uma outra dificuldade para implantação deste tipo de curso de Direito, que é a necessidade de muitos professores disponíveis e a necessidade de classes de alunos pequenas. É necessária uma infra-estrutura exemplar, bem acima dos padrões exigidos pelo MEC.
Para que a junção destas dificuldades fosse enfrentada seria necessário que a faculdade de Direito, interessada em implantar esta proposta tivesse disponível considerável verba em seu orçamento, e neste caso as faculdades que poderiam melhor cumprir as metas deste currículo seriam faculdades públicas ou faculdades relativamente caras. A beleza desta proposta seria em possibilitar estes tipos de especialização a toda e qualquer faculdade, permitindo que fosse acessível também a faculdades particulares com alunos de baixa renda. Parece que o ensino para dar certo ou tem que ser caro ou só para as camadas mais ricas da população. Mas como fazer isso se professores especializados custam muito, se a infra-estrutura é cara?
Todas essas dificuldades porém não invalidam a proposta da autora, pois estas dificuldades de aplicação podem ocorrer ou não, porém se se acredita um pouco em probabilidade, deve-se crer que elas ocorrem ou pelo menos podem ocorrer. É necessário que se responda a essas possíveis falhas do sistema planejado. O que convém lembrar por fim que a própria autora participou como consultora do MEC e na Comissão de Ensino Jurídico Federal da OAB e que provavelmente seu projeto reflete pelo menos em parte a visão destes órgãos e que não pode ser desconsiderada.
Proposta B
Proposta feita por Eduardo Bittar no livro 'Direito e Ensino Jurídico'. Esta proposta segundo o autor recebeu colaborações de alguns professores como Prof. Maria Helena Dinis, Prof. Hamilton Rangel Júnior, Guilherme Assis de Almeida, Antonio Carlos Morato, Marco Aurélio Paula e Edgar Cruz Coelho. Também inspirou o projeto a Prof. Ada Pellegrini Grinover.
O projeto apresenta uma divisão semestral, apresentando em cada semestre que matérias devem ser ministradas, sendo que as áreas comuns abrangeriam até o oitavo semestre, para somente nos dois últimos, ou seja, no último ano, o aluno poder optar por uma área de concentração. Muitas das matérias ministradas nos semestres pares são repetidas nos semestres ímpares, o que dá impressão de um curso anual dividido.
1semestre: Linguagem Jurídica I, Sociologia Geral e Jurídica I, Ciência Política e Teoria do Estado I, Estudo de Problemas Brasileiros I, Introdução ao Estudo do Direito I, Economia I, Metodologia da Pesquisa Jurídica I.
2 semestre: Linguagem Jurídica II, Sociologia Geral e Jurídica II, Ciência Política e Teoria do Estado II, Estudo de Problemas Brasileiros II, Introdução ao Estudo do Direito II, Economia II, Metodologia da Pesquisa Jurídica II.
3 semestre: Direito Comercial I, Direito Civil I, História do Direito e do Pensamento Jurídico I, Direito Constitucional I, Teoria Geral do Processo I, Direito Penal I, Direito do Trabalho I.
4 semestre: Direito Comercial II, Direito Civil II, História do Direito e do Pensamento Jurídico II, Direito Constitucional II, Teoria Geral do Processo II, Direito Penal II, Direito do Trabalho II.
5 semestre: Direito Tributário e Financeiro I, Direito Civil III, Teoria Geral do Direito Administrativo, Direito Processual Civil I, Direito Penal III, Direito Processual Penal I, Direito Processual do Trabalho I.
6 semestre: Direito Tributário e Financeiro I, Direito Civil III, Teoria Geral do Direito Administrativo, Direito Processual Civil I, Direito Penal III, Direito Processual Penal I, Direito Processual do Trabalho I.
7semestre: Direito Civil IV, Filosofia do Direito I, Direito Processual Civil III, Direito Penal III, Direito Processual Penal III, Direito Penal V, Direito Administrativo I.
8 semestre: Direito Civil VI, Filosofia do Direito II, Direito Penal IV, Direito Processual Penal III, Direito Administrativo II, Medicina Legal, Direito Processual Civil IV, Direito Processual Penal IV.
9 e 10 semestres: áreas de concentração por vocação profissional
Disciplinas comuns - Procedimentos especiais e Legislativos extravagante I e II, Direito Civil VII e VIII, Ética Geral e Profissional I e II, Direito Internacional I e II.
Áreas de concentração optativas-
1. Área Consultiva: Direito Empresarial I e II, Biodireito I e II, Direito Ambiental I e II, Direito Previdenciário I e II
2. Área Contenciosa: Direito Processual Civil Avançado I e II, Direito Processual Penal Avançado I e II, Criminologia, Medicina Legal e do Trabalho I e II, Mediação e Arbitragem I e II
3. Área Acadêmica: hermenêutica avançada I e II, Direito do Autor e Propriedade Industrial I e II, Lógica e Metodologia do Raciocínio Jurídico I e II, Direito do Ensino I e II
4. Área Política: Direito Eleitoral e Parlamentar I e II, Direitos Fundamentais Avançados I e II, Direito Urbanístico I e II, Direito Comunitário I e II.
Esta proposta em relação à proposta denominada A, é uma proposta mais tradicional no seguinte sentido, ainda está muito voltada às disciplinas exigidas pela resolução CFE nº 03 de 1972. Isto é, a grande maioria das matérias, são comuns a todos os alunos e somente algumas são optativas no último ano de estudo. A novidade apresentada por esta proposta é apontar áreas de concentração, o que indicaria uma possível especialização, porém aqui fica mais é mais difícil o curso esta caracterizado como uma especilização na graduação, pois as matérias específicas se comparadas as comuns são de número diminuto. Dentro das áreas de concentração optativas, o autor não deixa claro, mas parece que não são todas as matérias que deverão ser cursadas, devendo o aluno optar por alguma ou algumas delas, o número também não é indicado. Esta proposta também nada trata sobre a monografia, nem sobre os estágios a serem cumpridos.
Uma das dificuldades geradas pelas áreas de concentração é a dificuldade de se manter um quadro de professores que deverão ministrar aulas para um pequeno número de alunos interessados em cada matéria optativas. Essas matérias devem necessariamente ter um caráter optativo, isto porque não é incomum de algumas faculdades que já implantaram este sistema, fornecer somente o mínimo de matérias optativas e com isso as optativas viram obrigatórias, ou na linguagem de muitos estudantes "optatórias".
Nesta proposta é colocada ênfase nas disciplinas tradicionais, como é o caso de Direito Civil que possui 6 semestres, Direito Penal possui 5 semestres. Enquanto matérias igualmente fundamentais possuem poucos semestres, como é o caso de Direito Constitucional, possuindo 2 semestres. Quanto às matérias das áreas de concentração, fica a dúvida da pertinência do oferecimento da disciplina Direito do Autor e Propriedade Industrial I e II ,para a área acadêmica. A única resposta plausível é a suposição que o bacharel em Direito com formação acadêmica irá necessariamente produzir livros e para tal seria interessante que soubesse seus direitos. Esta disciplina surge em uma área que privilegia a Filosofia do Direito, e parece que foi posta nesta área pois nenhuma outra a comportava.
O currículo elaborado a partir de disciplinas mais 'tradicionais' possibilita que professores gabaritados na área ministrem aulas tranquilamente, sem se seja necessário a exigência da especialidade em um conteúdo específico da área, como ocorre na proposta A. Por outro lado, este currículo favorece aulas que repetem o que dizem os manuais, já que geralmente é colocada de lado uma postura de curso monográfica. Esta proposta, caso o autor não acrescente nada além do que foi por ele indicado aqui, é uma proposta se comparada com a proposta A, bem mais barata em termos financeiros, mas é também uma proposta mais limitadora aos campos de saber do aluno já que o que se escolhe é pouco e além disso, não visa tão diretamente o mercado de trabalho. O aluno depois de passar por esse tipo de formação ainda falta muito para que ele seja considerado um profissional de qualquer uma dessas áreas. O aluno portanto flerta com uma especialização em uma área, mas não se foca nela para o estudo.
A especialização ou a área de concentração, funciona tanto na proposta A, quanto na proposta B, como diretores dos alunos aos mercados de trabalho. A área acadêmica vai formar professores e profissionais interessados em além de sua atividade dar aulas e para tal devem depois desenvolver suas monografias e dissertações em cursos de pós-graduação. A área contenciosa visa apontar os futuros advogados, promotores, procuradores, e outras profissões que mexem com o dia a dia de cartórios, fóruns, varas, etc. A área consultiva é especialmente para os profissionais como advogados de empresas, funcionários públicos que lidem com estas questões tanto no âmbito administrativo quanto no contencioso. A área política é dedicada àqueles bachareis que procuram conhecimentos específicos em política, sendo esta uma das áreas mais coesas, juntamente com a área acadêmica, muito provavelmente por delimitar seu público alvo com grande clareza.
Proposta C
Proposta apresentada por Horário Wanderlei Rodrigues no livro "Novo currículo mínimo dos Cursos Jurídicos", esta porém é anterior à LDB de 1996, mas já apresenta as modificações baseadas na portaria n 1886 de 1994. O autor deixa claro que a proposta é uma sugestão e que a listagem das disciplinas optativas específicas são exemplificativas, uma vez que para o autor, "essa parte do currículo é fundamentalmente aberta, devendo cada instituição oferecer disciplinas que estejam de acordo com o mercado de trabalho e a realidade e interesses locais e regionais" .
A sugestão do autor é para um curso de 6(seis) anos, podendo o aluno fazer a opção por cursá-lo em cinco anos, como normalmente as faculdades apresentam ser cursos. É apresentado, nesta proposta de currículo pleno as horas aulas dedicadas a cada disciplina e os créditos a que estas correspondem, o que supõe que o regime para se formar seja o compto de alguns créditos previamente estipulados pela instituição de ensino. O autor também apresenta claramente a possibilidade dos alunos cursarem disciplinas optativas em outras unidades departamentais.
1 fase-sugestão: Introdução ao Estudo do Direito (60 horas, 04 créditos), Sociologia Geral (60 horas, 04 créditos), Economia (60 horas, 04 créditos), Ciência Política (60 horas, 04 créditos), Teoria Geral do Estado (60 horas, 04 créditos).
2 fase-sugestão: Sociologia Jurídica (60 horas, 04 créditos), Teoria Geral do Direito Privado (60 horas, 04 créditos), Teoria Geral do Direito Público (60 horas, 04 créditos), Direito Constitucional (60 horas, 04 créditos), Direito Civil (60 horas, 04 créditos).
3 fase-sugestão: Direito Civil II (60 horas, 04 créditos), Direito Constitucional II (60 horas, 04 créditos), Direito Penal I (60 horas, 04 créditos), Direito Administrativo I (60 horas, 04 créditos), Direito Tributário I (60 horas, 04 créditos).
4 fase-sugestão: Direito Civil III (60 horas, 04 créditos), Direito Penal II (60 horas, 04 créditos), Direito Administrativo II (60 horas, 04 créditos), Direito Tributário II, Teoria Geral do Processo (60 horas, 04 créditos).
5 fase-sugestão: Direito Civil IV (60 horas, 04 créditos), Direito Comercial I (60 horas, 04 créditos), Direito do Trabalho I (60 horas, 04 créditos), Direito Penal (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Civil I (60 horas, 04 créditos).
6 fase-sugestão: Direito Civil V (60 horas, 04 créditos), Direito Comercial II (60 horas, 04 créditos), Direito do Trabalho II (60 horas, 04 créditos), Direito Penal IV (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Civil II (60 horas, 04 créditos).
