“Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher? – Um olhar humanizado às mulheres em situação de violência”

Por Fernanda Hauser | 19/07/2013 | Psicologia

Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher?

O projeto intitulado “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher? – Um olhar humanizado às mulheres em situação de violência” surgiu a partir de seis meses de observação e vivência dentro do Centro Jacobina – Atenção e Apoio a Mulher na cidade de São Leopoldo (RS). Esse Centro é especializado em atendimento e apoio a mulher em situação de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O serviço deu seu inicio a partir da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres e faz parte da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres.

A violência, segundo Oliveira & Cavalcanti (2007), nada mais é que o exercício da dominação. E o seu grau de tolerância para essa situação está intimamente ligado ao grau de vulnerabilidade ideológica, econômica e pessoal. O título vem da intenção de uma provocação e quebra desse paradigma onde se perpetua a relação de dominação entre homem e mulher.

Acreditando que a maioria dos casos de violência não chegam ao Centro Jacobina por não haver conhecimento do serviço oferecido, receio de obrigação de representar judicialmente e o controle do agressor para com a vítima, foi pensando em uma intervenção que pudesse alcançar essas mulheres. Segundo Santi, Nakano & Lettiere (2010) a procura das usuárias por um serviço de acolhimento depende da sua percepção sobre a gravidade do problema. Sabe-se também que nossa subjetividade pode ser explorada e organizada através do discurso. A fala é o espaço para buscar poder colocar seu sofrimento para fora. (Pereira, 2004). Nesses encontros será possibilitado um espaço de sensibilização e reflexão sobre as situações de violência.

As intervenções foram realizadas em um grupo aberto, operativo e comunitário nos CRAS das regiões de São Leopoldo: Centro, Leste, Norte, Nordeste e Oeste. Assim, podendo desmistificar as questões acima citadas e explanar sobre o funcionamento dos atendimentos oferecidos no Centro Jacobina.

O projeto tem como objetivo geral possibilitar um espaço de sensibilização e reflexão acerca das situações de violência. Os objetivos específicos consistem em auxiliar na compreensão da gama de problemas relacionados à violência doméstica e/ou de gênero, acolher os sentimentos e histórias de vida, proporcionando um momento de reflexão e sensibilização, apresentar e explicar como funciona o atendimento do Centro Jacobina, captar usuárias da rede em situação de violência para atendimento e acolhimento no Centro Jacobina e fornecer subsídios para que usuárias possam atuar como multiplicadores da temática em sua comunidade.

Para alcançar esses objetivos o projeto teve como participantes mulheres em situação de violência e usuárias interessadas na temática dos CRAS de São Leopoldo. O motivo do convite de participação do grupo para as usuárias interessadas é que estas, por estarem inseridas na comunidade, podem saber de situações de violência que não chegam aos olhos e ouvidos dos profissionais e assim, disseminarem os conhecimentos adquiridos nas reuniões. Essas usuárias foram informadas do grupo através de pôsteres e convites deixados nos CRAS de cada região.

Em cada CRAS da cidade de São Leopoldo (RS), com exceção do CRAS CENTRO, foram realizados dois encontros pré-agendados, somando um total de 08 encontros. Os encontros contaram com a participação de02 a14 usuárias, além da eventual presença de outros profissionais e tiveram a duração de 1h e meia a 2hs.

Modelo das Intervenções

Inicia-se o grupo com as cadeiras dispostas em um semicírculo e os livros e folders com a temática da violência doméstica sobre as cadeiras. Explica-se ao grupo que serão realizados dois encontros, onde no primeiro falaríamos sobre a violência doméstica de modo geral, suas facetas e assistiríamos cenas de vídeos com a finalidade de exemplificar cada tipo de violência. No segundo encontro é abarcada a Lei Maria da Penha e os serviços que São Leopoldo dispõe para dar conta da demanda da violência doméstica. Além disso, passa-se uma lista para que as usuárias assinem com nome e telefone de contato (anexo 3) e explica-se que é para o controle da intervenção.

 

