ENSINO DAS LÍNGUAS MOÇAMBICANAS: AVANÇOS E DESAFIOS PARA O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Por Andalito Romão Giltina João | 13/04/2022 | Educação

ENSINO DAS LÍNGUAS MOÇAMBICANAS: AVANÇOS E DESAFIOS PARA O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Andalito Romão Giltina João

Universidade Rovuma – Moçambique

andalitojoao@unirovuma.ac.mz

 

RESUMO 

O presente trabalho intitulado “Ensino das Línguas Moçambicanas: Avanços e Desafios para o Sistema Nacional de Educação” tem o objectivo de analisar o ensino das línguas moçambicanas tendo em conta os avanços e os desafios das políticas educacionais do Sistema Nacional de Educação (SNE) em Moçambique. Neste contexto, a questão fundamental centra-se na análise do modelo transicional da Educação Bilíngue que consiste em usar as línguas moçambicanas como línguas de suporte para o ensino de e em língua portuguesa, uma Educação Bilíngue subtrativa e um modelo fraco cujo procedimento é o abandono das línguas moçambicanas, dando espaço apenas à língua portuguesa como língua de ensino. Consequentemente, este modelo adotado pelo SNE não incentiva o desenvolvimento das habilidades linguísticas nas línguas moçambicanas por causa do seu abandono precoce como disciplinas curriculares e como línguas de ensino. Portanto, propõem-se alguns desafios ao SNE como: a adopção de um modelo forte ou de enriquecimento linguístico que se baseia numa Educação Bilíngue aditiva; a introdução de línguas moçambicanas como disciplinas curriculares, mesmo nas escolas monolíngues; a formação e qualificação de professores e demais profissionais para a Educação Bilíngue para cada uma das línguas moçambicanas e de acordo com a necessidade de cada escola bilíngue; aceleração da produção de material didáctico e manuais de literatura infanto-juvenil; alfabetização de adultos em línguas moçambicanas; massificação da introdução de cursos de línguas moçambicanas nos Institutos de Línguas.

Palavras-chave: Línguas Moçambicanas, Políticas Educacionais, Avanços e desafios.

 

INTRODUÇÃO 

O presente trabalho intitulado “Ensino das Línguas Moçambicanas: Avanços e Desafios para o Sistema Nacional de Educação” tem o objectivo de analisar as políticas educacionais face ao ensino das línguas moçambicanas tendo em conta os avanços e os desafios que o SNE tem que enfrentar para a concretização efectiva da valorização e promoção dessas línguas para o acesso ao conhecimento científico e técnico, à informação bem como para participação nos processos de desenvolvimento do País (cf. Lei 18/2018 de Dezembro). Constitui, também, o objectivo desse trabalho, a avaliação do modelo transicional do Ensino Bilingue adoptado pelo SNE tendo em conta o alcance dos resultados do ensino das línguas nacionais.

Moçambique é caracterizado por uma diversidade linguística acentuada com mais de 16 línguas autóctones do grupo Bantu, convivendo com a Língua Oficial, a Língua Portuguesa, e línguas estrangeiras como o inglês, Urdu ou Gujrati. (FIRMINO, 2009) Segundo os dados do último CENSO de 2017 (INE, 2019), as línguas moçambicanas continuam sendo as mais faladas no território moçambicano e constituem a L1 da maioria dos seus falantes, entretanto, o português é a língua mais falada nas zonas urbanas comparativamente com as zonas rurais. O mapeamento linguístico moçambicano e sua diversidade constituem uns dos problemas fundamentais para a implementação de políticas públicas cujas minorias linguísticas vêem-se ameaçadas.

A primeira lei do SNE de Moçambique, lei 4/83 de 23 de Março, no Artigo 5, refere-se ao estudo e à valorização das línguas moçambicanas, do mesmo modo, a primeira Constituição da República de Moçambique de 1990, como um Estado de Direito Democrático, no Artigo 9, refere que “o Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional [...].” Como se pode observar, desde a criação do novo Estado, após a independência, o governo moçambicano, a partir da sua política linguística, mostra a preocupação e importância da valorização das línguas moçambicanas como um património cultural e incentiva o seu uso na educação. Apesar da questão de ensino de línguas moçambicanas ser legislada em 1983, os primeiros passos foram marcados 5 anos depois, com a realização do I Seminário para a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas.