7 fase-sugestão: Direito Civil VI (60 horas, 04 créditos), Direito Comercial III (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Civil III (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Penal I (60 horas, 04 créditos), Filosofia Geral (60 horas, 04 créditos)
8 fase-sugestão: Direito Civil VII (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Civil IV (60 horas, 04 créditos), Direito Processual Penal II (60 horas, 04 créditos), Direito Processual do Trabalho (60 horas, 04 créditos), Filosofia do Direito (60 horas, 04 créditos).
9 fase-sugestão: Direito Internacional Privado (60 horas, 04 créditos), Ética Geral (30 horas, 2 créditos), Disciplinas optativas (120 horas, 8 créditos), Atividades Complementares
10 fase-sugestão: Direito Internacional Público (60 horas, 04 créditos), Ética profissional (30 horas, 2 créditos), Disciplinas Optativas (120 horas, 08 créditos), Atividades Complementares (90 horas, 06 créditos)
11 fase-sugestão: Laboratório Jurídico I (75 horas, 5 créditos), Serviço de Assistência Jurídica I (75 horas, 05 créditos), Monografia I
12 fase-sugestão: Laboratório Jurídico II (75 horas, 5 créditos), Serviço de Assistência Jurídica II (75 horas, 05 créditos), Monografia II
Núcleo de especialização temática
Disciplinas optativas específicas do Curso de Graduação em Direito: Direito Romano (60 horas, 04 créditos), Direito Agrário (30 horas, 02 créditos), Direito Imobiliário (30 horas, 02 créditos), Direito Sindical (30 horas, 02 créditos), Registros Públicos (30 horas, 02 créditos), Direito do Consumidor (30 horas, 02 créditos), Direito previdenciário (30 horas, 02 créditos), Acidentes de Trabalho (30 horas, 02 créditos), Comércio Exterior- relações empresariais (30 horas, 02 créditos), Tendências Contemporâneas do Direito Privado (60 horas, 04 créditos), Execução Penal (30 horas, 02 créditos), Poder judiciário e funções essenciais à justiça (60 horas, 04 créditos), Hermenêutica Jurídica e aplicação do Direito (60 horas, 04 créditos), Tendências Contemporâneas do Direito Processual (60 horas, 04 créditos), Informática Jurídica (60 horas, 04 créditos), Metodologia da Pesquisa jurídica (60 horas, 04 créditos), Criminologia (60 horas, 04 créditos), História das Idéias Jurídicas (60 horas, 04 créditos), Antropologia jurídica (30 horas, 02 créditos), Política Jurídica (30 horas, 02 créditos), Diplomacia e relações Internacionais (60 horas, 04 créditos), Democracia e Direitos Humanos (30 horas, 02 créditos), Direito Econômico (30 horas, 02 créditos), Direito Eleitoral (30 horas, 02 créditos), Direito Ambiental (30 horas, 02 créditos), Direito da Criança e do Adolescente (30 horas, 02 créditos), Tendências Contemporâneas do Direito Público (60 horas, 04 créditos), Medicina Legal (60 horas, 04 créditos).
Núcleo complementar: a) Disciplinas optativas gerais: todas as disciplinas pertencentes aos demais cursos da universidade, independentemente da área, b) outras atividades complementares: atividades de pesquisa, extensão, monitorias, estágios extracurriculares e eventos diversos, na forma definida nas normas expostas a seguir ....
O autor depois de apresentar as matérias que farão em sua proposta parte do currículo apresenta duas propostas de regulamento bem detalhadas, uma para os estágios jurídicos e outra para o trabalho de conclusão de curso. O detalhamento do autor permite que estes regulamentos sejam implantados se não de forma geral, mas de forma particular por cada faculdade. É um bom desenho de regulamento prevendo as atividades a serem desenvolvidas por professores, alunos (como monitores, estagiários), pelos núcleos de estudos específicos, bem como apresenta sugestões de parâmetros para a realização da avaliação.
A este projeto também cabe as mesmas críticas que foram feitas anteriormente na proposta B quanto ao aspecto 'tradicional' do currículo apresentado. É igualmente com as outras propostas uma boa proposta se colocada em prática nos moldes que os autores de cada uma determinaram.
Estas propostas aqui escolhidas são exemplos de algumas propostas para os cursos de Direito, não são as únicas nem as melhores elaboradas. O que se tem aqui é um exemplo das propostas que algumas faculdades adotam em seus currículos. Apesar de variarem em determinados pontos, nenhuma delas apresenta variações significativas, e como já foi apontado neste trabalho, estas variações grandes não são permitidas porque há legislação e nesse caso em especial a portaria do 1886/94, que as impede. Ao mesmo tempo em que seguir as regras mínimas apontadas nesta, possibilita que os cursos de Direito mantenham um mínimo de disciplinas a ministrar e um mínimo de atividades a cumprir, também engessa a possibilidade de mudanças e inovações que as faculdades de Direito poderiam oferecer propiciando assim diferenciais.
2.4. Importância da estruturação do currículo para a formação do
bacharel
O currículo do curso de Direito vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo, com a inclusão de novas matérias, a exigência de diversas atividades a serem cumpridas por alunos e professores. Essas exigências têm sido colocadas pelos órgãos fiscalizadores dos cursos como a necessidade de uma melhora na qualidade dos cursos de Direito. Acredita-se porém, que 'melhora' e 'busca de qualidade' não são os termos que devem ser empregados para esta mudança do currículo dos cursos de Direito.
Isto porque esta mudança é histórica, e através da legislação específica, é possível ver que mudanças ocorrem periodicamente. A mudança não visa a busca da qualidade, pois esta é uma maneira de medir apropriada à empresa, como ressalta Marilena Chauí ao tratar da avaliação das universidades que não podem ter como finalidades padrões de empresa privada e da lógica de mercado . O que a mudança indica é uma adequação à uma nova sociedade.
A mudança de currículo indica a busca de um outro profissional, que o currículo anterior não dava conta. É o caso do currículo implantado com a resolução CFE n 03/72, que possuía um currículo voltado para a formação de profissionais que necessitavam de uma grande formação profissional (as matérias profissionais eram em grande número), não havia a obrigatoriedade de monografia (poucos eram os cursos de pós-graduação e esta não estava plenamente desenvolvida no país), e as matérias dita básicas eram em pequeno número. O currículo reflete a expansão quantitativa de faculdades de Direito desta época, e indicam um profissional pouco politizado, pouco crítico, e mais técnico, bem aos moldes da ditadura militar.
O currículo posto pela portaria n 1886, vem alterar esse perfil de bacharel, já que as necessidades da sociedade haviam mudado imensamente. O currículo é se comparado ao anterior mais 'democrático', permitindo escolhas e fazendo exigências extra-aula; o que aponta que a sociedade busca uma integração do conhecimento ao cotidiano. Já demonstra que o bacharel em Direito não tem poucas opções ao sair da faculdade, e com timidez aponta a heterogenidade existente no curso, podendo o aluno seguir diversas carreiras. Há também uma ênfase nas disciplinas ditas fundamentais, um reflexo da necessidade de uma formação teórica sólida, que o profissional de Direito tem que ter.
A análise das matérias privilegiadas nos currículos pode indicar também esta mudança no perfil do aluno, no mercado de trabalho. É comparação do Decreto n 7247 de 1879 com a Portaria do MEC 1886 de 1994, é notória. Uma possuía Direito Eclesiástico, matéria que nesta última não é indicada e mesmo permitida dificilmente estará presente nos currículos.
São diversos os pontos de mudança entre um currículo e outro, porém nenhum deles pode ser julgado por ser melhor ou pior, já que este não é um critério válido neste ponto. Se avaliado pela quantidade de horas de aula e atividades o currículo atual é muito mais rico que os anteriores, mas alguns deles como os de 1931 e anteriores, deviam proporcionar ao aluno mais tempo para o estudo. Outro ponto que não pode ser colocado de lado é que o volume de legislação cresceu consideravelmente desde a implantação do primeiro curso de Direito, e como geralmente as matérias procuram mostrar ao aluno noções amplas da legislação a estas correspondentes, o volume de matéria ministrada cresceu.
É neste sentido que as diretrizes curriculares do curso de Direito afirmam sobre a necessidade de um conteúdo que não só privilegia a informação, uma vez que esta é lei e a lei muda. Assim coloca as diretrizes: "...a educação jurídica tem sido excessivamente centrada no fornecimento do maior contingente possível de informações. Todavia, esse modelo informativo de ensino não capacita o operador técnico do Direito a manusear uma material jurídico cambiante, em permanente transformação, nem a desenvolver um adequado raciocínio jurídico. Os cursos, deverão, portanto, privilegiar o que é essencial e estrutural na formação dos alunos, tomando-se os currículos como totalidades vivas e de uma ampla e sólida formação que expressem o núcleo epistemológico de cada um".
Alunos que somente aprendem a lei, e não sabem realizar por si mesmos uma leitura crítica e analítica da lei, acabam com a mudança destas, ficando 'desatualizados', criando-se com isso uma leva de profissionais desenquadrados, ou que na ânsia de informações lotam cursinhos rápidos sobre determinada matéria específica. Não se pode dar o peixe, tem que se ensinar a pescar.
A especialização possibilitada na Portaria n 1886 é um reflexo da necessidade da verticalização do estudo, devido a necessidade e a exigência da verticalização do saber. Um homem universal, definido pelos ideais renascentistas, conhecedor de amplas áreas do saber e das artes, já não é possível. A possibilidade do universal se dá no genérico, mas não no específico. O mundo atual é um mundo de especialistas, é um mundo onde a divisão do trabalho foi implantada, e a ciência acompanhou esta mudança. Um advogado que cuide de diversas áreas do Direito é geralmente reputado na sociedade como de menos prestígio que um advogado que se dedica somente a uma área, apesar disto não ser critério de qualificação. Quando se busca o 'melhor' se busca o específico.
Não se defende aqui a busca da especialização, do conhecimento tão restrito que impossibilite o menor conhecimento de pelo menos uma parte do todo. O que é notório é que a especialização existe, e que para se fazer ciência ela é necessária. Isso não invalida um conhecimento enciclopédico, generalista, que pode ser profundo, importante e enriquecedor; mas que vem se tornando raro (e caro) na nossa sociedade.
Estuda-se na faculdade que Direito é um só e que a divisão colocada para seu melhor estudo é uma divisão conceitual. Porém, as matérias e consequentemente os conteúdos dos cursos de Direito geralmente funcionam de forma estanque, não se preocupando os professores em adequar os seus programas ou proporcionar integração com os programas de outros colegas. A interdisciplinaridade não ocorre entre as áreas do próprio Direito.
Estas divisões do Direito são tão fortes que se tornaram quase um ramo do saber separado dos demais, devido a suas próprias regras, princípios, comentadores, etc.. Outros cursos diante deste gigantismo e dos impasses de cumprir um programa de estudos tão intenso, proporcionaram quebras das áreas do saber geral. Este é o caso das Engenharias, onde o aluno ingressa no curso já voltado para a área que quer seguir, o que o mercado de trabalho mais oferece procura de mão de obra; há engenharia Civil, engenharia de alimentos, engenharia naval, engenharia genética, engenharia mecânica, engenharia espacial, engenharia de minas, engenharia de metalurgia, engenharia química, etc. O aluno ingressante nestes tipos de cursos costuma ter matérias em comum nos primeiros anos de estudo, porém sua especialização é o que mais conta. Ao sair de um curso de engenharia civil dificilmente o aluno terá conhecimento específico (nem mesmo geral) das outras engenharias.
Muito provavelmente este é um caminho que o Direito está se encaminhando, ou pelo menos a especialização será um desafio a ser resolvido pelos cursos de Direito. Não é um caminho fácil, pois este exige a tomada de decisões, exige a formulação de um outro currículo que comporte estas mudanças; exige mais do que isso, um querer da sociedade onde estes alunos vão ser recrutados e os bacharéis vão ser inseridos. Esta mudança também se dará via currículo, caso venha algum dia a existir.