Vídeos Expostos

  • CENA 1: (Cena real retirada do programa “Polícia 24 Horas”) Marido e mulher têm briga dentro de casa e ligam para a polícia. Policial, após averiguar a situação diz: “Ô, dona! Essa roupa aí que ele botou fogo, não é sua, não?”. Mulher confere e tenta salvar alguns pertences. Policial 2 questiona: “Celular, documento, tudo?”, enquanto a mulher responde: “Tudo, ele é um capeta!”. Enquanto outro policial vem ajudar a mulher a apagar o fogo, outro corre e diz “Ele vai fugir!”.
  • CENA 2: (Cena retirada da novela “Passione”) Mulher está jogada na cama enquanto marido grita: “Você é uma vagabunda! Você é uma cadela!”. Ela tenta fugir do quarto e pede para que ele saia, mas ele a joga na cama novamente e avisa que ela não vai a lugar nenhum.
  • CENA 3: (Cena retirada da novela “Mulheres Apaixonadas”) Filha apanhando do pai em um quarto de hotel, ele a leva para o Hall do mesmo e a expõe com o vestido rasgado a todos que lá estão. Vagarosamente ele tira o cabelo do rosto da filha e diz: “Essa é minha filha, e este é o resultado de uma péssima educação!”. Enquanto isso ela implora para que o pai pare.
  • CENA 4: (Cena retirada da novela “A Favorita”) Mulher está sentada na rua comendo quando chega homem conhecido e pergunta: “Tá precisando de companhia, primeira dama?”. Ela responde: “Cai fora, não vai comer minha comida não, cai fora.”. Homem retruca dizendo que não quer a comida dela, mas quer outra coisa. Ela se levanta, e o homem vai atrás e a segura com força. Mulher pede: “me solta seu imundo! Eu sou a primeira dama!”, a medida que ele retruca: “Primeira dama da vadiagem, que sai com qualquer um! Tu tá precisando é de um homem como eu, macho.”. Assustada, a mulher cospe no homem e diz: “Me larga seu porco!”.
  • CENA 5: (Cena retirada do filme “Diário de uma Louca”) Marido chega em casa com a amante e diz para a mulher: “Tem um caminhão parado lá fora pra te levar pra onde você quiser. Você acha que com uma mulher como essa, com dois filhos me chamando de papai toda a noite eu ia ficar aqui?”. Chocada, a mulher repete: “Filhos? Filhos? Dois?”. O marido responde: “Dois meninos. Eles precisam de mim.”.  A mulher pede: “Charlie, sou eu. Como pode falar isso pra mim? Como pode fazer isso comigo?”. “Adeus, Ellen. Agora seja uma dama educada e saiaem silêncio.” Enquantoa mulher diz que não vai sair, o marido questiona se ela teria algo se não fosse por ele e a manda levantar; a mulher enfatiza que não vai sair. Então o homem corre atrás dela pela sala afirmando que se ela não sair, ele vai tirá-la de lá. A amante observa toda a cena.
  • CENA 6: (Cena retirada da novela “A Favorita”) Mulher está chorando enquanto o marido a chama de inútil e diz que ela não tem serventia para “porcaria nenhuma”, que mal sabe cozinhar e passar e que ele casou com uma imprestável! Questiona se a mulher vai ficar parada ou vai botar a janta na mesa, que é a única coisa que ela tem serventia.
  • CENA 7: (Cena real retirada de Telejornal) Jornalista diz: “O flagrante foi feito hoje à tarde no centro da cidade. Nessas imagens o homem aparece agredindo a mulher: deu tapas no rosto dela, chutes, puxou o cabelo da jovem e quando ela tentou fugir, jogou-a contra a grade.”. Enquanto isso aparece a gravação da cena acontecendo.
  • CENA 8: (Cena retirada da novela “Insensato Coração”) Amantes estão em um quarto de hotel e ele a ofende: “Vagabunda ardilosa... eu encontrei isso no meu próprio quarto. Vai dizer que não sabe o que é?”. Ela se defende dizendo que não sabe e perguntando o que é. Ele a acusa de ter gravado os dois na cama e ela questiona a possibilidade de alguém ou algum paparazzi estar espionando-os. Ela pede para ele parar de acusá-la e é respondida com um tapa no rosto que a faz cair sobre a cama. Ele afirma que ela não vai destruir o casamento dele e ela confessa que só fez isso por amor. Ele a julga como “cachorra”, interesseira, e burra. Ainda explana que eles tinham um acordo e ela poderia ter tudo o que queria, só precisava respeitar a família dele. Diz também que as mulheres nunca estão satisfeitas, sempre querem mais.
  • CENA 9: (Cena retirada da novela “Insensato Coração”) Homem arrasta mulher para frente do espelho e questiona mulher: “Se olha no espelho! Olha para essa cara! Você acha que pode chamar alguém de canalha? Você acha que tem moral pra isso? Olha!”. Mulher se livra, mas ele continua: “Você achou mesmo que eu ia ficar com você, hein? Uma mulher sem decência nenhuma, capaz de armar uma historia nojenta pra ferrar com a minha vida!”.
  • CENA 10: (Cena retirada da novela “Rainha da Sucata”) Marido e mulher estão na sala em diálogo sobre a demora de uma empregada da casa trazer a água que o marido pediu. Quando esta adentra a sala, o homem, seu patrão, exclama: “Finalmente! Com a falta de competência dessa casa, a criadagem é a pior possível”, mas ao tomar um gole, logo reclama: “Está gelada! Fui muito claro, menina: pedi água sem gelo! Glorinha tem razão, você e sua mãe devem estar fazendo de propósito! Some daqui!”.

