Em torno do STF

Por josé maria couto moreira | 27/04/2016 | Crônicas

Em torno do STF 

José Maria Couto Moreira* 

O ex-presidente Lula teve a responsabilidade histórica de renovar mais de um terço de nossa Corte Suprema. Poucas foram as oportunidades em que um presidente pode intervir naquele egrégio Plenário em proporções que deverão ali assinalar a resposta de uma pregação diuturna por uma sociedade igual, em que os eternos temas praxistas, sempre muito valorizados, cedam a uma visão humanista do direito, “através do direito romano, mas também acima e além dele”, como ensinou o insuperável Jhering. Dir-se-á que o STF reflete para a Nação a letra constitucional. Queremos mais. O STF não pode contentar-se como mero guardião de nossa Carta, mas reconhecer-se, também, como organismo vivo de uma doutrina nacional. A indicação de ministros para as vagas a se declararem pode constituir (é o que se espera) a consolidação, naquele alto foro, do discurso de sucessivos governantes ao povo durante duas décadas. Poderá o STF, reconstituído, louvado em sincera abnegação e a necessária coragem cívica, propor as reformas (até então pífias) de que carece o judiciário para uma efetiva prestação e, com a autoridade moral de que é ungida a Corte, arrastar os demais poderes e corporações para uma nova etapa das relações entre o juiz e o povo. Já está exaurida a tese de que o bom juiz é o bom jurista, aquele em cujo espírito não sopra mais que os imensos conhecimentos legais de sua “especialidade”, sempre inspirado por um irrenunciável e heróico formalismo.

Acontecimentos extraordinários na história mundial da justiça não se operaram, curiosamente, por iniciativa de juízes, mas de humanistas. Na impossibilidade de uma enumeração maior de exemplos, enuncia-se, pela citação famosa, o rumoroso caso Dreifus, até hoje ilustração tocante na galeria dos sempre revoltantes erros judiciais. E não foi a bravura patriótica do autor de “Germinal” que livrou a França de uma imputação de erro e injustiça? Para Zola, que no episódio mobilizou-se tão-somente como francês (nem era, sequer, advogado do acusado), não estava em jogo, apenas, a honra de um homem, mas o julgamento da França pelo mundo. O destemido humanista, na elaboração épica de J”Accuse, acabou por apontar os nomes e as instituições responsáveis pela trama. Estava salva a honra da França.

Na mesma França das luzes encontramos outro exemplo antológico de sensibilidade do humanista diante de desastrada ação do Estado no reconhecimento de culpa de quem não a tinha. O personagem central do episódio é o valoroso Voltaire, já em idade avançada, mas não o bastante a impedir sua indignação no desfecho do célebre caso Jean Calas. Em Toulouse, o velho Calas, após torturas insuportáveis, foi executado por acusação de assassínio do filho, a quem houvera impedido de professar a fé católica. Entregando-se a penosa investigação, Voltaire obteve a proclamação de inocência de Calas. A participação do humanista neste resgate memorável da justiça rendeu também à França (essa foi sua grande vitória) a revisão completa do processo penal então vigente, que já perdurava há oitocentos anos, em cujo sistema os solertes juizes aplicavam leis não escritas!

A História, enfim, é escrita pelos humanistas. Impõe-se convocá-los a participar de nossa hora. O Brasil os tem, reconhecidamente no mais alto nível.

Mande-os para o Supremo, Presidente! 

* Advogado

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