O currículo é de extrema importância, pois é este que aplica os objetivos da educação superior, que desenvolve as habilidades requeridas nos futuros profissionais, é ele que informa o aluno e aquele que também deveria de certa maneira formar o aluno. A escolha do currículo é um ato político. Escolher o currículo é ao mesmo tempo indicar que tipo de sociedade que se está vivendo, mas também que tipo de sociedade que se quer. As funções diretivas e educativas de qualquer lei, também estão aqui presentes.
Uma das grandes mazelas de um currículo é ele não estar adequado à sociedade que ele está inserido. Nada pior que um currículo, com matérias valorizando a ditadura, a repressão, em uma sociedade que já vem lutando pela instauração da democracia. Nada pior que um currículo de Direito que estuda as vantagens e maravilhas do Estado Nazista, em sua disciplina de Teoria do Estado; quando este estado se encontra ultrapassado. Nada mais inadequado que um currículo que visa o estudo da monarquia e de seus institutos dentro de uma sociedade republicana. Não que estudar a monarquia, nem mesmo o Estado Nazista, nem a ditadura não sejam importantes e necessários em qualquer tipo de curso, só que é a partir de um ponto de vista que se faz o estudo.
Atualmente é a partir de uma sociedade democrática e heterogênea que se estuda o Direito; porém ainda resta muito da visão a-crítica, ditatorial que o Direito foi vista durante cerca de vinte anos. Muito do estudo de Direito ainda é um estudo de direita, ainda são poucas as vozes que vem fazendo frente a esta posição, apesar de nossa Constituição e também a sociedade permitir o pluripartidarismo e a possibilidade de diferenças ideológicas. O Direito vem da sociedade, de seus desejos; e por sociedade atualmente se entende bem mais que o conjunto de homens brancos ricos e bem nascidos. O estudo do Direito é também propiciado às massas, aos indivíduos dos mais amplos espectros de uma sociedade; logo deve estar adequado a incorporar heterogeneidade cultural, social, econômica, política; mas nunca em devendo fazer desta heterogeneidade um fator para aprofundar as desigualdes-maléficas à sociedade.
O estudo do Direito, mesmo com a ressalva feita acima, atualmente comporta diferentes opiniões, diferentes visões, diferentes possibilidades de teoria e talvez neste ponto, nunca o estudo do Direito foi tão rico. Essa riqueza é também dada pela sociedade que nunca comportou tanta diversidade e heterogeneidade junta. Viver dentro da heterogeneidade e aceitá-la é uma das tarefas mais nobres dos seres humanos nesta nova sociedade. É também tarefa dos cursos de Direito de incentivarem e propiciarem esta diversidade.
2.5. Portarias nº 1886/94 e nº 1252/01 do MEC
Portaria MEC N 1886 de 30 de Dezembro de 1994
Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico
O Ministro de Estado da Educação e do Desporto, no uso de atribuições do Conselho Nacional de Educação, na forma do artigo 4 da Medida Provisória n 765, de dezembro de 1994, e considerando o que foi recomendado nos Seminários Regionais e Nacional dos Cursos Jurídicos, e pela Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, da SESu-MEC, resolve:
Art. 1. O curso jurídico será ministrado no mínimo de 3.300 horas de atividades, cuja integralização se fará pelo menos cinco e no máximo de oito anos letivos.
Art. 2. O curso noturno, que observará o mesmo padrão de desempenho e qualidade do curso no período diurno, terá um máximo diário de quatro horas de atividades didáticas
Art. 3. O curso jurídico desenvolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, interlidadas e obrigatórias, segundo programação e distribuição aprovadas pela própria Instituição de Ensino Superior de forma a atender às necessidades de formação fundamental, sócio-política, técnico-jurídica e prática do bacharel em Direito.
Art. 4. Independentemente do regime acadêmico que adotar o curso (seriado, créditos ou outro), serão destinadas cinco a dez por cento da carga horária total para atividades complementares ajustadas entre o aluno e a direção ou coordenação do curso, incluindo pesquisa, extensão, seminários, simpósios, congressos, conferências, monitoria, iniciação científica e disciplinas não previstas no currículo pleno.
Art. 5. Cada curso jurídico manterá um acervo bibliográfico atualizado de no mínimo dez mil volumes de obras jurídicas e de referência às matérias do curso, além de periódicos de jurisprudência, doutrina e legislação
Art. 6. O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio compreenderá as seguintes matérias, que podem ser contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso:
I- Fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica, ética geral e profissional). Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado)
II- Profissionalizantes: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Processual Administrativo, Direito Tributários, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional
Parágrafo Único. As demais matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o currículo pleno de cada curso, de acordo com suas peculiaridades e com a observância de interdisciplinaridade.
Art. 7 A prática da educação física, com predominância desportiva, observará a legislação específica
Art. 8 A partir do 4 ano, ou do período letivo correspondente e observado o conteúdo mínimo previsto no art. 6, poderá o curso concentrar-se em uma ou mais áreas de especialização, segundo suas vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho.
Art. 9. Para conclusão do curso, será obrigatória apresentação e defesa de monografia final, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno
Art. 10 O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total mínimo de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.
§ 1 O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá de instalações adequadas para treinamento das atividades profissionais de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público.
§ 2 As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública e outras entidades públicas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior.
Art. 11. As atividades do estágio supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, visitas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.
Art. 12 . O estágio profissional de advocacia, previsto na Lei 8906 de 4/7/94, de caráter extracurricular, inclusive para graduados, poderá ser oferecido pela Instituição de Ensino Superior, em convênio com a OAB, complementando-se a carga horária efetivamente cumprida no estágio supervisionado, com atividades práticas típicas de advogado e estudo de Estatuto da Advocacia e da OAB e do Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. A complementação da carga horária, no total estabelecido no convênio, será efetivada mediante atividades no próprio núcleo de prática jurídica, na Defensoria Pública, em escritórios de advocacia ou em setores jurídicos, públicos ou privados, credenciados e acompanhados pelo núcleo e pela OAB.
Art. 13. O tempo de estágio realizado em Defensoria Pública da União, do Distrito Federal ou dos Estados, na forma do artigo 145 da Lei Complementar n 80, de janeiro de 1994, será considerado para fins de carga horária do estágio curricular previsto no art. 10 dessa portaria.
Art. 14 As instituições poderão estabelecer convênios de intercâmbio dos alunos e docentes, com aproveitamento das respectivas atividades de ensino, pesquisa, extensão e prática jurídica.
Art. 15 Dentro do prazo de dois anos, a contar desta data, os cursos jurídicos proverão os meios necessários ao integral cumprimento desta Portaria.
Art. 16. As diretrizes curriculares desta Portaria são obrigatórias aos novos alunos matriculados a partir de 1996 nos cursos jurídicos que, no exercício de sua autonomia, poderão aplicá-las imediatamente.
Art. 17. Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, especialmente as Resoluções n 3/72 e 15/73 do extinto Conselho Federal de Educação.
Murílio de Avellar Hingel
Ministério da Educação- Secretaria de Educação Superior- Comissão de Especialistas de Ensino de Direito- Ceed- Comissão de Consultores ad hod
Diretrizes Curriculares do curso de Direito
INTRODUÇÃO
As diretrizes curriculares do curso de Graduação em Direito, elaboradas por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a partir das indicações fornecidas pelo Parecer nº 776/97 da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo Edital nº 4/97 da SESu/MEC, sistematizam, com base na Portaria nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994, com a preocupação de preservar o seu conteúdo, as sugestões enviadas pelos membros da comunidade acadêmica jurídica de forma prévia para a Comissão de Especialistas de Ensino de Direito (CEED), assim como aquelas oferecidas entre 11 de maio e 30 de junho de 2000, após a chamada lançada pelo Documento Preliminar.
Com efeito, as diretrizes curriculares para a área de Direito beneficiaram-se de sua experiência histórica, que tem na Portaria nº 1.886/94 sua concepção didático-pedagógica mais relevante, sendo importante ressaltar que a mesma encontra-se em fase de implementação, uma vez que sua vigência data de 1997, fazendo-se esperar a graduação de sua primeira turma no ano de 2001. Nesse sentido, estas diretrizes integram-se ao processo de construção de qualidade dos cursos de Direito, que teve como marco, na década de noventa, a instalação da Comissão de Especialistas de Ensino de Direito (CEED/SESu/MEC) em parceria com a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
As diretrizes curriculares têm em mira fornecer as linhas gerais para os cursos jurídicos estruturarem seus projetos pedagógicos de forma autônoma e criativa, segundo suas vocações, demandas sociais e mercado de trabalho, objetivando a formação de recursos humanos com elevado preparo intelectual e aptos para o exercício técnico e profissional do Direito. Elas não constituem prescrições fechadas e imutáveis, mas parâmetros a partir dos quais os cursos criarão seus currículos em definitiva ruptura com a concepção de que são compostos de uma extensa e variada relação de disciplinas e conteúdos como saberes justapostos ou superpostos e que não passam de repetição do já pensado.
Em outras palavras, a educação jurídica tem sido excessivamente centrada no fornecimento do maior contingente possível de informações. Todavia, esse modelo informativo de ensino não capacita o operador técnico do Direito a manusear um material jurídico cambiante, em permanente transformação, nem a desenvolver um adequado raciocínio jurídico. Os cursos deverão, portanto, privilegiar o que é essencial e estrutural na formação dos alunos, tomando-se os currículos como totalidades vivas de uma ampla e sólida formação que expressem o núcleo epistemológico de cada um. E, nesse sentido, as diretrizes curriculares sinalizam para a necessária flexibilização que permita o favorecimento à elevação da qualidade.
O ensino de Direito no país encontra-se em situação promissora como conseqüência da adoção da Portaria nº 1.886/94 e da instalação de um sistema de avaliação, o qual compreende a aferição das Condições de Oferta dos cursos jurídicos e a aplicação do Exame Nacional de Cursos, além da própria adoção do Exame de Ordem pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sendo certo que esse processo deve ser aprofundado nos projetos pedagógicos de cada Instituição.
(I) DO PERFIL DESEJADO DO FORMANDO
O perfil desejado do formando de Direito repousa em uma sólida formação geral e humanística, com capacidade de análise e articulação de conceitos e argumentos, de interpretação e valoração dos fenômenos jurídico-sociais, aliada a uma postura reflexiva e visão crítica que fomente a capacidade de trabalho em equipe, favoreça a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, além da qualificação para a vida, o trabalho e o desenvolvimento da cidadania.
Nesse sentido, o curso deve proporcionar condições para que o formando possa, ao menos, atingir as seguintes características em sua futura vida profissional:
(a) permanente formação humanística, técnico-jurídica e prática, indispensável à adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das transformações sociais;
(b) conduta ética associada à responsabilidade social e profissional;
(c) capacidade de apreensão, transmissão crítica e produção criativa do Direito a partir da constante pesquisa e investigação;
(d) capacidade para equacionar problemas e buscar soluções harmônicas com as demandas individuais e sociais;
(e) capacidade de desenvolver formas judiciais e extrajudiciais de prevenção e solução de conflitos individuais e coletivos;
(f) capacidade de atuação individual, associada e coletiva no processo comunicativo próprio ao seu exercício profissional;
(g) domínio da gênese, dos fundamentos, da evolução e do conteúdo do ordenamento jurídico vigente; e
(h) consciência dos problemas de seu tempo e de seu espaço.
Os cursos jurídicos formam bacharéis em Direito com habilitação suficiente para, uma vez atendidas as exigências de ingresso, o exercício de uma das muitas profissões jurídicas, tais como a advocacia, a magistratura, o ministério público e o magistério. A habilitação em Direito é, portanto, genérica, não permitindo o exercício imediato de qualquer das profissões jurídicas.