Após longos anos de discussão sobre a sua introdução nas escolas, implementou-se o Projecto de Educação Bilíngue em Moçambique, no período de 1993-1997, mais tarde em 2003 com a reforma curricular do Ensino Básico, ainda que na fase experimental. Como resultado verificaram- se muitos obstáculos como a falta de professores capacitados, falta de material didáctico, entre outros, embora se tenha verificado um bom desempenho nos alunos das escolas bilíngues comparativamente com os das escolas monolíngues. (BENSON, 1997)

 

 

Ensino das línguas moçambicanas e Ensino Bilíngue 

O ensino das línguas moçambicanas foi introduzido através do Ensino Bilíngue a partir do modelo transicional conforme ilustra a figura abaixo:

 

Figura 1: Gráfico do Modelo de Educação Bilingue em Moçambique

 

Fonte: Adaptado de INDE, (2003: 113)

 

Seguindo-se esse modelo de Ensino Bilingue, as 1.a e 2.a classes são leccionadas na L1 do aluno, isto é, as línguas moçambicanas são o meio de ensino. Já a partir da 3.a classe em diante, as línguas nacionais, como meio de ensino, são abandonadas gradualmente, cedendo o espaço para a língua portuguesa que passa a ser a língua de ensino.

Para LOPES (2004), o modelo transicional de ensino das línguas moçambicanas é ideal e é, no entanto, problemático porque por um lado, o autor defende o uso das línguas moçambicanas como meio de ensino para as crianças moçambicanas que as têm como L1’s e, por outro lado, defende o uso da língua portuguesa como meio de ensino para as crianças moçambicanas que a têm como L1. Neste contexto, como a língua portuguesa constitui a língua de ensino das classes mais avançadas, as crianças que têm as línguas moçambicanas como L1’s têm maior probabilidade de gerar competência empobrecida nessa língua e criar dificuldades às crianças que não têm a língua portuguesa como língua materna quando forem confrontadas com outras para quem a língua portuguesa é língua materna.

Com efeito, o aluno não é capaz de aprender o funcionamento das línguas moçambicanas, principalmente nas competências de leitura e escrita, e, do mesmo modo, aceder ao conhecimento científico e técnico por meio dessas línguas, após os primeiros 3 anos de escolarização (período transicional).

 

Avanços para o Sistema Nacional de Educação 

O ensino das línguas moçambicanas em Moçambique tem os seguintes avanços:

  1. Proposta para a Padronização da Ortografia das línguas nacionais (ainda não aprovada);
  2. Projecto de Educação Bilíngue em Moçambique;
  3. Estratégia de Expansão de Ensino Bilingue (2020-2029);
  4. Cursos de Licenciatura em Ensino de Línguas Bantu;
  5. Formação de Professores para a Educação Bilingue;
  6. Introdução de algumas línguas moçambicanas no Instituto de Línguas;
  7. Uso oral de algumas línguas nacionais nos meios de comunicação de massa.

Importa realçar que já se realizaram projectos pilotos sobre a utilização de línguas  nacionais como meio de alfabetização de adultos a partir do modelo transicional. LOPES (2004)

Estes avanços deram mais visibilidade a preocupação de ver as línguas moçambicanas no ensino e nos meios de comunicação de massa através de políticas públicas e educacionais que visam a sua promoção e valorização.

 

Desafios para o Sistema Nacional de Educação 

Durante a luta contra o tribalismo a favor da unidade nacional, as línguas moçambicanas foram relegadas para dar espaço à língua portuguesa, considerada como língua de unidade nacional sob ponto de vista político e ideológico. (VELASCO e TIMBANE, 2017)

Nas comunidades moçambicanas, a língua portuguesa (língua oficial) constitui o veículo de ascensão social (FIRMINO 2009; CHIMBUTANE, 2011), por este facto, nas zonas urbanas, alguns pais e encarregados de educação reagiram negativamente a introdução de línguas moçambicanas como língua de ensino. Neste contexto, há uma necessidade de se traçarem políticas públicas que visam garantir que as línguas moçambicanas possam constituir meio de aquisição do conhecimento técnico-científico universal e de ascensão social ou vantagem social apesar de constituírem línguas de identidade etnolinguística para os moçambicanos. Há um desafio sobre a questão de línguas moçambicanas e línguas maternas, isto é, as línguas moçambicanas são línguas maternas para as crianças das zonas rurais, este facto cria barreira para a introdução de línguas moçambicanas nas escolas dos centros urbanos cujas crianças (maioritariamente) têm a língua portuguesa como língua materna e já se preparam para a língua inglesa com língua segunda, entendida pelos seus pais e encarregados de educação como língua de prestígio para o acesso ao conhecimento universal.

A diversidade etnolinguística levanta problemas no âmbito da planificação curricular LOPES (2004: 40), isto é, o currículo a ser implementado deve espelhar a realidade linguística e cultural de cada aluno ou das turmas, tomando em consideração a heterogeneidade.

Patel e Cavalcante (2013) afirmam que:

O currículo do ensino secundário prevê, desde 2004, o ensino de línguas Bantu, escolhidas pela própria escola ou pela comunidade local, como uma disciplina opcional; no entanto, o Ministério da Educação nunca fez esforços para que esta decisão fosse efetivada alegando falta de recursos financeiros para a elaboração de materiais, bem como a falta de professores formados. ( PATEL E CAVALCANTE, 2013,p.7)

Considerando que o objectivo do SNE é a valorização das línguas nacionais, a sua introdução como disciplinas curriculares deve ser obrigatória e a sua escolha deve obedecer, dentre outros critérios, ao grau de veicularidade dessas línguas na zona onde a escola se localiza, embora, neste caso, as línguas moçambicanas maioritariamente minoritárias fiquem sempre excluídas.

