Enfiteuse

Por Allan Cesar Ribeiro | 18/11/2010 | Direito

Enfiteuse
Introdução
Este presente artigo pretende de forma clara e concisa, explicar a enfiteuse instituto muito usado antigamente, mas que foi extinto de nosso ordenamento jurídico.
Etimologicamente, a palavra enfiteuse origina-se da fusão do jus emphyteuticon dos gregos
e do ager vectigalis dos romanos, fusão esta que se deu na era justiniana, por volta do século V a.C, como forma de regular os bens da Igreja, grande propriedade de terra na época .
Sua finalidade primordial era prender ao lavrador à terra, por ele cultivada, mas pertencente a terceiro que não a explorava, por incapacidade ou impossibilidade, funcionando como uma espécie de arrendamento, tendo os arrendatários direitos reais sobre essas terras, passando então, a terem ação de caráter real para protege-los enquanto pagassem a renda convencionada ou canon (pensio, vectigal ou redutis)
Por exemplo, um latifúndio impossibilitado de explorar suas terras concedia glebas a agricultores avulsos para que as cultivassem e desenvolvessem, com o pagamento de um foro, de valor quase simbólico. Não era venda nem locação, mas para o enfiteuta, era como se fosse sua propriedade, apesar de estar obrigado a trabalhar a terra e pagar o foro. Tinha o direito de usar e gozar da gleba; até mesmo o direito de abutere, podendo alienar a enfiteuse, obrigando-se entretanto a dar aviso ao senhorio direto e pagar-lhe uma pequena taxa de transferência, o laudêmio.
Mas com o tempo, o aforamento, emprazamento ou enfiteuse foi decaindo no mundo moderno e no Brasil não foi diferente, sendo hodienarmente um arcaísmo técnico insustentável ganhando este instituto severas críticas: ao transcorrer dos anos, principalmente do renomado jurista Pontes de Miranda, que dizia a respeito " O Código Civil conserva a enfiteuse, que é um dos cânceres da economia nacional, fruto, em grande parte, de falsos títulos que, amparados pelos governos dóceis a exigência de poderosos, conseguiram incrustar-se nos registros de imóveis"
Hoje com o Novo Código Civil de 2002, a enfiteuse esta expressamente proibida no art. 2038 caput que aduz:
Art. 2.038 Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 e leis posterior, cobrar, ficando defeso, neste caso, cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações (§ 1º, I)
Percebe-se com este a clara preocupação do legislador com o direito adquirido, atendendo o princípio da irretroatividade da lei, ao não revogar as enfiteuses já existentes.

Conceito
Segundo o Código Civil de 1916, em seu art. 678 "dá-se a enfiteuse, aforamento, ou aprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro anual, certo e invariável"
O proprietário é chamado de senhorio direto, e o titular do direito real sobre a coisa alheia móvel é denominado enfiteuta.
Limongi França em sua sucinta, porém perfeita definição o define como: "o desmembramento da propriedade do qual o direito real perpetuo, em que o titular, assumindo o domínio útil da coisa, constituído de terras não cultivadas ou terrenos por edificar, é assistido pela faculdade de lhe fruir todas as qualidades, sem destruir a substância, mediante a obrigação de pagar ao proprietário uma pensão anual invariável (foro)"

Natureza jurídica
A enfiteuse é o mais amplo dos jus in re aliena, transferindo ao enfiteuta o jus utendi, fruendi, e até o disponendi, pois este pode alienar seus direitos sem que haja anuência do senhorio, podendo ainda reivindicar a coisa de quem que seja.
É pois a enfiteuse um direito real sobre a coisa móvel alheia, visto que o enfiteuta possui o domínio útil (proprietário virtual), sendo titular do domínio direto o senhorio.