(II) DAS HABILIDADES DESEJADAS
Para alcançar o perfil desejado do formando, o curso jurídico deve propiciar a seus alunos o desenvolvimento e a prática pedagógica, ao menos, das seguintes habilidades:
(a) leitura, compreensão e elaboração de textos e documentos;
(b) interpretação e aplicação do Direito;
(c) pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;
(d) correta utilização da linguagem ? com clareza, precisão e propriedade ?, fluência verbal e escrita, com riqueza de vocabulário;
(e) utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
(f) julgamento e tomada de decisões; e
(g) domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
(III) DO PROJETO PEDAGÓGICO
Na composição de seus projetos pedagógicos, os cursos jurídicos devem definir os seguintes elementos:
(a) objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, geográfica e social;
(b) condições objetivas de oferta (perfil, titulação e nominada do corpo docente, infra-estrutura) e vocação do curso;
(c) modos de desenvolvimento das habilidades de seus alunos para alcance do perfil de formando desejado;
(d) currículo pleno;
(e) cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
(f) formas de realização da interdisciplinaridade;
(g) modos de integração entre teoria e prática das atividades didáticas;
(h) formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
(i) modos de integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
(j) modos de incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a realização de iniciação científica;
(l) concepção e composição das atividades do estágio de prática jurídica;
(m) formas de avaliação interna permanente do curso;
(n) concepção e composição do programa de extensão;
(o) concepção e composição das atividades complementares;
(p) regulamento da monografia final;
(q) sistema de acompanhamento de egressos;
(r) formações diferenciadas, em áreas de concentração, quando necessárias ou recomendadas; e
(s) oferta de cursos seqüenciais, quando for o caso.
(IV) DOS CONTEÚDOS CURRICULARES
Os cursos jurídicos poderão definir, com autonomia, em seus projetos pedagógicos - os quais, recomenda-se, sejam fruto de uma reflexão e de um esforço coletivos no âmbito da instituição -, o conteúdo curricular de modo a atender a três eixos interligados de formação: fundamental, profissional e prática.
O eixo fundamental tem por objetivo integrar o estudante no campo do Direito, sob a perspectiva de seu objeto, apontando ainda para as relações do Direito com outras áreas do saber, pertinentes à compreensão de seu método e finalidades. Ele deve apresentar, ao menos, as matérias abaixo destacadas, podendo ainda incorporar outras que julgar pertinentes ao seu projeto pedagógico, como por exemplo Hermenêutica Jurídica, História do Direito, Metodologia da Pesquisa e do Trabalho Jurídicos.
EIXO DE FORMAÇÃO FUNDAMENTAL
Ciência Política (com Teoria do Estado); Economia; Filosofia (geral e jurídica; ética geral e profissional); Introdução ao Direito; Sociologia (geral e jurídica).
Os conteúdos mínimos do eixo de formação profissional, ao prepararem o estudante para aprender sempre mais, deverão, para além do enfoque dogmático, preocupar-se em estimular o discente a conhecer e aplicar o Direito, com rigorosidade metódica e adequada interlocução com os conteúdos de formação fundamental. Nesse sentido, o eixo de formação profissional deve apresentar, ao menos, as matérias que se encontram abaixo listadas, enfatizando-se que não se trata de uma enumeração exaustiva, com outras podendo ser incorporadas em função da proposta pedagógica do curso.
EIXO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Direito Administrativo; Direito Civil; Direito Comercial; Direito Constitucional; Direito Internacional; Direito Penal; Direito Processual; Direito do Trabalho e Direito Tributário.
O eixo de formação prática deve almejar a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais eixos, além da implementação, no âmbito da iniciação profissional, das atividades relacionadas ao estágio de prática jurídica.
EIXO DE FORMAÇÃO PRÁTICA
Integração entre teoria e prática das atividades didáticas e desenvolvimento das atividades do estágio de prática jurídica.
Insista-se que as matérias, referidas nos eixos de formação fundamental e profissional, podem ser desdobradas ou agrupadas em uma ou mais disciplinas, na forma como dispuserem os currículos plenos dos cursos. A oferta das demais matérias, em disciplinas obrigatórias ou optativas, deve ocupar uma parcela significativa do remanescente da carga horária total do curso, assegurando-se plena liberdade para cada instituição de ensino, tanto na composição de seu elenco quanto na escolha do regime acadêmico (seriado, créditos) adotado.
Por outro lado, os cursos jurídicos devem construir seu currículo pleno observando a interdisciplinaridade e exigindo, como requisito para sua conclusão, a realização de uma monografia final, fruto de processo de orientação acadêmica, com defesa pública perante banca examinadora. Os cursos jurídicos podem ainda, sem prejuízo dos conteúdos presentes nos eixos de formação fundamental, profissional e prática, oferecer formações diferenciadas (eixo de formação concentrada), em consonância com as suas vocações próprias, sem que as mesmas confundam-se com habilitações específicas, uma vez que, ao seu término, o formando deverá graduar-se como bacharel em Direito.
(V) DA DURAÇÃO DO CURSO
A duração do curso jurídico deve obedecer aos seguintes parâmetros:
(a) a realização de uma carga horária total mínima de 3.700 (três mil e setecentas) horas de atividades, nela incluídos o estágio de prática jurídica e as atividades complementares, observando-se o ano letivo de 200 dias úteis (artigo 47, LDB);
(b) a integralização da carga horária total deve fazer-se em, no mínimo, 5 (cinco) anos; a duração máxima não pode ultrapassar o percentual de 50% (cinqüenta por cento) da duração mínima adotada pelo curso;
(c) as atividades do curso noturno, que deve observar o mesmo padrão de desempenho e qualidade do curso diurno, não podem ultrapassar uma carga máxima diária de 4 (quatro) horas;
(d) as atividades complementares devem observar o limite mínimo de 5% (cinco por cento) e máximo de 10% (dez por cento) da carga horária total do curso;
(e) o estágio deve observar a carga horária mínima de 300 (trezentas) horas de atividades práticas; e
(f) a integralização do estágio deve ser feita ao longo de, no mínimo, dois anos ou quatro semestres.
(VI) DO ESTÁGIO DE PRÁTICA JURÍDICA
As atividades simuladas e reais do estágio de prática jurídica, supervisionadas pelo curso, são obrigatórias e devem ser diversificadas, para treinamento das atividades profissionais de advocacia, ministério público, magistratura e demais profissões jurídicas, bem como para atendimento ao público. A instituição deve prover o Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) de instalações adequadas e satisfatórias para abrigar todos os alunos que devam realizar o estágio de prática jurídica.
Essas atividades, simuladas e reais, devem ser exclusivamente práticas, sem utilização de aulas expositivas, compreendendo, entre outras, redação de atos jurídicos e profissionais, peças e rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, visitas relatadas a órgãos judiciários, análise de autos findos, prestação de serviços jurídicos, treinamento de negociação, mediação, arbitragem e conciliação, resolução de questões de deontologia e legislação profissional. As atividades de prática jurídica podem ser complementadas mediante convênios, que possibilitem a formação dos alunos na prestação de serviços jurídicos.
A finalidade do estágio curricular é proporcionar ao aluno formação prática, com desenvolvimento das habilidades necessárias à atuação profissional. A concepção e organização das atividades práticas devem se adequar aos conteúdos dos eixos de formação fundamental, profissional e concentrada, quando houver, trazendo ao discente uma perspectiva integrada da formação teórica e prática.
O aproveitamento das atividades de estágio realizado em consonância com o artigo 145 da Lei Complementar nº 80 (Defensoria Pública), de 12 de janeiro de 1994, não pode exceder a um terço da carga horária destinada ao estágio de prática jurídica oferecido pelo curso. Por outro lado, para os fins da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, relativamente aos alunos que desejarem e puderem inscrever-se no quadro de estagiários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o curso pode complementar o estágio de prática jurídica oferecendo mais 100 (cem) horas de atividades típicas de advogado e de estudo do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética e Disciplina.
(VII) DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES
As atividades complementares têm por finalidade propiciar ao aluno a oportunidade de realizar, em prolongamento ao currículo pleno, uma trajetória autônoma e particular, com conteúdos extracurriculares que lhe permitam enriquecer o conhecimento jurídico propiciado pelo curso.
Estas atividades devem observar o limite mínimo de 5% (cinco por cento) e máximo de 10% (dez por cento) da carga horária total do curso, devendo ser ajustadas entre o corpo discente e a direção ou coordenação do curso, a qual tornará público as modalidades admitidas, de sorte a permitir a sua livre escolha pelo aluno.
As atividades podem incluir projetos de pesquisa, monitoria, iniciação científica, projetos de extensão, módulos temáticos (com ou sem avaliação), seminários, simpósios, congressos, conferências, cursos livres (como, por exemplo, informática e idiomas), além de disciplinas oferecidas por outras unidades de ensino e não previstas no currículo pleno do curso jurídico, não se permitindo o cômputo de mais de 50% (cinqüenta por cento) da carga horária exigida em uma única modalidade.
(VIII) DA PESQUISA
Para os fins do artigo 43, III, da LDB, o curso jurídico deve incentivar as atividades de pesquisa jurídica, própria ou interdisciplinar. Nesse sentido, a instituição deve propiciar, de forma direta ou mediante intercâmbio:
(a) a formação de grupos de pesquisa com participação discente em programas de iniciação científica;
(b) a integração da atividade de pesquisa com o ensino; e
(c) a manutenção de periódicos para publicação da produção intelectual de seus corpos docente e discente.
(IX) DA EXTENSÃO
A extensão, cuja finalidade consiste em propiciar à comunidade o estabelecimento de uma relação de reciprocidade com a instituição, não se confunde com o estágio de prática jurídica e pode ser integrada nas atividades complementares. Ela deve ser promovida de forma permanente, proporcionando um efetivo envolvimento de seus docentes e discentes com a comunidade, por meio de programas de assessoria jurídica, convênios, atividades de formação continuada e eventos extracurriculares periódicos.
(X) DA AVALIAÇÃO
Na adoção das diretrizes curriculares, os cursos de graduação em Direito devem desenvolver um plano de avaliação interna com o objetivo de acompanhar sistematicamente a consolidação de seu projeto pedagógico.
Essa modalidade de avaliação, a qual não exclui a contribuição externa, tem por objetivo proporcionar aos integrantes do curso ? dirigentes, corpos docente e discente ? um sistema de informações atualizadas sobre a implantação do projeto pedagógico, além de estabelecer uma análise crítica acerca dos recursos acadêmicos, da atuação docente e da infra-estrutura disponível.
A metodologia e os critérios de avaliação sobre o desempenho docente, compreendidas as atividades de ensino, pesquisa e extensão, devem ser estabelecidos por uma comissão docente interna do curso de Direito, a qual deverá integrar, em suas atividades, os indicadores qualitativos estabelecidos nos instrumentos institucionais de avaliação implementados pela Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).
Por sua vez, as instituições de ensino devem proporcionar os recursos técnicos e infra-estruturais necessários para viabilizar a implementação dos planos de avaliação interna, cujos resultados devem ser amplamente divulgados por toda a comunidade acadêmica envolvida.
Por fim, quanto à avaliação do desempenho discente, devem ser definidos os objetivos e métodos a serem empregados, estimulando-se a aplicação de suas diferentes modalidades em todos os eixos temáticos do projeto pedagógico.