CRAS Nordeste

Os grupos aconteceram nos dias 17 e 24 de agosto de 2011, das 14hs às 15:30hs. No primeiro compareceram 06 mulheres e no segundo, 11 mulheres. Houve a participação de duas mulheres da equipe do CRAS Nordeste.

Apresentei-me para as usuárias e expliquei que passaria um vídeo sobre violência doméstica para discutirmos as cenas posteriormente. Durante a exibição do vídeo as usuárias se mostraram eufóricas e comentaram bastante. Porém após o termino do vídeo, quando foi disponibilizado espaço para troca de experiências, três participantes se destacaram. Ambas haviam sido agredidas psicologicamente, moralmente e fisicamente por seus parceiros há anos atrás e referiam terem superado. As demais ficaram em silêncio. Osilêncio é uma fonte de comunicação não verbal muito rica, a medida em que ficar a vontade com ele ajuda o grupo a se aliviar da tensão ansiosa (CASTILHOS apud SILVA et. al.). Os participantes silenciosos deixam os demais no dever de falar, são aqueles que assumem as dificuldades dos demais em estabelecer a comunicação e representam uma parte que gostaria de calar, presente em todos os sujeitos (FREIRE, 1991).

Decepcionei-me com a participação de uma das mulheres da equipe do CRAS. Foi combinado anteriormente que a mesma assumiria o papel de observadora-passiva no grupo, mas por diversas vezes a mesma interferiu no processo grupal e interrompeu a fala das usuárias. Penso também que, como ela é coordenadora em outros grupos do próprio CRAS, deveria ter os atributos desejáveis de um coordenador de grupo, descritos por Zimerman (1997). Percebo que faltou para a profissional o senso de ética de não invadir o espaço mental do outro, impondo suas crenças e valores quando a mesma pronuncia, batendo palmas: “É isso aí, nesse grupo ninguém apanha”, e desencorajando as participantes de expor suas vivências.

No dia 24 de agosto, ocorreu a minha segunda intervenção. Como eu já estava preparada para a participação e atravessamentos dessa integrante do CRAS no grupo, não foi tão angustiante ou decepcionante. Nesse dia uma usuária que não havia participado no grupo anterior, mostrou-se bastante agressiva e descrente no que se refere às políticas públicas referentes à violência domestica. Como essas usuárias já vinham de um grupo formado do PAS (Programa de Auxílio Solidário), essa mulher parece ter trazido o seu papel dessa trajetória no grupo, que indica ser uma líder de resistência, assumindo o papel de advogado do diabo e sabotando a evolução das discussões e a tarefa (FREIRE, 1991).

De modo geral, o que me chamou atenção no funcionamento deste grupo em particular foi que, com a presença desta outra coordenadora, muitas vezes os participantes se remetiam a ela e serviços oferecidos pelo próprio CRAS foram mencionados e/ou cobrados. Percebo que esses eventos atrapalharam a intervenção, pois desfocavam da tarefa principal.

Apesar dos atravessamentos, acredito que minhas expectativas foram alcançadas, na medida em que as mulheres passaram de 07 participantes para 11 participantes e todas saíram do último encontro bastante informadas e querendo levar material (livros, folders, etc.) para amigas, conhecidas e parentes.

CRAS Leste

A primeira reunião ocorreu no dia 06 de setembro e teve duração de duas horas, onde as 14 mulheres participantes produziram uma discussão além do esperado. Não houve conversas paralelas e acredito que parte da responsabilidade disso foi uma técnica grupal que apliquei no início do encontro que fez as mesmas mudarem de lugar onde estavam sentadas e interagirem com pessoas diferentes. A cada cena de novela ou reportagem, o dispositivo era pausado e as mulheres falavam não só sobre a cena, mas também sobre o tipo de violência.

Houve a participação de uma mulher com mais idade, bastante maltratada e a quem as usuárias se referiam como “não batendo bem da cabeça” (sic). Essa usuária já era conhecida das demais e foi depositária do grupo, assumindo o papel de doente para que os depositantes pudessem projetar nela suas fragilidades e se sentirem fortes e sadios (FREIRE, 1991).

No segundo encontro então, foi proposto às mesmas 14 mulheres que traçassem uma rota que a mulher vitima de violênciaem São Leopoldopudesse usufruir para procurar ajuda. Parece ser mais fácil aderir ao tema e a proposta quando o assunto não se refere ao sujeito em questão, mas sim, reflete em um desconhecido.

Nesse encontro houve conversas paralelas que tive que conter e pedir que sempre dividissem com o grupo, se expressassem para o todo. Esse processo se dá a partir da crença de que os sujeitos serão mais beneficiados em uma relação de díades, tríades, etc. do que na formação total do grupo. A aproximação ocorre quando determinados membros do grupo percebem um ao outro como similares em aspectos como idade, etnia, valores e afins (Vinogradov & Yalom, 1992).