Aquisição da enfiteuse
Poderia a enfiteuse ser adquirida por atos entre vivos, sendo imprescindível que este titulo constitutivo fosse feito por escritura pública posterior ao contrato celebrado entre as partes (senhorio e enfiteuta), sendo este contrato perpetuo por força do art. 679 do extinto Código Civil de 1916, pois se houver prazo determinado, não passará de singelo arrendamento. Importante ressaltar que o simples contrato, enquanto não registrado, não gera o direito real.
Já a aquisição por meio de ato de última vontade ou testamento, não era necessária a inscrição, já que a sucessão é um dos meios aquisitivos de direitos reais, porém, não podendo os bens ser divididos em glebas sem o consentimento do senhorio.
usucapional o qual a lei prescrevia.

Direitos e deveres do enfiteuta
O enfiteuta pode usar, gozar e dispor dos limites concedidos por tal direito, podendo receber podendo receber os frutos e rendimentos
Quanto ao uso, não pode ele destruir-lhe a substancia, que pertence ao senhorio.
Quanto à disposição, deverá ele avisar o senhorio, pois este tem direito de preferência na aquisição, o qual não exercido, terá o mesmo direito ao laudêmio.
O enfiteuta tem a obrigação de pagar ao senhorio uma pensão anual, também chamado cânon ou foro. A falta de pagamento do foro por três anos consecutivos acarreta o comisso, que é a uma forma de extinção da enfiteuse
E direito do enfiteuta, resgatar a enfiteuse, obtendo a propriedade plena, 10 anos após a constituição do emprazamento, mediante pagamento de um laudêmio, que será de 2,5% sob o valor atual da propriedade plena, de 10 pensões anuais pelo foreiro.
O senhorio, tem o direito de preferência, ou prelação, quando o enfiteuta pretende preferência, o senhorio teria direito ao laudêmio, isto é, uma porcentagem sobre o valor da transação, que podia ser convencionada livremente.
O direito de preferência também é assegurado ao enfiteuta, no caso de querer o senhorio vender o domínio direto, devendo, pois, ser também interpelado a exerce-lo
O enfiteuta está obrigado a pagar o foro anual, sob pena de cair em comisso, caso deixe de pagar por três anos consecutivos.

Direitos e deveres do senhorio
O senhorio, como já exposto, tem o direito de preferência em caso de venda ou dação em pagamento pelo enfiteuta, e caso não exerça esse direita, lhe é assegurado o laudêmio, que será de 2,5% sobre o preço da alienação.
Tem ainda o senhorio o direito de invocar os direitos reais e pessoais, sendo estes representados pelas ações de reivindicação, confessória e negatória e comisso, este ultimo de caráter pessoal.
Quanto aos deveres, tem- se o de respeitar o domínio útil do foreiro, o de notificar o enfiteuta quando for alienar o seu domínio e o de conceder o resgate nos termos do contrato.

Extinção da enfiteuse
Extingue-se o direito real limitado quando um ou outro titular do direito sobre a coisa o adquire do outro, consolidando-se a propriedade plena para o enfiteuta ou para o senhorio. Aduz o art. 692 do Código Civil de 1916:
Extingue-se a enfiteuse:
I- pela natural deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o capital correspondente ao foro e mais um quinto deste
II- pelo comisso, deixando o foreiro de pagar as pensões devidas, por 3 anos consecutivos, caso em que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias.
III- falecendo o enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores
Outras também podem ser as causas de extinção da enfiteuse, como a renúncia, o abandono, a confusão, bem como as demais causas de extinção da propriedade.

Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a enfiteuse é um direito real omisso em nosso ordenamento jurídico, não podendo ser constituída novas enfiteuses a partir da vigência do Novo Código Civil, sendo resguardadas as já existentes, em decorrência ao direito adquirido.

Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. 24ª edição, ed. Saraiva, 2009 v. 4
VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil, Direitos Reais, Décima Edição, Editora Atlas, 2010 v. 5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 4ª edição, ed. Saraiva, 2009 v. 5
ROQUE, José Sebastião, Direito das Coisas, Coleção Elementos de Direito, SP, Editora Ícone
PEREIRA, Caio Mario da Silva, Instituições de Direito Civil , Editora Forense, 20ª edição, RJ, 2009