Empurrão para a vida

Por Anonymous Writer | 11/07/2013 | Contos

Gostaria de aproveitar a oportunidade para prestar o meu mais profundo agradecimento ao Sr. Recíproco, o cara que, por sua extrema insensibilidade, foi capaz de me dar esse empurrão para a vida. A ele serei eternamente grata, mesmo se nunca souber disso.......

 

A minha adolescência foi um tanto que conturbada. Eu tinha muitos conflitos internos e estava muito deprimida. Para mim, o mundo parecia ser um lugar triste e sombrio. Foi então que criei uma válvula de escape: meu próprio mundo da fantasia. Isso mesmo. Tinha um mundo só meu. Criava histórias que pareciam contos de fadas: meninas belas que tinham uma vida perfeita e que viviam uma grande história de amor com garotos maravilhosos e gentis, verdadeiros príncipes......

No começo era desse jeito. Passava mais tempo imaginando o meu mundo encantado do que vivendo o mundo de verdade. Quase não saía de casa e não tinha muitos amigos. E nem me importava com isso. Nada parecia importar. Eu estava tão feliz com o meu mundinho que nada mais era importante........me sentia muito sortuda por ser tão criativa a ponto de fantasiar um mundo só meu........

Com o passar dos anos, porém, uma coisa foi mudando: não queria mais ser apenas a autora das minhas histórias, queria ser também a protagonista: ser uma menina linda, com uma vida perfeita e viver uma grande história de amor........foi então que comecei a misturar a realidade com a fantasia: comecei a inventar histórias tendo como base pessoas reais, mais especificamente, histórias em que os protagonistas eram eu e os meninos por quem me apaixonava......

Nessa época, tinha mania de ter várias paixões doentias: ficava apaixonada por caras que mal conhecia. Às vezes eram meninos com quem nunca tinha conversado........e era um círculo vicioso: me apaixonava por um, fantasiava histórias e mais histórias com ele, até perder a graça......aí me apaixonava por outro, e assim ia.........achava essa situação toda muito frustrante. Não era mais a mesma alegria de quando apenas inventava histórias e tudo ficava só na fantasia. Misturar com a realidade era simplesmente horrível, porque não gostava nem um pouco de ver que as minhas fantasias não correspondiam à realidade........

E o pior de tudo é que, mesmo não gostando de nada disso, simplesmente não conseguia parar! Era automático: me apaixonava muito facilmente e ficava imaginando histórias de amor com o tal cara.........e fantasiava, fantasiava, fantasiava, fantasiava........e aí, quando percebia que o menino, na verdade, nunca tinha dado e nunca daria motivos para que eu acreditasse que ele gostava de mim, ficava muito frustrada e triste, mas nunca a ponto de sentir a verdadeira dor da desilusão......e aí, logo me apaixonava de novo e toda a história se repetia......

O cara que deu fim a esse ciclo vicioso foi o garoto pelo qual eu mais doentiamente me apaixonei. Isso porque, diferentemente dos outros, ele me deu motivos reais (confesso que poucos, mas deu) para que acreditasse que ele queria alguma coisa comigo! Estudávamos na mesma escola de Ensino Médio, mas o menino estava no 3º ano e eu, no 2º. Nos víamos quase todos os dias e trocávamos muitos olhares, mas era só isso o que acontecia......ele quase nunca vinha falar comigo. A gente conversava às vezes pelo Messenger (o famoso MSN daquela época, que já não existe mais), onde me falava coisas do tipo: “tenho cara de sério, mas, na verdade, sou tímido para falar dos meus sentimentos”, “já me falaram que sou um cavalheiro com capa durão”, “queria conversar mais contigo, mas me sinto oprimido”......

Achava que, pelo garoto ser tímido (ou melhor, por ter dito que era), iria querer levar as coisas “devagar”, mas que logo tomaria coragem e me chamaria para sair e, assim, poderíamos nos conhecer e tal.....e, enquanto esperava isso acontecer, adivinha o que eu fazia? Isso mesmo. Fantasiava, fantasiava, fantasiava.......imaginava  que tinha finalmente conhecido o meu príncipe encantado, um cara que parecia ser durão por fora, mas gentil e tímido por dentro........um cara que iria me namorar, me amar muito e iria até querer se casar comigo no futuro (eu disse que era muito doentio, lembra?!).......fiquei desse jeito por uns dois meses......estava tão entretida com as minhas fantasias (que eram alimentadas pelas trocas de olhares e pelas raras vezes que falava com ele pelo MSN), que só fui me tocar que alguma coisa estava errada quando percebi que as férias de julho estavam chegando.......

