Ensino Religioso: Pensando o Espaço Produzido pela Religião
Por Luciano Vieira Costa | 08/12/2009 | EducaçãoLuciano Vieira Costa 1
Introdução
O presente trabalho traz uma reflexão acerca da importância do estudo do espaço produzido pela religião, sendo o meio escolar um ambiente adequado para discutir tais processos. Buscamos, portanto, entender as dinâmicas da relação humana no campo religioso, o que se expressa tanto no meio físico, na busca por áreas de influência, no meio econômico, político e social fatores que são indissociáveis no estudo destes processos.
Este artigo não vem encerrar o assunto em pauta, muito menos apresentar uma verdade absoluta, vem, portanto, trazer uma reflexão sobre o mesmo e mostrar a importância de se pensar o espaço do homem visto que este é bastante amplo e traz um leque muito grande de discussões em vários aspectos, assim, buscamos trazer reflexões úteis, buscando em todo momento estimular o pensamento crítico e a capacidade de apreender uma determinada realidade, muitas vezes escondida ao olhar em sua forma tal como nos é apresentada.
Buscamos abordar o tema, em consonância com a importância do cunho social de todo e qualquer conhecimento científico, perdendo o seu valor se não trouxer benefícios para a sociedade, uma existência inútil, é nessa perspectiva que procuramos trabalhar o tema proposto.
O homem, ao longo de sua história, enquanto um ser social se relaciona com o meio e com o seu semelhante. A sociedade está sempre em processo de mudança em momentos históricos distintos, ela estará sempre construindo o espaço e ao mesmo tempo, sendo construída por ele, em uma relação que muitas vezes não é harmoniosa, principalmente, em tempos em que o capital é o regulador das relações humanas, assim sendo, não existe uma preocupação com o coletivo, mas com o individual. No campo religioso, segundo Cisalpino (1994), desde a pré-história o homem busca encontrar uma explicação para os fenômenos da natureza, o funcionamento do universo e sua própria razão de existir, criando vários elementos místicos, hoje se tornando mais complexo e diversificado com a existência de milhares de seitas pelo mundo que trazem um corpo de doutrinas diferentes. Falar em comunidade em nossos dias é algo extremamente utópico, assim, na sociedade de classes, os diversos segmentos sociais buscam os seus interesses, e no campo religioso não é diferente, afinal, quem foi que inventou a religião senão a sociedade? Ora, o fato de existirem diversas religiões pelo mundo, mostra o quanto o homem busca o "sagrado" que melhor atenda os seus interesses sociais e assim, os líderes, com seu jogo político, buscam aumentar a sua influência na vida social, o que se reflete em uso dos lugares e de utensílios, de objetos sagrados, arrecadação de impostos sagrados, aliados a um controle político, baseado em normas de conduta supostamente divinas a fim de que os adeptos não evadam de tais instituições.
Para estudarmos o espaço religioso, precisamos entender o conceito de espaço segundo Santos (1978, p. 12), "todo espaço geográfico constitui um espaço social", pois este é apropriado pelo homem a fim de suprir as suas necessidades se tornando amplamente dinâmico, sendo assim, entender o espaço como sendo apenas um palco onde o homem vive como numa peça de teatro, é algo que não condiz com a realidade.
O espaço físico tem uma função espacializante do ser, pois é a estrutura do nosso estar no mundo, assim sendo, podemos dizer que o homem é o espaço e o espaço é o homem, pois adquire uma relação não só de moradia, mas algo maior, um sentimento patriota com o lugar que é um espaço social onde se produz/reproduz através das constantes relações de trabalho, sentimento, lazer, moradia, lugares considerados sagrados, etc. "Ele é qualitativo e não geométrico. É feito de direções e não de dimensões, de lugares e não pontos, de percursos e não de linhas, de regiões e não de planos." (SARTRE e FERREIRA,1970 p.180).
"Assim, os objetos espaciais, o espaço, se apresenta a nós, de forma a nos enganar duplamente: por causa de suas determinações múltiplas e poligenéticas e também por sua deformação original." (SANTOS, 1978, p.41). O espaço não pode ser encarado puramente como uma paisagem que é visível como se os próprios objetos trouxessem em si uma explicação dos processos que o levaram a ser o que é, não podemos ignorar os processos que deram origem às formas.