Na área didáctico-pedagógica, constatam-se os seguintes desafios:

  • Deve-se avançar na pesquisa científica nas questões linguísticas e didáctico-pedagógicas no ensino de línguas nacionais, com maior enfoque no estudo das capacidades interlinguísticas susceptíveis de transferência da L1 para a L2; (PFLEPSEN et al. 2015)
  • Deve-se adoptar um modelo forte ou de enriquecimento linguístico que se baseia numa Educação Bilíngue aditiva;
  • Devem-se introduzir as línguas moçambicanas como disciplinas curriculares, mesmo nas escolas monolíngues, desde o Ensino Básico até o Secundário;
  • Devem-se ensinar as línguas moçambicanas em línguas moçambicanas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente trabalho pretendeu analisar as políticas educacionais face ao ensino das línguas moçambicanas tendo em conta os seus avanços e os desafios que o SNE tem que enfrentar para a concretização efectiva da valorização e promoção dessas línguas para o acesso ao conhecimento científico e técnico, à informação bem como de participação nos processos de desenvolvimento do País (cf. Lei 18/2018 de Dezembro), do mesmo modo, pretendeu avaliar o modelo transicional do Ensino Bilingue adoptado pelo SNE tendo em conta os resultados do ensino das línguas nacionais, tendo constado que o aluno não é capaz de aprender o funcionamento das línguas moçambicanas, principalmente nas competências de leitura e escrita e, do mesmo modo, aceder ao conhecimento científico e técnico por meio dessas línguas, após os primeiros 03 anos de escolarização que se cumprem com o modelo transicional de Educação Bilingue.

Na mesma ordem de ideias, durante a luta contra o tribalismo a favor da unidade nacional, as línguas moçambicanas foram relegadas para dar espaço à língua portuguesa, considerada como língua de unidade nacional sob ponto de vista político e ideológico. Neste contexto, nasce um desafio de resgatá-las, também, através de uma estratégia político-ideológica que não se funde apenas na educação, mas sob um olhar de ascensão social e de manifestação da moçambicanidade.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BENSON, C. Relatório Final Sobre o Ensino Bilingue: Resultados da Avaliação Externa da Experiência de Escolarização Bilingue em Moçambique (PEBIMO). Maputo: INDE – Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação/Ministério da Educação de Moçambique. 1997.

CHIMBUTANE, F. Rethinking bilingual education in postcolonial contexts. Clevedon, Avon: Multilingual Matters. 2011.

FIRMINO, G. A. situação do português no contexto multilingue de Moçambique. Comunicação apresentada ao SIMELP Évora. 2009. Disponível em: http://www.simelp2009.uevora.pt/pdf/mes/06.pdf, Acesso em: 3 de fevereiro de 2020.

MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, Imprensa Nacional, Maputo, 2000.

MOÇAMBIQUE, Lei 18/2018 de dezembro do Sistema Nacional de Moçambique.

MOÇAMBIQUE, Lei 4/83 de 23 de março do Sistema Nacional de Moçambique.

INDE. Plano Curricular do Ensino Básico: Objetivos, Políticas, Estrutura, Plano de Estudos e Estratégias de Implementação. Maputo: INDE/MINED. 2003.

INE. IV Recenciamento geral de população e habitação 2017: Maputo: INE, 2019.

LOPES, A. J. Batalhas das línguas: perspetivas sobre linguística aplicada em Moçambique. Maputo: Imprensa Universitária. 2004.

NGUNGA, A. & FAQUIR, O. G. Relatório do III Seminário de Padronização da Ortografa de Línguas Moçambicanas. Centro de Estudos Africanos. UEM. 2012.

PATEL, S. A. & CAVALCANTI M. O caso do português em Moçambique: unidade nacional com base em educação bilingue e intercompreensão. [s/l]. 2013.

PFlEPSEN, A.; BENSON, C.; CHABBOTT, C.; van GINKEL, A. (Prepared by). Planning for Language Use in Education: Best practices and practical steps to improve learning outcomes. Research Triangle Park, N.C. (Prepared for) USAID Bureau for Africa. 2015.

VELASCO, M. e TIMBANE, A. A. O processo de ensino-aprendizagem do português no contexto multicultural moçambicanoRILP – Revista Internacional em Língua Portuguesa, IV Série (32): 2017. 99-122. Disponível em: file:///C:/Users/ANDALI~1.JOA/AppData/Local/Temp/45-Article%20Text-174-1-10- 20181212.pdf. Acesso em: 12 de outubro de 2020.

 

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