Fiquei muito frustrada, porque me dei conta de que não tinha acontecido quase nada entre a gente e era bem provável que ele acabasse conhecendo outra menina durante as férias.......foi então que tomei coragem e  deixei uma mensagem no MSN – não fui tão corajosa de falar pessoalmente e também porque preferi escrever, já que consigo expressar melhor os meus sentimentos quando escrevo – dizendo tudo o que sentia (claro que não tudo né, porque senão o cara ia me achar uma louca): falei que achava ele lindo, que queria muito que as coisas dessem certo entre a gente e que pudéssemos nos conhecer melhor, mas que entenderia se ele não quisesse nada comigo......

Foi uma mensagem bem brega, mas bem romântica e fofa! E não escrevi nada que sugerisse que eu tinha uma paixão doentia por ele. Afinal, a última coisa que queria era assustar o cara......mas, enfim, deixei a mensagem e fiquei super ansiosa pela resposta. Que nunca vinha. As férias já tinham começado, então não via mais o menino. Não fazia ideia se já tinha visto ou não a mensagem, porque nunca o encontrava on-line – lembrando que, na época, não existia a útil confirmação de visualização que existe hoje no Facebook – e não sabia o que ele acharia daquilo tudo.......Cerca de uma semana depois, finalmente recebi a tão esperada resposta. Foi bem fria e direta: disse que muitas coisas estavam acontecendo na vida dele e que queria se encontrar comigo na pracinha perto da nossa escola para conversar. Me passou o número do celular e disse para que eu entrasse em contato. Não chegamos a conversar on-line no MSN. Marcamos o dia e a hora do encontro por mensagens curtas e diretas no celular.

Percebi, pela resposta à minha mensagem romântica, uma certa frieza por parte dele, mas, como tínhamos marcado de nos vermos, não poderia estar mais feliz. Nervosa. Mas feliz. No dia do nosso encontro, fui a primeira a chegar ao lugar combinado e esperei ansiosa pela chegada dele. Logo depois, ele chegou. Abri um sorrisão ao cumprimentá-lo e sentamos em um banquinho da praça para conversar. Conversamos por quase uma hora e falamos de várias coisas: família, escola, amigos......eu estava muito feliz e parecia que as coisas iam super bem......até que chegou um momento em que o menino ficou sério e começou a falar sobre a minha mensagem romântica: disse que tinha lido tudo e que o sentimento era recíproco (nossa, tenho trauma dessa palavra até hoje), que me achava charmosa e tal.......

Sei que vivia na fantasia, mas não estava louca de achar que isso era uma declaração de amor bem real, né?! Pois é........estava nas nuvens com esse discursinho que parecia ser algo super romântico até que, do nada (simplesmente do nada) o cara começou a dizer: “.....mas já estou ficando com outra menina agora, e estou firme com ela, e gosto muito dela.......mas espero que você encontre alguém especial, porque você é especial......”. Simplesmente não acreditei no que tinha acabado de ouvir. Fiquei em choque. E um pouco tonta. Não sentia o chão sob os meus pés......

Ficamos um tempo em silêncio até que o garoto me perguntou: “posso te dar um abraço?”. Olhei para ele com uma cara de susto. Não entendia o que estava acontecendo. Ele tinha acabado de me falar que estava com outra e........foi então que entendi tudo: o cara só queria ficar comigo por ficar. Apenas isso. Nada mais que isso. Tudo (absolutamente tudo) o que eu havia fantasiado com ele (conhecer, namorar, e até casar com quem eu pensava ser o meu príncipe encantado) foi desmoronando na minha mente como um castelo de areia em meio a uma ventania brava........estava tão em choque com aquela situação toda que não conseguia pensar direito. E não tinha vontade de chorar e nem de falar nada......