Segundo Moreira (1994 p.76-77), no mundo atual, "o capital é o responsável por subverter as relações sociais", isso explica o fato de vivermos em uma sociedade extremamente desigual, competitiva e individualista, onde o lucro e as coisas são muito mais importantes do que o ser humano, até mesmo, nossos filhos e netos vão sofrer com a crescentedegradação ambiental em prol do lucro e acúmulo de capital, diferentemente das sociedades primitivas, podendo serem consideradas comunidades. "O homem já não planta e cria o seu alimento, mas é explorado através da venda de sua força de trabalho, enquanto os donos do meio de produção retiram a mais-valia." (MOREIRA, 1994 p. 76)
Ao pensarmos o espaço produzido pela religião segundo propõe o título do trabalho, temos que ressaltar a perspectiva cultural, na qual se destaca dois pontos: "o sagrado e o profano"(CORRÊA, 2002 p. 127).
Segundo Corrêa (2002 p. 129), "se faz necessário
dar continuidade a esta perspectiva, aprofundando, porém, a análise das
dimensões econômica, política e cultural do lugar que relacionam o sagrado e o
profano à sociedade e ao espaço."
A idéia de que existe mais simbolismo nos objetos e nas coisas do que a
aparência indica sugere reconhecer tanto o valor mercantil como o valor
cultural de um bem simbólico, isto é, a mercadoria e o símbolo. Assim,
inicialmente se dedica atenção à dimensão econômica do sagrado ao privilegiar
os bens simbólicos, mercados e redes. Como destaca Corrêa, "é pela
existência de uma cultura que se cria um território, e é pelo território que se
fortalece e exprime a relação simbólica existente entre cultura e o
espaço" (CORRÊA, 2002, p.125), desta forma, são dados valores simbólicos a
determinados elementos, um galpão por exemplo já não é apenas tijolos, mas o
lugar de morada e manifestação de deuses, onde serão expressados traços
culturais adquiridos durante a história.
Desenvolvimento
A dimensão econômica da religião e sua espacialidade é realizada através das relações entre bens simbólicos, mercados e redes. Os objetos simbólicos são criados ao longo do tempo pelos próprios adeptos de certa religião, estes empregam certo valor sagrado a certos objetos transformando-os em mercadorias de valor simbólico e religioso.
Segundo Corrêa (2002 p. 130), "é o bem simbólico que dá sentido e significado às práticas religiosas de diferentes grupos". O entendimento do campo simbólico se dá pelo interesse da sociedade em geral que deseja defender os seus interesses e de igual forma pelos agentes religiosos que também defendem os seus, daí surge a idéia de capital religioso onde é expresso pela demanda religiosa e a oferta religiosa que as diferentes instituições são compelidas a produzir, alguns chamam isto de mercado da fé. Segundo Corrêa:
"O capital religioso tende a ser acumulado e concentrado nas mãos de um grupo de administradores do sagrado. A separação simbólica entre o saber sagrado e a ignorância profana é reforçada e acentua a distinção entre os produtores do sagrado e os consumidores dos bens simbólicos. O mercado de bens simbólicos a partir da divisão do trabalho se dá por um grupo de trabalhadores especialistas em religião, dotados como porta-vozes do sagrado, investidos de poder institucionalizado ou não, incumbidos da gestão dos bens de salvação, é entendida como um corpo de funcionários do culto, dotados de uma formação especializada em religião, incumbidos da gestão dos bens de salvação e com função específica de satisfazer os interesses religiosos. " (CORRÊA, 2002, p.133)
Segundo Corrêa (2002 p. 135), "no catolicismo popular brasileiro há um conjunto de bens simbólicos – imagens, ex-votos, terços, medalhas, santinhos e outros objetos que suscitam um processo produtivo envolvendo mecanismos de mercado."