(XI) DA INFRA-ESTRUTURA
A oferta de uma infra-estrutura adequada é parte indispensável ao currículo, devendo a mesma proporcionar as condições materiais necessárias para a sua realização, a saber:
(a) instalações e equipamentos adequados para as atividades didáticas ? ensino, prática jurídica, extensão e pesquisa -, observando-se sempre a proporção entre o número de alunos do curso e a infra-estrutura disponível;
(b) instalações compatíveis com as necessidades docentes, com espaço físico para pesquisa e orientação discente na própria instituição;
(c) estrutura compatível com o desenvolvimento das habilidades relativas ao domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito, como, entre outros, equipamentos de informática e treinamento para as linguagens de multimídia;
(d) biblioteca adequada ao número de estudantes do curso, com acervo bibliográfico atualizado e pertinente às indicações bibliográficas das atividades didáticas, com, no mínimo, 10.000 (dez mil) volumes para cada grupo de 1.000 (um mil) alunos, assim como assinaturas de periódicos especializados impressos ou informatizados, observando-se a proporção de, no mínimo, 10 (dez) revistas para cada grupo de 1.000 (um mil) alunos;
(e) estrutura adequada para o Núcleo de Prática Jurídica, disponibilizando, ao menos, salas com espaço e equipamentos para: coordenação e secretaria próprias; prática de atividades jurídicas simuladas, inclusive audiências; autos findos; professores orientadores; assessoria jurídica e assistência judiciária (atendimento ao público); e
(e) estrutura adequada para a eventual instalação de órgãos judiciários em suas dependências.
(XII) DA MONOGRAFIA FINAL
Para conclusão do curso é obrigatória a realização de monografia final individual, sustentada perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno. A instituição deve regulamentar os critérios e procedimentos exigíveis para o projeto, a orientação, a elaboração e a defesa da monografia final, podendo admitir a orientação e a participação na banca de profissional não docente.
(XIII) DOS CONVÊNIOS DE INTERCÂMBIO
As instituições podem estabelecer convênios de intercâmbio dos discentes e docentes, com aproveitamento das respectivas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
(XIV) DOS CURSOS SEQÜENCIAIS
A instituição de ensino pode oferecer cursos seqüenciais, paralela e conjuntamente com o curso jurídico regular, para áreas de especialização emergente ou conexas à formação de Direito ou interdisciplinar, segundo as demandas do mercado de trabalho, com expedição de diplomas próprios, consoante dispõe o artigo 44, I, da LDB.
CONCLUSÃO
As presentes diretrizes constituem um documento de base, não pretendendo cercear as escolhas acadêmicas a serem efetuadas, mas servir de "referência para as Instituições de Ensino Superior na organização de seus programas de formação, permitindo flexibilidade na construção dos currículos plenos" (Edital SESu/MEC nº 4/97), os quais devem estar adaptados às prescrições aqui formuladas no prazo de dois anos a partir de sua aprovação.
Brasília, 13 e 14 de julho de 2000
Paulo Luiz Netto Lôbo
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Roberto Fragale Filho
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Sérgio Luiz Souza Araújo
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Loussia Penha Musse Felix
Universidade de Brasília (UnB)
3. Objetivo do ensino do Direito na Faculdade de Direito
3.1 Objetivos do ensino superior, um paralelo entre as Leis de
Diretrizes e Bases
Os objetivos do ensino superior são esboçados nas Constituições, mas é nas Leis de Diretrizes e Bases que estes objetivos são mais detalhados. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (Lei n 4024) dedica o título IX à educação superior e dedica dos artigos 66 ao artigo 87, sendo que alguns artigos se encontram vetados inteiramente e outros em grande parte de seus incisos. É o artigo 66 desta lei que aponta ser os objetivos do ensino superior, "o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível superior". A lei que trata especificamente do ensino superior é a Lei 5540 de 1968, com 59 artigos, diversos vetados, que em seu artigo primeiro repete o mesmo texto do artigo 66 da Lei 4024/61.
A lei n 5692 de 1971 revoga diversos dispositivos da lei nº 4024, porém não os referentes ao ensino superior, uma vez que esta lei fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1 e 2 graus. É com a nova LDB, ou seja, com a Lei n 9394 de 1996 é que há uma preocupação com o ensino superior, que ocupam os artigos 43 à 57 desta lei.
Já a Lei de Diretrizes e Bases no que tange ao ensino superior não utiliza o termo "objetivos", mas sim finalidade, e estas seriam:
I. "estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo
II. formar diplomados nas diferentes áreas dos conhecimentos, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua
III. incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive
IV. promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações e de outras formas de comunicação
V. suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração
VI. estimular o conhecimento de problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade
VII. promover a extensão, aberta à participação da população, visando àa difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição"
O termo objetivo para fim, parece não ter modificado de todo o que a LDB de 1996 quis dizer, uma vez que repete a tríplice função da educação (ensino, pesquisa e prestação de serviço à comunidade) de outra forma, mas alongadamente. Sobre este aspecto comenta Maria Muranaka e Cesar Minto: "Ao determinar as finalidades da educação superior, o art. 43 dessa LDB não reafirma o princípio da indissolubilidade entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade. Isso será explicitado apenas no art. 52, quando se define as instituições universitárias, consagrando apenas e tão só aquilo que precariamente tem vigorado: tal tríade ré restrita as universidades" .
A portaria n1886/94 não aponta os objetivos do curso de Direito. As Diretrizes curriculares do curso de Direito também não apontam os objetivos, porém, fornece dois itens muito importantes, o perfil desejado do formando e as habilidades desejadas, que nada mais é do que o objetivo do curso para o aluno. De acordo com as Diretrizes curriculares o objetivo do curso de Direito, esta se distanciando cada vez mais da mera informação e procura-se focar na postura crítica.
O perfil do aluno desejado é assim definido: "O perfil desejado do formando de Direito repousa em uma sólida formação geral e humanística, com capacidade de análise e articulação de conceitos e argumentos, de interpretação e valoração dos fenômenos jurídicos-sociais, aliada a uma postura reflexiva e visão crítica que fomente a capacidade de trabalho em equipe, favoreça a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, além da qualificação para a vida, o trabalho e o desenvolvimento da cidadania".
Os objetivos são cada vez menos informação e mais formação, capacidade de raciocínio crítico. Esses objetivos do curso de Direito encontram uma dificuldade na aplicação, quando se relaciona estes com o currículo a ser implantado pelas faculdades. O currículo aqui deve ser revisto, isto nem tanto pelas matérias, mas pela confusão (já comentada acima) entre currículo, disciplina e conteúdo.
As diretrizes curriculares, é um documento que apresenta uma forma híbrida, muito provavelmente de transição entre um curso de Direito que o objetivo é o conteúdo e outro onde é a reflexão sobre os conteúdos. Essa mudança de objetivos do conteúdo para a reflexão, foi sentida por quase todas as ciências humanas no ensino superior e em muitas delas já é possível sentir esta mudança nos currículos, livros e programas do ensino médio e fundamental. O ensino de Direito não poderia ficar à margem desta mudança. Porém, esta mudança não é pouca coisa para um ensino considerado durante décadas como "tradicional", no sentido pejorativo da palavra, ou seja, refratário à mudanças. Poucas faculdades de Direito e poucos professores saberão implantar esta mudança, e haverão ainda aqueles que por resistência e outros por desconhecimento, não irão ou mesmo não poderão implantá-la.
Com esses objetivos a Faculdade de Direito pode-se distanciar de qualquer outro curso de Direito, isto é, não visa informação. Resta saber que postura alguns órgãos e instituições tomarão frente a esta mudança em avaliações, como o Provão ou mesmo o exame da OAB e outros concursos públicos. No caso do Provão, que é uma avaliação feita pelo MEC, esta deveria obrigatoriamente incorporar estas mudanças; no caso de entidades que se encontram dependentes, mas não são órgãos do ensino superior, restam a estes verificar a pertinência ou não de utilização.
A lei nº 5540/68 que fixa as diretrizes do ensino superior indica, que este ensino tem como objetivos: "a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário". Esta legislação ainda não insere à prestação de serviços à comunidade, nem o ensino, que pode ter soado como óbvio.
3.2 A Faculdade de Direito e a 'tríplice função' da educação ( ensino,
pesquisa, prestação de serviço à comunidade)
As funções que foram delimitadas para a Faculdade de Direito assim também o foram para diversos outros cursos e portanto à universidades inteiras. A função da faculdade/universidade ligado à uma tríplice função reflete a mudança do papel, da estrutura e dos objetivos dessas instituições dentro do panorama brasileiro. Todas essas funções invariavelmente levam a questão do mercado de trabalho.
Marilena Chauí em seu livro "Escritos sobre a Universidade", caracteriza a universidade ao longo do tempo sofrendo variações dadas pelas várias reformas. Define assim três tipos de universidades, a universidade funcional, a universidade de resultados e a universidade operacional. A tríplice função da educação, onde as funções da Faculdade de Direito se encontram inseridas, só pode ser pensada nesta, o último tipo de universidade, a universidade operacional. Estas são as definições da autora:
"Universidade funcional, dos anos 70, foi o prêmio de consolação que a ditadura ofereceu à sua base de sustentação político-ideológica, isto é, à classe média despojada de poder. A ela foram prometidos prestígio e ascensão social por meio do diploma universitário. Donde a massificação operada, a abertura indiscriminada de cursos superiores, o vínculo entre universidades federais e oliguarquias regionais e a subordinação do MEC ao Ministério do Planejamento. Essa universidade foi aquela voltada para a formação rápida de profissionais requisitados como mão de obra altamente qualificada para o mercado de trabalho. Adaptando-se às exigências do mercado, a universidade alterou seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional dos estudantes no mercado de trabalho.
A universidade de resultados, dos anos 80, foi aquela gestada pela etapa anterior, mas trazendo novidades. Em primeiro lugar, a expansão para o ensino superior da presença crescente das escolas privadas, encarregadas de continuar alimentando o sonho social da classe média; em segundo, a introdução da idéia de parceria entre a universidade pública e as empresas privadas. Este segundo aspecto foi decisivo na medida em que as empresas não só deveriam assegurar o emprego futuro aos profissionais universitários e estagiários remunerados aos estudantes, como ainda financiar pesquisas diretamente ligadas a seus interesses. Eram os empregos e a utilidade imediata das pesquisas que garantiam à universidade sua apresentação pública como portadora de resultados.
A universidade operacional, dos anos 90, difere das formas anteriores. De fato, enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento, a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, e a universidade de resultados estava voltada para as empresas; a universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos" .
Com uma estrutura voltada para si, a universidade e portanto, também seus cursos podem produzir ensino, pesquisa e prestação de serviços a comunidade. Mas é interessante notar que a Faculdade de Direito, nasceu baseada no que a autora define como universidade clássica, privilegiando o trabalho intelectual, passou durante a ditadura militar pelas características da universidade funcional e hoje se encontra na sua fase operacional. O curso de Direito não conheceu, ou este não foi decisivo, a fase da universidade de resultados, isto porque o curso de Direito não tem como tradição (e isso até hoje) a pesquisa, muito menos a extensão.
A Faculdade de Direito se encontra na fase operacional porque também tem como características: instabilidade de meios e objetivos, ser estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e formação intelectual, sua docencia é entendida como a transmissão rápida de conhecimentos, visa em suas pesquisas a quantidade e não necessariamente a qualidade daquilo que é produzido,etc .
As funções da Faculdade de Direito mudam completamente ao longo da história e isso é mais visível quando se olha para o perfil do aluno de Direito. Se a função última de um curso é formar alunos, aqui no caso bacharéis em Direito, a faculdade está tendo funções diferentes quando pretende formar "os aprendizes do poder" e os "funcionários obedientes".
A pesquisa, o ensino e a extensão, são pontadas no texto constitucional como sendo atividades das universidades. Isto está disposto no art. 207 caput, da Constituição Federal Brasileira de 1988.
Estes três termos quando levados ao Direito parecem ficar de certa forma mal acomodados, isto porque até bem pouco tempo o curso de Direito, nas três funções ou se quiser atividades que devia desenvolver, apenas desenvolvia o ensino. A pesquisa e a extensão, que de certa forma é uma prestação de serviços à comunidade, não faziam parte do cotidiano do aluno do curso de Direito. Esta situação vem mudando gradativamente devido à exigência das novas legislações.
