Emenda Cacciola: apelido maldoso
Por Alexsandro Rebello Bonatto | 11/05/2009 | EconomiaEm inglês existe um ditado que em português ficaria mais ou menos assim: Tempos desesperados exigem medidas desesperadas.
E foi exatamente isso que aconteceu no último dia 07 de maio quando a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda à Medida Provisória 449 que concede uma verdadeira anistia aos ministros de Estado, presidentes do Banco Central (BC) e demais funcionários públicos que estão sendo processados por tomar decisões em defesa da solvência dos bancos que o Ministério Público considerou crimes contra o sistema financeiro.
As equipes econômicas dos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) sempre se queixaram do "oportunismo" dos processos e do fato de eles criarem insegurança nos agentes públicos que tomam essas decisões, mas os críticos da emenda aprovada ontem avaliam que a redação final do texto criou um vale-tudo jurídico, funcionando, na prática, como uma carta branca para o governo defender os bancos e justificar toda e qualquer medida adotada.
A emenda diz que os "agentes públicos" não sofrerão nenhum tipo de punição desde que as "medidas excepcionais" tenham sido tomadas e executadas "com o propósito de assegurar liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional, de regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores".
Apelido maldoso
Apesar de dirigir o benefício aos "agentes públicos", se a emenda 19 não for vetada pelo presidente Lula ela também pode beneficiar banqueiros envolvidos em escândalos financeiros. No meio jurídico e entre parlamentares o texto já foi batizado de "Emenda Cacciola". Ela pode vir a ser usada na defesa de Salvatore Cacciola, ex-dono do banco Marka, condenado por crime contra o sistema financeiro e atualmente preso no Brasil.
A proposta de inclusão de uma emenda na MP 449, que trata da renegociação de dívidas tributárias com a União (leia mais nesta página), foi do deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA). A emenda não foi acolhida na primeira votação da medida provisória, na Câmara dos Deputados, mas foi apoiada e aprovada por petistas e tucanos na votação do Senado - o Ministério da Fazenda apoiou a emenda.
A emenda serve, de acordo com advogados ouvidos pelo jornal O Estado de São Paulo, perfeitamente ao caso Cacciola. O ex-dono do Banco Marka se beneficiou de informações privilegiadas passadas pelo ex-presidente do Banco Central Chico Lopes às vésperas da desvalorização do real, em 1999.
Para evitar a quebra do banco e uma suposta crise sistêmica, Cacciola conseguiu do Banco Central uma ajuda superior a R$ 1 bilhão. Por causa disso, o ex-presidente do BC foi acusado e condenado pela Justiça.
Com a aprovação da emenda pelo Congresso e a promulgação pelo presidente da República, Chico Lopes poderia pedir para ser enquadrado na nova regra. Argumentaria que beneficiou o Marka para garantir a solvência do sistema financeiro, como prevê a emenda.
Se tiver sucesso, Cacciola será por tabela beneficiado - se o agente que praticou o ato ilegal não pode ser condenado, quem se beneficiou dele também não. Cacciola, portanto, poderia pedir à Justiça o mesmo benefício, o que só dependeria da apreciação do juiz.
O lado positivo da medida
Em maio de 2002, quando o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) se encaminhava para o último dos oito anos de mandato, o procurador Luiz Francisco de Souza ameaçou: "Ele (FHC) sofrerá uma enxurrada de ações". O procurador não escondia os alvos: o programa de saneamento do sistema financeiro (Proer), as reformas constitucionais que quebraram monopólios (petróleo, gás, navegação, telecomunicações e energia elétrica) e as privatizações.
No currículo do governo tucano há também várias medidas adotadas e implementadas ao longo da sucessão de crises (russa, asiática, mexicana) que foram pontuando a administração do Plano Real. Apesar dos amparos jurídicos montados pela Advocacia Geral da União (AGU), ministros como Pedro Malan (Fazenda) e Luiz Carlos Mendonça de Barros (Comunicações), e a alta burocracia do Banco Central (Gustavo Franco, Teresa Grossi e outros) viraram alvo de processos que enfrentam até hoje.
Desde que tomou posse, em janeiro de 2003, o governo Lula abandonou o discurso de satanização do governo tucano e estimulou o diálogo no Congresso para que os líderes aprovassem algum instrumento de proteção dos "agentes públicos".
Logo que foi eleito, em 2002, a primeira audiência de Lula com o então presidente do STF, Marco Aurélio Mello, foi para pedir que fosse mantido o foro privilegiado para julgar ex-presidentes e ex-ministros. Lula admitiu que o PT era contra a medida porque estava fora do poder e usava a crítica ao foro privilegiado para fazer oposição.
Oportunismo
O debate entre lideranças políticas e os incentivos de Lula deveriam ter criado uma lei discutida e votada de forma transparente no Congresso. Em vez disso, resultou numa emenda que pegou carona em uma medida provisória.
E essa MP não tem nada a ver com uma ligislação para a proteção jurídica do gestor público.
Resumo da ópera
1) a proteção aos agentes públicos é necessária e vem em boa hora
2) da forma que foi feita pode acabar beneficiando quem não deveria
3) o caminho escolhido pode passar a impressão à opinião pública que é leviana e mal intencionada.
Resumo do resumo: essa é a forma com que o Congresso lida com assuntos relevantes de ordem econômica.
Bibliografia:
Jornal O Estado de São Paulo de 08 de maio