A experiência religiosa é ao mesmo tempo individual e coletiva. Ela tem um significado original para cada devoto, assim, a fé é individualmente vivenciada, a experiência coletiva é partilhada quando as crenças, as atitudes e as interpretações simbólicas adquirem uma forma comunitária. Quando dizemos que o homem é religioso dizemos que o homem é motivado pela fé em sua experiência na vida, essa noção permite a leitura do poder sagrado na construção de territórios religiosos.
Sobre a dimensão política da religião diz Corrêa:
"A dimensão política do sagrado permite reconhecer as múltiplas estratégias espaciais existentes entre religião e espaço. O estudo da territorialidade tem significado tanto para as sociedades modernas quanto para aquelas que permanecem tradicionais. O espaço assume uma dimensão simbólica e cultural onde se enraízam seus valores e através do qual se afirma a sua identidade. Ao mesmo tempo, as estratégias espaciais acentuam o domínio político de grupos nacionais que possuem autoridade quase-religiosa. Divisões territoriais e organização hierárquica de religiões institucionalizadas são estratégias políticas adotadas com o objetivo de assegurar o controle, a vivência e a vigilância dos fiéis frente à crescente mobilidade dos homens e a fatos históricos relevantes. Territorialidade religiosa significa o conjunto de práticas desenvolvido por instituições ou grupos no sentido de controlar um dado território. Sendo assim, a territorialidade engloba ao mesmo tempo as relações que o grupo mantém com o lugar sagrado (fixo) e os itinerários que constituem o seu território. "a territorialidade é uma oscilação contínua entre o fixo e o móvel entre, de um lado o território que dá segurança, símbolo de identidade, e , de outro, o espaço que se abre para a liberdade, às vezes também para a alienação".A sacralização de normas, valores e idéias que simbolizam o poder político deve ser celebrada no espaço, é a chamada religião civil, que visa um controle social."(CORRÊA, 2002 p. 168)
Conforme foi explanado até aqui, a sociedade cria a noção de sagrado e profano em relação a lugares, festas, alimentos, pessoas, roupas, etc. Influenciando diretamente na cultura de determinada população que ora esteja sob influência de alguma religião.
Para Corrêa (2002 p. 137) "espaço, cultura e religião estão reunidos em novos planos de percepção teórica que introduzem uma possibilidade de pensar o sagrado e o profano na ciência. O elo entre espaço e religião fornece material rico à reflexão". A natureza do espaço da religião consolida-se na exploração dos conceitos do sagrado e do profano. O sagrado como manifestação cultural afirma-se no lugar, no espaço, na paisagem e na religião. É no espaço e no tempo sagrados que as dimensões citadas se manifestam, nos dias atuais, com o desenvolvimento e o acesso aos meios de comunicação em massa, esta influência se acentua ainda mais.
O Ensino Religioso, segundo a LDB/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), deve ser uma disciplina "ministrada no horário normal nas escolas públicas de ensino fundamental" sendo, portanto, parte integrante da formação básica do cidadão, sendo respeitada a diversidade religiosa brasileira e sendo vetada qualquer forma de prosetilismo. Ainda segundo a LDB/1996 "são os sistemas de ensino que criarão regras para a escolha dos conteúdos e admissão de professores devendo ser ouvidas entidades religiosas para que os conteúdos sejam definidos".
Os eixos temáticos, segundo os PCNES (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso) abordam temas como teologia, sociologia, filosofia, história, geografia, psicologia e antropologia das religiões, tal como a ética, a moral e a fenomenologia próprios das religiões.
Segundo Figueiredo (1995 p.78) "o Ensino Religioso no Brasil começa, de certa forma, a partir da chegada dos colonizadores europeus, os quais buscavam evangelizar e catequizar os indígenas que aqui já viviam e os negros trazidos do continente africano." Ainda segundo Figueiredo (1995 p. 78) "era ensinado por padres católicos ou pessoas designadas com o formato de catequese (ensino da doutrina católica)".