Sobre o ensino. O ensino pode ser aqui definido por uma atividade formal, que pressupõe uma relação entre aquele que ensina e aquele que é ensinado, de troca de experiências, informações e conceitos. O ensino pode ser também definido não como troca, mas sim como recebimento pura e simplesmente; bem como pode ser definido como uma construção de saberes. No ensino superior o papel do professor foi institucionalizado como aquele que de certa forma detém um saber, um conhecimento específico e que vem a um espaço determinado (o espaço da sala de aula), em um tempo determinado ( o tempo dado pela duração da aula), e que transmite estes ou que os constrói com seus alunos. O ensino é pautado por uma hierarquia de saberes, e ocorre em uma instituição de ensino com regras e parâmetros próprios, mas que tem que obedecer à leis gerais que dizem respeito à educação. O ensino no âmbito do Direito se dá através de aulas das matérias designadas no curso de Direito, e também através dos estágios e das atividades complementares.
Sobre a pesquisa. A pesquisa pressupõe uma atividade científica. Ela é diferentemente definida dependendo do campo do saber a que ela se dedica, uma vez que cada ciência tem propriedades e métodos próprios. As ciências humanas foram durante muito tempo, colocadas como não tendo método, pois não se podia utilizar do método experimental. Hoje, a maioria das ciências humanas são habilitadas como ciência, não nos padrões das ciências exatas e as das ciências da biologia, mas com padrões próprios. O curso de Direito é um dos únicos da graduação na área das Ciência Humanas que não apresenta um vínculo forte entre a graduação e a pós-graduação e um dos fatores é a quase inexistência de pesquisa na maioria das Faculdades de Direito. Atualmente a pesquisa é encarada no curso de Direito como uma atividade investigativa e/ou analítica dos documentos legais e/ou dos comentários que foram à partir destes desenvolvidos, ou como uma atividade que busca formular teorias sobre o fenômeno do Direito. A pesquisa ainda pode se apresentar de outras maneiras, mas basicamente se dividem a partir das matérias que formam o curso, e que aqui são classificadas em duas, matérias de cunho eminentemente zetético e matérias de cunho dogmático (classificação de Tércio Sampaio Ferraz Jr). Assim se caracterizariam estes dois tipos de pesquisa :
Enfoque zetético Enfoque dogmático
acentua-se a pergunta acentua-se a resposta
zetein = perquerir dokein= ensinar, doutrinar
desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida releva o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões
função especulativa explícita função diretiva explícita
são infinitas são finitas
problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?) problema configura um dever-ser (como deve-ser algo?)
visa saber o que é uma coisa visa possibilitar uma decisão e orientar a ação
predomina a função informativa da linguagem função informativa se combina com a diretiva
tem suas premissas dispensáveis, podem ser substituídas, trocadas presa a conceitos fixados. Tem compromisso com a ação o que impede de deixar os problemas em suspenso.
questionamento aberto questionamento fechado
há alguns pontos de partida pré-estabelecidos na investigação há sempre pontos de partida pré-estabelecidos na investigação
tem como ponto de partida a evidência podendo ser esta frágil ou plena (usa constatações e hipóteses) tem como ponto de partida uma certeza das premissas
tem como 'característica principal a abertura constante para o questionamento dos objetos em todas as direções (questões infinitas)' 'Uma disciplina pode ser definida como dogmática na medida em que considera certas premissas em si e por si arbitrárias (isto é, resultante de uma decisão), como vinculantes para o estuddo, renunciando-se, assim, o postulado da pesquisa independente'. 'Dogmática depende do dogma mas não se reduz a este'(49)
tipos de zetética:
zetética empírica e analítica e as duas ainda podem ser aplicadas ou puras
Zetéticas são, por exemplo, as investigações, que tem como objeto o direito no âmbito da Sociologia, Antropologia, Psicologia, História, Filosofia, etc. 'São disciplinas dogmáticas, no estudo do direito, a Ciência do Direito, Civil, Comercial, Constitucional, Processual, Penal, Tributário, Administrativo, Econômico, do Trabalho, etc'
Sobre a extensão. De acordo com as Diretrizes curriculares do curso de Direito, a extensão tem como finalidade propiciar à comunidade o estabelecimento de relação de reciprocidade com a instituição. Esta reciprocidade envolve alunos e professores e deve se dar de forma permanente com a comunidade. A extensão também não se confunde com estágio, e se dá por meio de programas de assessoria jurídica, convênios, atividades de formação continuada e eventos extracurriculares periódicos.
3.3 Formar ou informar?
Formação de um profissional, seja ele qual for, é bem diferente de informação. Formar um aluno não é meramente informar, é fornecer algo além de uma ganha de conhecimentos e informações, é possibilitar ao formado o saber e a arte de se chegar ao conhecimento. Formar é dar forma, dar corpo. É também uma atividade mais perigosa, pois requer sensibilidade, pois se molda, se dá forma com base em um modelo, em uma forma. Informar é muito mais simples, pois é conceder a alguém uma série de informações, de dados; não se importando de como recebe estas informações, nem o que se faz com elas. Porém, não há formação com informação, pois é ela que dá conteúdo à forma.
A questão da formação e da informação está diretamente ligada com o tecnicismo que hoje assola o Direito, não só no seu ensino, mas também na pesquisa científica. A formação da pessoa é lenta e demorada, pois não ocorre somente nos estabelecimentos oficiais de ensino; esta formação faz parte de uma esfera maior do ensino que comporta várias áreas, como a familiar, religiosa, ideológica, política, social, etc. A formação educacional que o ensino superior proporciona não é diferente destas outras esferas, pois deve dar a bacharel, a possibilidade de saber escolher, de tomar decisões quanto à sua profissão e ao seu mundo.
O ensino não pode ser a mera transferência de informações. "Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção" .
A formação dá um certo caráter ao bacharel. "Ao se formar engenheiro, advogado ou médico, o jovem, além de dominar técnicas necessárias ao desempenho de sua profissão, adquire uma espécie de personalidade de base, participa duma rede de contatos que o cimenta numa certa comunidade" .
O que os exames e avaliações tem mais se preocupado é medir a quantidade de informações que os alunos, e aqui os alunos de Direito, podem absorver. Há uma preocupação com a informação e não com a formação do futuro bacharel, e é exatamente a formação, produto intelectual e impossível de medir pelos parâmetros produtivos quantitativos destas avaliações, é o que importa. As Diretrizes Curriculares do Curso de Direito é um dos documentos que se interessa pela formação, ao colocar as habilidades desejadas do bacharel em Direito. Dentre estas habilidades incluem-se por exemplo, o julgamento e tomada de decisões e utilização de reflexão crítica.
Este espírito crítico aliado à competência é que evita, ou pelo menos ameniza, o que o Prof. Giannotti denomina de 'sábidos' (contrampondo aos sábios) e que estão transformando a universidade uma "fábrica de sabidos". O sabido para Giannotti não é o bandido puro e simples, não é o aluno ou professor que se utiliza de diversos métodos para não fazer o que seu nome o designa, estudar, pesquisar ou ensinar; mas é o malandro, aquele que tem como profissão "o aprimoramento das técnicas de sedução e publicidade, dedicação e muito empenho" . É nesta fábrica de sabidos que vem imperado muito mais a informação do que a formação.
3.4 Tecnicismo no Direito
Cada vez mais o ensino do Direito vem se tornando um ensino técnico, acrítico e descontextualizado da sociedade atual. Ensina-se Direito muitas vezes como quem ensina regras de um aparelho eletrodoméstico, onde se alerta o aluno que ocorrendo tal desordem no sistema utiliza-se x, y, z procedimentos. Não são todos os professores que tem esta concepção, nem todas as faculdades que aceitam dentro de seus quadros mestres assim; o grande problema é quando esta prática ultrapassa a dimensão do professor, o problema está quando o aluno chega querendo que se ensine assim, e alguns o fazem.
Mas não só a esfera didática que se encontra tomada pelo tecnicismo, uma vez que o tecnicismo se encontra na própria dogmática jurídica. Sobre este aspecto comenta o Prof. Tércio Sampaio: "Deste modo, podemos dizer que a ciência dogmática cumpre as funções típicas de uma tecnologia. Sendo um pensamento conceitual, vinculado ao direito posto, a dogmática pode instrumentalizar-se a serviço da ação sobre a sociedade. Neste sentido, ela, ao mesmo tempo, funciona como agente pedagógico ... que institucionaliza a tradição jurídica, e como agente social que cria uma 'realidade' consensual a respeito do direito.... Um pensamento tecnológico é, sobretudo, um pensamento fechado à problematização dos seus pressupostos - suas premissas e conceitos básicos tem de ser tomados de modo não-problemático - a fim de cumprir sua função: criar condições para a ação. No caso da ciência dogmática, criar condições para a decidibilidade de conflitos juridicamente definidos..." .
O pensamento tecnológico se estabelece, para o Prof. Tércio Sampaio através de três modelos: a) Modelo analítico. Encara a decibilidade como relação hipotética entre conflito e decisões. Ciência do Direito aparece como sistematização de regras para a obtenção de decisões possíveis, o que lhe dá um caráter até certo ponto formalista. b) Modelo hermeneutico. Vê a decidibilidade do ângulo da sua relevância significativa, onde a hipótese de conflito e a hipótese de decisão tem uma relação do ponto de vista do seu sentido. Ciência do Direito aparece como atividade interpretativa, construindo um sistema compreensivo do comportamento humano. c) Modelo empírico. Vê a decidibilidade como busca das condições de possibilidade de uma decisão hipotética para um conflito hipotético. Ciência do Direito como investigação das normas de convivência.
Não é de se estranhar que o tecnicismo no Direito venha sendo sentido hoje, justo quando se tem uma carga de disciplinas dogmáticas tão grande, e cada vez mesmo se busca um estudo zetético da dogmática jurídica, isto é, um estudo crítico e aberto da legislação que faz parte das matérias do currículo. O tecnicismo tem que ser superado, mas para isso deve-se alterar o ensino no seu aspecto didático, e principalmente o currículo, dando um pouco mais de enfoque às disciplinas críticas, ainda hoje consideradas como "perfumarias" em grande parte dos currículos.
3.5 Objetivos do ensino diferentes para os diferentes profissionais do
Direito?
Os objetivos da Faculdade de Direito, podem ser resumidos através das três funções da universidade que é realizar pesquisa, propiciar o ensino e desenvolver a extensão. Essas são atividades indissociáveis e necessárias para uma faculdade/universidade ser considerada como tal.
É necessário apontar que estas três atividades não são geralmente desenvolvidas por todos os alunos, mas sim são funções da universidade como um todo, são atividades a serem desenvolvidas pelo conjunto de alunos e professores. O que se pretende com a portaria nº 1886/94 do MEC, conjuntamente com as Diretrizes curriculares do curso de Direito, é que cada aluno possa ter tido contato com quase todas estas atividades.
O curso de Direito possui uma particularidade em relação a muitos outros, ele não forma um profissional específico, mas sim forma um bacharel que está habilitado a exercer diversas funções dentro da sociedade, e que com isso pode tomar diversas carreiras e profissões. Como lidar com essa diversidade? Deveria o curso de Direito ter objetivos específicos para cada tipo de profissional, ou objetivos educacionais que não se importassem com estas diferenças?
Esta pergunta que vem sendo respondida pelas Faculdades de Direito respondendo afirmativamente à segunda parte da questão, pode ser muito bem apresentada a partir de outros moldes. A questão se encontra diretamente ligada à questão da especialização do ensino de Direito. Até que ponto a especialização poderia levar à diminuição de um ou dois objetivos, como por exemplo o da extensão e o da pesquisa?
Como foi possível se visualizar através dos diversos currículos do passado, sempre houve uma preocupação com que tipo de profissional do Direito que se estava querendo formar. As reformas curriculares de 1865 e 1879 apresentavam currículos diferentes, para alunos que visavam advocacia e magistratura e para aqueles que visavam cargos diplomáticos. Esta estrutura não foi adotada pelos currículos seguintes, que sempre deixavam a profissionalização do aluno para um momento posterior a faculdade, e portanto, que não necessitava ser pensado pelos educadores.