Não sei como, mas consegui reunir um pouco de forças e falei, em um tom de voz bem fraquinho, que não iria ficar com ele, porque seria mais difícil de esquecer........o menino insistiu um pouco, talvez achando que eu estava me fazendo de difícil e que logo iria ceder, mas continuei negando (no mesmo tom de voz fraco, como se estivesse aguentando a situação muito bem e, de fato, estava, pois estava em choque) até que ele desistiu de insistir e disse que já estava tarde e que tinha que ir. E, assim, fomos embora.

Fiquei no mesmo estado de choque até chegar em casa. Pouco tempo depois, o choque foi passando e comecei a sentir a dor da desilusão. Doeu muito. Fiquei muito triste as férias inteiras. E o pior ainda estava por vir: quando voltei de férias, descobri que a menina com quem o cara estava ficando era da nossa escola, do 2º ano, que nem eu, só que de outra turma. Já tinha visto os dois conversando algumas vezes no semestre anterior, mas só conversavam, nada mais que isso.....

Enfim, foi horrível ver os dois andando de mãos dadas, se abraçando, se beijando........doía muito mesmo........sei que mal conhecia o garoto e que não tinha motivos para ficar tão mal assim por causa dele, mas a questão ia muito além disso. Não se tratava apenas de uma paixão boba que não deu certo, mas sim de uma paixão muito doentia, cheia de sonhos e de fantasias que me deixavam feliz. Isso mesmo. Fantasiar era a minha única fonte de alegria na vida......e, ao ter uma desilusão tão forte como a que eu tive com o Sr. Recíproco (é por esse nome que me refiro a ele, por causa da palavra que me marcou), foi como se alguém tivesse abruptamente retirado a minha única felicidade da vida.....

É claro que eu não tinha capacidade de fazer essa análise de mim mesma naquela época. Sequer percebia que as paixões que tinha, inclusive a que tive com o Sr. Recíproco, eram muito doentias........simplesmente não entendia o porquê de estar me sentindo tão mal por um cara que nem conhecia direito......foi então que, depois de um certo tempo, comecei a reconhecer que me apaixonar daquele jeito não era normal e, ao me analisar mais a fundo, vi que as paixões doentias que tinha eram fruto do meu hábito de fantasiar historinhas, que teve origem no início da minha adolescência, época em que estava muito deprimida e achava que a vida real era muito triste e sombria.......

Passei a me analisar mais frequentemente e de maneira mais intensa, para poder me mais. Fui percebendo o quanto tinha me apegado a fantasias para fugir da minha depressão.........passei a ler mais sobre isso e vi que não era  a única que a passar por esse tipo de situação. Fiquei sabendo de pessoas que já até se mataram por ver que suas fantasias não correspondiam à realidade. Ainda bem que não cheguei a tanto, mas, como já disse, fiquei muito, muito, muito mal por muito tempo. A minha melhora foi bem gradual. Foi um processo longo e doloroso. Às vezes achava que nunca iria acabar......

........mas acabou! Ou, se não tiver acabado, já deve estar na fase finalíssima. Quero deixar claro que o processo a que me refiro é o de ser capaz de viver a realidade, sem precisar ter fantasias doentias para ser feliz. Na verdade, hoje vejo que a felicidade que eu tinha ao fantasiar não era uma felicidade de fato. Era apenas uma excitação doentia e mentalmente desgastante. E com uma duração bastante limitada, uma vez que você logo se cansa de viver apenas na fantasia e quer viver uma realidade correspondente aos seus sonhos. E é aí que está o problema: ao se deparar com a realidade, e perceber que ela não corresponde à sua fantasia, você certamente vai passar por uma desilusão muito, muito, muito intensa. E, de duas, uma: ou você se entrega a ela, ou você a enfrenta e se torna mais forte a cada dia até conseguir vencê-la totalmente – que foi o que aconteceu comigo.

Hoje, com 20 anos, me sinto mais forte e muito mais feliz do que jamais fui. Vejo que tudo o que aconteceu comigo foi um conflito interno e uma batalha psicológica muito grande, mas que, no final das contas, acabou muito bem. E é tão engraçado pensar que toda essa batalha começou por causa de um cara insensível que me falou palavras duras em um encontro que parecia ir super bem.......só alguém como o Sr. Recíproco poderia ter sido capaz de me dar um empurrãozinho tão bem dado como esse. Um empurrão que foi o primeiro passo de um longo e doloroso processo.......um processo que me trouxe de volta à vida.