O Estado ficou atrelado à igreja até o período chamado de Brasil República (Após 1890), até ai o Ensino Religioso escolar confundia-se com catequese, a partir de então as discussões se aprofundaram no sentido de fazer com que o Ensino Religioso se constituísse de fato como um ramo do saber e estudado no ambiente escolar desalinhado dos doutrinamentos religiosos. (FIGUEIREDO, 1995 p. 79)
"A sociedade, que deve ser finalmente a preocupação fundamental de todo e qualquer ramo do saber humano, é uma sociedade total. Cada ciência particular se ocupa de um dos seus aspectos."(SANTOS, 1978, p.146). É nesta perspectiva que deve caminhar o Ensino Religioso, contribuindo sempre para uma existência melhor, e focando a independência dos discentes no que tange ao pensar o seu espaço de vivência.
Conclusão
A dialética sociedade/espaço no que tange também o campo cultural e religioso está na base do processo de desenvolvimento e transformação das sociedades humanas. O espaço geográfico é, como vimos, construído pela sociedade, onde ao mesmo tempo ela é construída, é através das relações de trabalho que o homem produz e reproduz o espaço, onde este, é portanto, um espaço social. A criação pela sociedade das noções de sagrado e profano, o que envolve as dimensões políticas, econômicas, territoriais, é um ponto muito importante para se pensar o espaço produzido pela religião, como vem propor o presente trabalho.
O capital religioso é a meu ver um instrumento de poder e de estratégia fortemente vinculado a política econômica do capitalismo global. No Brasil, por exemplo, a situação é de intensa multiplicidade de filiais da "empresas religiosas" nas quais o capital simbólico está concentrado nas mãos de um grupo de empresários do sagrado, que manipulam um estoque destes bens disponíveis à sociedade.
Assim, a religião vai deixando de ser um princípio ordenador da vida pessoal e social. Um sentido de mundo, e se apresenta cada vez mais impregnada às condições materiais de vida, como remédio, como resposta a problemas, como controle de incertezas.
Qualquer que seja o conteúdo ou disciplina ministrada, é fundamental despertar o senso crítico dos discentes, é necessária uma educação libertadora, onde os receptores não sejam como um "banco de depósitos" de conteúdos, mas possam ser estimulados a entender e pensar o seu próprio espaço de vivência, com tolerância e respeito à diversidade, entendendo assim, os sistemas políticos que o cercam, visto que é impossível entender qualquer disciplina como sendo um ponto perdido no espaço, sem conexão com o atual momento histórico e os processos dominadores da sociedade de classes a qual pertencemos.
No caso específico do Ensino Religioso, é muito discutido nos dias atuais a sua permanência ou não nos currículos escolares. A meu ver e segundo o que foi explanado, a questão não é a sua existência ou não, mas a forma em que é ensinado e por quem é ensinado. O pensamento crítico e a capacidade de conexão com a realidade mundial da sociedade moderna devem ser estimulados, os doutrinamentos e prosetilismos devem ser banidos através de profissionais preparados para praticarem uma docência libertadora, sem isso, nosso ensino sobre religião na sala de aula será como uma escola dominical ou catequese, desta forma, se faz necessário um projeto político-pedagógico comprometido com a educação que almejamos.
REFERÊNCIAS
BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Disponível em < www.planalto.gov.br >. Acesso em: 20 abr. 2009.
CISALPINO, Murilo. Religiões. São Paulo: Editora Scipione, 1994.
CORRÊA, Roberto Lobato. Introdução a Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino Religioso: Perspectivas pedagógicas. 2ª Ed. São Paulo: Vozes, 1995.
FONAPER – Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, PCNER. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso.
Disponível em < www.fonaper.com.br >. Acesso em 20 abr. 2009.
MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção primeiros passos).
SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 1978.
SARTRE, Jean-Paul e FERREIRA, Virgilio. O Existencialismo é um Humanismo. 4ª ed. São Paulo: Editorial Presença. (Coleção Síntese).
1 Graduado em Geografia pelo CES/JF – Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Especialista em Geografia e Meio Ambiente, aluno do curso de pós graduação Lato-sensu em Ensino Religioso da FINOM, atua como docente nas redes pública e privada de educação nos níveis fundamental e médio em Juiz de Fora e região. É editor do site www.lucianogeo.com.