O currículo atual, o regulamentado pela portaria do MEC 1886/94 apresenta uma tímida preocupação com este aspecto e insere uma tímida especialização. Porém esta especialização, não é uma cisão no curso de Direito, pois a maioria das matérias são comuns, o que não ocorria no currículo proposto pela reforma de 1879. Todos os futuros profissionais de Direito receberam a mesma formação, com pequenas ou quase nenhuma variação do ponto de vista das matérias ministradas. É evidente que estes alunos não tinham o mesmo objetivo profissional.
Diante da crescente especialização dos profissionais do Direito, do volume de legislação que vem aumentando a passos largos, e da dificuldade do ensino do Direito servir a tantos senhores e acabar não servindo a nenhum (possibilita a formação de diversos profissionais, mas não de um em específico); fica a pergunta se a especialização não seria um caminho mais adequado. A maneira como esta será feita deve ser discutida pelos profissionais e pelos professores de Direito. Porém, esta é uma hipótese que não pode ser meramente colocada de lado sem reflexão alguma.
Buscando objetivos tão diferentes, visando áreas profissionais das mais diversas, não seria interessante o aluno de direito possuir objetivos específicos relativos à sua formação educacional (e isto indica currículo específico)? Esta mudança iria requerer da faculdade uma postura ativa sobre os profissionais de Direito, pois estes passariam a ser de certa forma sua responsabilidade.
4. Dificuldade do ensino de Direito hoje
O ensino de Direito, mas não só este, está tendo que enfrentar diversas dificuldades, e estas ocorrem nas mais amplas áreas do processo educacional. Pode-se encontrar dificuldades no ensino desde sua estrutura mais global, quanto na micro-esfera da sala de aula nas relações professor-aluno. Pensar no ensino hoje se tornou tão complexo, que há diversos especialistas para cada uma das áreas dos problemas enfrentados pela educação.
O curso de Direito não deixa de enfrentar todos estes problemas educacionais, porém não há entre os profissionais de Direito o costume de refletir sobre a prática de suas ações. Os profissionais de Direito não costumam em sua maioria entender os problemas enfrentados em uma sala de aula como problemas, enfrentados por quase todos os professores e que necessitam de ações pensadas para que se possa resolver, ou tentar resolver os problemas surgidos. Não basta identificar o desinteresse de um aluno na sala de aula, e rotular este aluno como desinteressado e simplesmente colocar este fora do processo educacional. A indisciplina, é um exemplo de sintoma que deve ser tratado com cuidado, pois muitas vezes este pode revelar problemas na área didático-pedagógica do professor, outras como falta de sentido daquilo que é ensinado .
Este é apenas um dos exemplos mais cotidianos das dificuldades que se pode enfrentar na sala de aula, e que não pode ser considerada como um fenômeno regional e particular. Neste trabalho apontou-se a importância do currículo na formação do aluno, porém, poucos professores questionam o currículo como sendo um fator de desajuste no processo educacional de Direito. Este é um problema que está localizado em uma macro-esfera, mas que se reflete e gera seus efeitos nas mais diversas esferas da atividade de ensino.
A importância de se criar uma esfera para discussão de problemas educacionais na área do Direito é urgente. O ensino do Direito deve ser desafiador, instigante, deve causar espanto (admiração) no aluno, deve ser revolucionário e não passivo.
4.1 A prática e a teoria, congruências e disjunções
A legislação que visa instalar novos currículos, sempre trabalha com a hipótese que este venha a ser devidamente implantado, ou que haja pelo menos um grande esforço para sua implantação por parte de todos. Há aqui uma diferença entre aquilo que se planeja e a realidade, com toda sua complexidade.
Sobre isto comenta José Eduardo Faria: "...é inevitável desconformidade entre as concepções de ensino e Direito que nortearam a elaboração desse currículo, pelo CFE, e as concepções pessoais dos diferentes professores espalhados pelo país. Trata-se, em outras palavras, da diferença entre o que foi pensado no momento de formulação do programa obrigatório e o que é praticado pelos mestres nas salas de aula. Essa descoincidência, que se produz de maneira gradual e intersticial, é inevitável e de difícil avaliação; entre outros motivos, porque as novas gerações docentes, com as virtudes e falhas de sua formação teórica, vão adequando o que ensinam às suas últimas leituras e às preocupações profissionais mais recentes.... Longe de ser um problema, essa descoincidência entre o programa obrigatório do CFE e os programas aplicados em cada faculdade talvez seja o caminho para a superação da má qualidade do ensino jurídico" .
O currículo pretende que se ministre as matérias designadas, porém não restringe os professores a ministra-las de uma maneira ou de outra; porém a prática de se seguir os manuais leva a um ensino massificante, e ajuda a aumentar o poço entre aquilo que foi previsto na proposta do currículo e aquilo que foi implantado. Este é um dos efeitos da falta de participação dos professores na feitura dos currículos.
Para o Prof. Tércio Sampaio também há um descompasso entre o ensino e a realidade social, que para este autor começou com "o desaparecimento do jurista generalista em face das especializações exigidas pela complexidade social e econômica a partir dos anos 50 e, ultimamente, pela crescente politização da Justiça, tornada alvo e instrumento da mídia escrita, falada e televisiva, obrigando o profissional do direito a ter condições de enfrentar como o político, a pressão social orquestrada" . Este descompasso também é apontado por Tércio Sampaio no conteúdo dos manuais utilizados nos cursos de Direito, que em média se encontram de 10 a 20 anos desatualizados.
Outra dificuldade dentro do ensino do Direito é superar a tradição das aulas magistrais, que nada acrescenta além do livro, não permite um fórum de discussão e quando é boa tem função informativa. Sobre este aspecto comenta José Eduardo Faria: "Em termos pedagógicos, esse ensino massificador é vinculado pelas tradicionais aulas magistrais, nas quais os professores costumam falar para classes silentes que, passivamente, limitam-se a anotar o que ouvem. Trata-se de um esforço absolutamente desnecessário, pois quase tudo que é dito na sala não passa de repetição pasteurizada do conteúdo dos manuais mais elementares. As técnicas pedagógicas inerentes às aulas magistrais têm assim, uma característica peculiar: elas permitem transferir o conteúdo das notas do professor diretamente ao caderno do aluno, sem intermediação das informações das informações pela "cabeça pensante" dos alunos. É por esse motivo que as aulas tendem a se converter numa farsa bem encenada, em que cada uma das partes desempenha seu papel de modo banalizado. Sem diálogo e sem reflexividade, estabelece-se uma cumplicidade entre todos os atores ? o que massifica o ensino e despeja no mercado profissional os bacharéis de má qualidade..." .
A aplicação de um novo currículo necessita de ajustes, mas também de um programa de aplicação. Formados em currículos que não faziam as exigências do currículo atual, muitos professores simplesmente não sabem aplicar as novas diretrizes exigidas pelo curso de Direito. O novo currículo deveria ter previsto um curso de recapacitação profissional de professores e profissionais que estariam ligados ao processo educacional, curso este não para ensinar a ensinar, mas para explicar o que se quis com as alterações.
O ideal seria que os professores de Direito através de reuniões e discussões deliberassem, juntamente com os alunos, os currículos a serem implantados. Esta não é a realidade das reformas, que são geralmente impostas de cima para baixo, a partir de legislação. As reformas são reflexos das discussões de especialistas, mas não se pode negar que esta reforma vigente é também uma deliberação de um órgão o MEC (Ministério da Educação).
4.2 O ensino de Direito e as tradições
O Direito sempre esteve cercado de tradições: tradições que buscam preservar em nome de uma imutabilidade que gera o mito da segurança jurídica, tradições em seus ritos processuais que as vezes são mais ritos que processuais, tradição no falar no vestir e no pensar de muitos de seus profissionais, etc. A tradição vem a conferir também ao ensino do Direito uma certa aura de prestígio e poder.
O que acontece é que muitas vezes se paga caro por algumas tradições, que não são tão tradicionais assim; e os cursos de Direito são peritos em inventar tradições. Por 'tradição inventada' entende-se: "conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam incultar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado" .
Inventa-se tradição quanto à maneira de ministrar aula, inventa-se tradições nas relação professor e aluno, alega-se por invenção da tradição que a matéria não pode ser retirada de um currículo, mesmo sendo notória sua inutilidade na sociedade atual. Tradição inventada não é costume, como aponta Hobsbawn, pois a 'tradição' seria um mecanismo para se impedir a mudança natural de um costume. O curso de Direito tem sido considerado um curso tradicional, mas talvez o mais certo seria um curso inventor de tradições.
A invenção da tradição permite que se dê um certo ar de velho e de sobriedade àquilo que nem tem barbas, e com isso se impede a mudança. Um exemplo que é visível a todos é a arquitetura das Faculdades de Direito, cheia de pilastras romanas, deusas e deuses, bustos de heróis, etc. A Faculdade de Direito do Largo São Francisco em São Paulo é década de 30 (1930), nada mais restou do velho, feio e pobre mosteiro com suas amplas janelas, que foram depois ainda remodeladas em 1886 e ao qual Ricardo Severo deu seu toque de barroco português, querendo colocar ares de Faculdade de Coimbra em faculdade no solo tupiniquim .
Mesmo nas faculdades de Direitos mais recentes em meio a uma estrutura de concreto armado, o gosto é colocar alguma Athena Diké na porta, ou mesmo um frontão em alguma porta principal. A referência arquitetônica é mais visível e tratar destes elementos pode parecer jocoso, mas a verdade é que estes colocam a vista milhões de outros que ficam escondidos.
Outro exemplo de tradição inventada nos cursos de Direito dentro dos conteúdos das matérias dogmáticas, é o horroroso termo "panorama histórico do Direito do...". Este vem acompanhado de retrospectivas históricas baratas, quanto não completamente equivocadas, que vão dos gregos à Revolução Francesa no pulo de dois ou três parágrafos; não acrescenta em nada ao estudo da matéria, mas revela o grau de "cultura" do autor ou do professor que a faz. Volta-se ao passado, para dar peso ao presente. Além abusar da retórica, este recurso faz com que tudo comece no passado, que tudo saia dos gregos e romanos; quando se sabe que este pretenso ar de tradição vem esconder a verdadeira origem de nossa legislação (ainda muito recente).
O discurso nas aulas de Direito muitas vezes também sofre com as tradições inventadas, é ressaltada importância do latim escrito em petições e monografias, quando se sabe que poucos dominam ainda esta língua, que não consta mais nos bancos escolares. Usa-se por erudição, usa-se os famosos brocardos jurídicos, para dar uma áurea ao texto que geralmente, não consegue acertar nem em sua língua pátria. Então, porque usar? Qual a sua justificativa a não ser tentar mostrar que o autor possui uma vasta "cultura" ? O que vem a ser essa "cultura jurídica"?
O que se faz em muitos cursos de Direito é a mitificação, mitificação até do discurso. No entender de Warat, estes discursos podem ser pensados "como uma forma de conhecimento da realidade social e natural, mas uma forma de conhecimento idealizante, que deixa no homem a sensação de certeza e segurança em relação a esse processo de compreensão... mediante o discurso mítico se tem a ilusão de compreender o inteligível, de solucionar o insolúvel, se satisfazer as realizações individuais ou grupais não satisfeitas."
Este discurso mítico também será utilizado no ensino de Direito. "Estando a educação a serviço do poder político, como uma forma de obtenção da socialização grupal, não pode deixar de ressaltar seu caráter massificador. Não pode deixar de ser concebida como um discurso mítico e que torna ingênuo o homem. Isto por suposto, se acentua muito mais na educação jurídica; uma das formas de conhecimento mais diretamente vinculadas ao poder político... O ensino do Direito resulta ser assim um modo ideológico de conhecimento do direito vigente, um modo ideológico de conhecimento dos instrumentos com que o poder político se consolida na sociedade..." .
