Encontro inesperado
Por Marco Antonio Guimarães Sarmento | 12/12/2022 | ContosEncontro inesperado
Na estação rodoviária, ele força a vista para se certificar e, ainda meio em dúvida, se aproxima do outro e lhe aponta o dedo.
― Ei, você não é o... o... se lembra de mim?
― Acho que lembro um pouco, mas... ah sim! Lembro, lembro.
― E aí, rapaz? Como é que vai?
― Eu? Tudo bem, e você?
― Tudo. Há quanto tempo hein?
― Pois é. A gente se separa e, quando vê, passou um tempão sem se ver.
― Pois é, né? Por isso que dizem que esse mundo é pequeno.
― E não é? Eu mesmo já reencontrei um monte de gente que já não via há tempos.
― Vem cá, e a faculdade? Você fazia faculdade, né?
― Faculdade? Não, eu não. Fiz curso técnico. Refrigeração.
― Mas me disseram que você tinha feito vestibular e estava em faculdade. Até me inspirei, fiz cursinho e entrei na Universidade. Estou fazendo sociologia.
― É mesmo? Que legal! Parabéns. Soçologia é muito bom.
― Sociologia. Não é uma área muita valorizada, mas eu tinha que fazer alguma coisa pra trabalhar.
― Pois é, é uma área difícil, mas com jeitinho as coisas se ajeitam.
― Pois é, eu queria mesmo era seguir a carreira de jogador de futebol.
― Futebol? Você? É brincadeira, né?
― Não, não. Eu queria mesmo. Eu sempre tive paixão pelo futebol.
― Ah, tá. Isso é. Paixão é verdade.
― E seus filhos, os dois meninos já estão grandes?
― Filhos? Não, não. Tenho uma filha só. A Isabelle.
― Nome bonito. Isabela.
― Isabelle. Com dois eles e e no final.
― Ah, sim. Mas, peraí. Você não tinha dois filhos?
― Eu não. Já disse que tenho uma filha só. Esse negócio de dois filhos é que inventam pra desmoralizar a gente. A patroa sempre vai achar que a gente tem outros filhos por aí, entende? Aí ela sempre fica no nosso pé. Qualquer passo em falso...
― Ah, sim, entendi. Deve ser isso. Mas me diga: tem dado certo esse lance de refrigeração?
― Pois é. Dá pro gasto. Mas é muito puxado. A gente se suja muito, pega muito sol. Pra dizer a verdade é uma droga. Já tô pensando em fazer outro curso. Algo que me faça pelo menos trabalhar em ambiente climatizado. Conserto ar condicionado, mas vivo no calor.
― Sei, sei. Eu tô me virando num almoxarifado enquanto termino o curso de sociologia. Tenho um filho também e as contas não esperam.
― Tem visto a galera?
― A galera? Sim, sim. De vez em quando vejo um. Eles se surpreendem quando digo que não segui a carreira de jogador.
― Peraí, é sério isso? Você tentou mesmo ser jogador de futebol?
― Claro! Fiz teste e tudo. O problema é que no dia do teste senti uma fisgada que me impediu de dar aqueles meus famosos arranques. O que você tá rindo?
― “Famosos arranques”? Essa é boa!
― Não tô entendendo o “Essa é boa”.
― Ora, deixe de bobagens. Você sabe que você não jogava tudo isso.
― Como não jogava? Eu sempre fiz mais gols nas partidas. Minha arrancada era fatal!
― Qual é? Todo mundo sabe que você não tinha o menor jeito pra coisa. Insistia em jogar, mas sempre dava caneladas na bola. Pra dizer a verdade, você era o maior perna-de-pau do bairro. Só jogava por que era o dono da bola.
― Peralá! Como é que é? “Perna-de-pau”? “Dono da bola”? O que você tá dizendo? Nunca imaginei que tivesse tanta inveja de mim! Fui eleito o melhor jogador do bairro vários anos seguidos. Era o maior artilheiro; fiz quinhentos gols em apenas quatro anos. Além disso, você é que era o dono das camisas e arranjava os jogos. Você é que jogava no time sem ter o menor jeito pra coisa.
― Você tá louco? Eu não era dono de nada. Quem era o dono das camisas era o Aurélio. Ele é que arranjava os jogos, mas nunca jogava.
― Que Aurélio? Não me lembro de nenhum Aurélio!
― O Aurélio, oras! O mesmo que te levou às pressas ao hospital quando você chutou o chão e quebrou o dedinho.
― Eu nunca quebrei o dedinho. Quebrei só o pulso e quem me levou ao hospital foi meu primo.
― Não importa se foi dedinho ou pulso; alguma coisa quebrou. Agora, quinhentos gols em quatro anos? Pelamordedeus, larga de ser mentiroso que ninguém conseguiu isso em todo o bairro do Nicodemos.
― Nicodemos? Que Nicodemos? A gente morava no bairro do Mangueirinho, esqueceu?
― Mangueirinho? Como? Nunca morei no Mangueirinho, pô! Você não é o Lopes?
― Lopes? Eu sou o Maurício, cara! Você não é o Didi?
― Não, eu sou o Guilherme!