À carga ideológica mascarada do ensino de Direito, que tem muitas vezes pudores de afirmar seu próprio olhar sobre os objetos, agrega-se o peso da tradição, 'tradição inventada', que torna os conteúdos das matérias tão cheias (dizem alguns juristas de 'valor', mas também poderia ser ideologia) que fica difícil ensinar Direito e fazer ciência.
Conclui-se com as palavras de Warat: "Muito se fala sobre a necessidade de modificar o processo de educação do Direito, mas o problema é tratado como se fora exclusivamente solucionável com a incorporação de novas estratégias pedagógicas, sem atentar-se paralelamente o problema dos conteúdos a ser transmitidos, por qualquer dessas técnicas, tradicionais ou modernas. Desta forma, se nega também o caráter socializador e de inversão da realidade social que tem o processo de educação jurídica. Falar de uma nova 'jus-didática', implica desta forma, não só o aperfeiçoamento de técnicas e estratégias pedagógicas mais atuais, como também um reexame do que secularmente se vem mostrando como fenômeno jurídico" .
4.3 Dificuldade do ensino do direito frente à nova ordem mundial
A globalização ou mundialização vem sendo amplamente discutida especialmente por causa de seus efeitos na sociedade atual. Um dos seus principais efeitos talvez seja a revolução informacional e a modificação no mercado de trabalho. A modificação nestes dois setores da sociedade, geram diversos efeitos no processo educacional. As conseqüências destas mudanças causam espanto a todos. "A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e socidades, culturas e civilizações. Assinala a emergência da sociedade global, como uma totalidade abrangente, complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida, desafiando práticas e ideais, situações consolidadas e interpretações sedimentadas, formas de pensamento e vôos da imaginação" .
Sobre o mundo do trabalho. O mundo do trabalho interessa à educação por vários motivos: a) é o ensino uma atividade do mundo do trabalho, onde professores e outros profissionais do ensino vendem sua força de trabalho em troca de seus salários, b) é de certa forma o trabalho de outras pessoas que financiam a possibilidade do ensino (quando particular pelo próprio aluno ou quem responda por ele, quando público através dos impostos), c) é para o mercado de trabalho que está voltada grande parte da educação atualmente, e o aluno formado vai tentar se integrar a este mercado de trabalho.
Diante de um mercado cada dia mais excludente e exigente milhares de alunos procuram as universidades com o propósito de conseguirem uma melhor colocação no mercado de trabalho. Por outro lado, o mercado de trabalho vem absorvendo cada dia menos jovens que com seus diplomas universitários conseguem apenas cargos médios. O panorama como aponta Belluzo é assustador: " As altas taxas de desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas formas de ocupação, a queda dos salários reais, a exclusão social; estes são os espectros que rondam não só a Europa mas também outras partes do mundo neste final de século. Um panorama sombrio, e as perspectivas não são as mais alentadoras" .
A faculdade de Direito geralmente não tem como objetivo formar seus bacharéis para atuar em empresas privadas, que sofrem de forma mais incisiva os problemas da mundialização do capital e das transformações no mundo do trabalho. Porém, as práticas utilizadas nestas empresas começam a invadir os órgãos públicos, em seus cartórios, nas varas, nos tribunais, no dia a dia dos advogados, e porque não dos professores e pesquisadores. Busca-se o aumento da produtividade, a diminuição de custos, e um aumento brutal do lucro (quando estatal, busca-se a eficiência).
O aluno de Direito está ciente desta realidade, mas o mundo frenético da mundialização parece parar na porta da sala de aula. Não se discute este fenômeno e sua conseqüências no mundo do Direito a não ser de forma isolada. O "tradicionalismo" do mundo do Direito parece querer ficar imune a este fenômeno, mas está vendo que isto não é possível.
A universidade que ao longo do tempo proporcionara à classe média brasileira uma possibilidade de ascenção social não mais cumpre esta função, e em muitos casos só vem garantindo um diploma-papel. Mas apesar disso a universidade ainda continua sendo "o paraíso das classes médias, o lugar por excelência de suas práticas, o terreno onde se articulam seus ideais" .
A revolução informacional vem proporcionando uma outra dimensão na sociedade, fazendo com que se supere a clássica divisão de classe e se instaure uma divisão relacionada com o monopólio do saber. Esta divisão é assim definida por Jean Lojkine: "A divisão social entre os que têm monopólio do pensamento e aqueles que são excluídos deste exercício". E acrescenta que esta mudança, que hoje já se encontra de certa forma visível atinge a todos. " Veremos com efeito, que a ?reprofissionalização do trabalho? (polivalência, formação qualificadora e pluridisciplinar, responsabilização) não se restringe aos operários, envolve, maciçamente também os empregados burocráticos e o conjunto de assalariados dos serviços- a sua posição social nos novos modos de tratamento da informação constitui um problema tão central, em face dos monopólios sociais da informação estratégica, quando a reprofissionalização operária" .
Não basta porém informar, é preciso ensinar (se é que isso se ensina) o aluno a pensar. É o estimulo ao pensamento e a atividade crítica que farão diferença em uma nova sociedade. O ensino de Direito não pode se limitar a ensinar técnica, pois com isso está formando somente os funcionários de baixo escalão desta sociedade. O ensino e também o currículo devem atentar para estas grandes transformações.
A Faculdade de Direito acaba não formando alunos que dificilmente se encontram preparados para as mudanças bruscas deste novo mundo, porém que dificilmente vão ser assimilados por uma burocracia estatal inchada e falida. É diante deste novo mundo, destes novos paradigmas que a faculdade de Direito tem que repensar seus objetivos específicos, e se pretende ainda direcionar o estudo para o mercado de trabalho, precisa repensar que tipo de estudo seria mais adequado para esta nova sociedade que esta se formando.
4.4 Necessidade de se repensar o ensino do Direito
O ensino de Direito vem sendo repensado por alguns juristas preocupados com a ?qualidade? do ensino de Direito. O que geralmente se apresenta é o ensino do Direito e o próprio Direito estão em crise, diante de uma sociedade também em crise. A crise é utilizada para indicar uma mudança, porém uma mudança que estes autores vêem como desordenada e sem um fim muito específico, daí se utilizar a palavra crise e não por exemplo a palavra mudança de cunho um pouco mais positivo.
A crise do Direito está em quase todos os livros que abordam o tema do ensino superior de Direito, um destes livros onde isto é evidente é OAB Ensino Jurídico: diagnósticos, perspectivas e propostas.
Essa "crise" é estuda por alguns autores dedicados à educação, e um deles é Coombs que indica que as crises dentro da educação se dá por vários fatores, menos no número de alunos. Coombs aponta que a crise da educação deve ser solucionada encarando a educação como um sistema e tendo uma ?estratégia para a ação?, onde devem ser observados os seguintes princípios: 1)das diferenças individuais, 2) da auto-aprendizagem, 3) da combinação da energia humana com os recursos físicos, 4) da economia de escala, 5) da divisão do trabalho, 6) da concentração e da massa crítica, 8) do otimismo .
Outros autores preferem entender a crise do Direito como uma crise da sociedade contemporânea, como é o caso de Horácio W. Rodrigues ; que estrutura a crítica a partir de novos paradigmas: ideológicos, epistemológico, curricular, didático pedagógico. Aurélio Wander Bastos descreve diversos tipos de crise dentro do ensino do Direito: crise nas organizações, crise no crescimento, crise na didática e crise do conteúdo curricular .
A necessidade de se repensar o ensino do Direito requer uma ação conjunta de profissionais e esta deve agir em várias direções, e não apenas em uma, pois se realmente existe uma crise, ela é uma só.
5. Conclusões
A importância do currículo e dos objetivos que se traça para o ensino de Direito é fundamental para a formação do bacharel. Estes dois elementos vem sendo discutidos e apresentados de diferentes formas ao longo da história, e a sua mudança indica geralmente uma mudança nos rumos políticos, econômicos e sociais de uma sociedade. Além das mudanças apresentadas na legislação, existem propostas formuladas por juristas e outras propostas que utilizam como base a legislação.
A Portaria nº1886 do MEC formulou um currículo que não é fechado, não é estanque, permitindo que as Faculdades de Direito moldem com uma certa margem de escolha seus currículos. Esta portaria juntamente com as Diretrizes curriculares para o curso de Direito e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, trazem novos rumos ao ensino do Direito. Apesar das diversas mudanças introduzidas recentemente por estes dispositivos legais, o currículo sofreu poucas alterações em especial nas matérias a serem ministradas. Foram introduzidas mudanças significativas no currículo em relação a monografia, atividades complementares e nos estágios. Estas mudanças foram impulsionadas pela mudança nos objetivos da educação.
A necessidade de uma grande mudança no ensino do Direito é desejo de diversos juristas, professores, dos alunos , de órgãos como a OAB, do MEC, etc. Incentivados primeiramente pela busca da qualidade do ensino, começou-se um movimento social para a mudança do ensino de Direito. Esta mudança deve transcender o "problema da qualidade", pois este é um problema secundário, não de menor importância, mas não é a base da construção do ensino de Direito, é o teto onde se vê mais facilmente as goteiras.
Para uma mudança efetiva no ensino do Direito e transformação da realidade que se encontra presente nas Faculdades de Direito é necessário uma mudança fundamental no currículo e nos objetivos específicos do curso de Direito. A partir do currículo e dos objetivos é que todo o curso de Direito está montado, e para a mudança destes é necessária uma mudança na legislação. Para a elaboração desta legislação é necessário que a sociedade defina que espécie de profissional pretende formar, quais são suas prioridades, o que privilegiar o mercado de trabalho ou uma formação humanística, etc. A partir destas discussões será necessário equacionar alguns impasses atuais do ensino do Direito, como:
a) manter fornecer um bom ensino de forma democrática para um grande número de alunos e que este ensino produza nestes alunos uma mudança, que acrescente algo para o aluno enquanto pessoa e enquanto profissional do Direito
b) proporcionar um ensino especializado, mas que ao mesmo tempo não perca a dimensão do geral
c) enfrentar o gigantismo da legislação brasileira, sem cair em um ensino enciclopédico, proporcionando ao aluno ter uma visão crítica sobre a lei e a sobre a sua realidade, mas proporcionando também um conceitual técnico.
Enfrentar estes verdadeiros dilemas tem sido uma das forças dos mais recentes documentos legais que abordam o tema dos currículos e dos objetivos do curso de Direito. Porém, ora a escolha recai sobre um ponto, ora sobre outro, ou se mescla um pouco das duas posições possíveis, não resolvendo o dilema. Para a superação de um dilema, é necessário se pensar em uma terceira ou quarta via, que não as duas ou três opções delimitadas inicialmente.
Para um novo currículo é necessário que se saia do dilema elegendo um outro elemento, é necessário que se defina para onde o ensino do Direito quer ir, quais são suas diretrizes para o futuro. Somente com uma meta bem definida é que é possível fazer escolhas mais acertadas, mas estas não estarão imunes as futuras mudanças pois como metas são traçadas em busca de um desejo.
Na implantação dos cursos de Direito no país esta meta estava bem traçada, o que se buscava através do ensino do Direito era formar a burocracia estatal para a construção de um Estado Nacional. Resta a sociedade como um todo (e não só parte dela) discutir e deliberar através da legislação específica, o que se pretende com o ensino de Direito. Esta tarefa não é fácil, especialmente em uma sociedade heterogênea, que permite e incentiva a diversidade e é democrática. Analisando e discutindo sobre o avesso do Direito, sobre os bastidores da produção dos bacharéis, é que se pode chegar a um ensino direito do Direito.
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