CRAS Oeste

Na intervenção do CRAS Oeste participaram 7 mulheres, em sua maioria casada e com filhos, idade entre 22 anos a 50 anos. Observando o comportamento dessas mulheres, pude perceber que a maioria tinha uma dificuldade de falar sobre as violências vistas no vídeo. Questionei-as, então, se alguma delas gostaria de falar como se sentia com relação às cenas. Foi quando uma senhora, autorizada pelo grupo, assumiu o papel de porta voz, por onde emergem as ansiedades do grupo (FREIRE, 1991). Com a sensibilidade do papel que se ocupou, conseguiu verbalizar a sensação latente de angústia com as imagens, enquanto as demais assentiram essa impressão.  

Duas das participantes levaram suas filhas pequenas (entre 2 e 3 anos), que atrapalharam muito a produção do grupo. Enquanto brincavam, bagunçavam e brigavam entre si, havia olhares reprovadores às mães que nada faziam. É importante que se perceba a falta de possibilidade de escolha em levar ou não os filhos para o ambiente do grupo, visto que são elas as cuidadoras. É inegável o fato de que, na maioria das vezes, as atividades que envolvem o cuidar tange às mulheres (PEDREIRA, 2008).

Dessas mulheres, somente duas relataram que já tinham vivenciado ou visto situações de violência. Uma dela nos contou que a mãe, que já é uma senhora de idade, estava em situação de violência doméstica. Pode-se perceber o quanto a violência afeta também os filhos e os deixam preocupados, sem saber como ajudar e em questionamentos sobre a instituição familiar.

No segundo encontro, apenas duas mulheres compareceram, sendo as duas mais participantes no encontro anterior e ambas não sofriam violência doméstica. O grupo ocorreu na mesma formulação de todos os encontros, mesmo havendo apenas duas participantes. Em uma conversa aberta, ambas referiram o prazer de ter um espaço para o diálogo e que sentiam falta disso nas atividades disponibilizadas pelo serviço, que dava preferência a produção de subjetividade através da arte e atividades de geração de renda. O que confirma a teoria de Santi et al (2010) e de Pereira (2004) de que a nossa subjetividade pode ser explorada e organizada através do discurso e que a fala é o espaço para buscar poder colocar seu sofrimento para fora.

O abandono do grupo pelas demais participantes é um evento comum de sujeitos que preferem se afastar por incapacidade ou relutância em realizar a tarefa proposta no grupo. É importante que mesmo com os abandonos, o coordenador se comprometa com o grupo como um todo (Vinogradov & Yalom, 1992). Segundo Yalom (2006), um número significativo de pacientes abandona os grupos prematuramente e isso independe do coordenador, mas uma maneira de evitar as desistências é a seleção adequada dos integrantes. Sabemos que como o nosso grupo era aberto e espontâneo, essa seleção não foi possível.

CRAS Norte

O primeiro encontro com o grupo do CRAS Norte ocorreu em uma associação de moradores e me levou a questionar o quanto a estrutura do local oferecido para o grupo interfere nos processos do mesmo. As participantes reclamaram muito do calor e da falta de água e banheiro no local, mas acredito que essa também tenha sido uma forma de demonstrar resistência a produção de discussão sobre o assunto. A resistência, nesse caso, assumiria um papel negativo, de forças que se opõem aos processos reflexivos e de mudança (FIGUEIRA, S/D)

Essas foram as participantes mais difíceis de trabalhar, pois participam do PAS - Programa de Auxílio Solidário, um programa de transferência de renda da Secretaria de Assistência Social, que vincula a participação dos usuários nos encontros de formação ao recebimento de um benefício monetário. Como estavam lá “por obrigação”, o que não era o combinado previamente com a psicóloga do CRAS Norte, não se entregaram muito ao trabalho do grupo, o que pode ser tomado como mais uma manifestação da resistência.

Nesse primeiro grupo, participaram 12 mulheres, além de duas pré-adolescentes, filhas de participantes. Quando participam mais de dez pessoas em um grupo, o coordenador fica em uma situação complicada, pois dificulta a atenção, que é divida entre todos (ALEXANDER, Wolf; SCHWATZ, Emanuel, 1977). Uma mulher chamou a minha atenção pela impaciência e por freqüentemente ficar na janela e rir para si do relato das demais. Mesmo sem falar uma palavra, percebia-se que o silêncio dela se referia a um desinteresse, camuflando a resistência (SILVA et al) em tocar no assunto da violência doméstica.

Na segunda vez em que nos encontramos com essas mulheres, levamos uma participante especial, integrante do Centro Jacobina com conhecimentos relativos ao direito e a lei Maria da Penha. A partir disso uma das participantes tomou coragem e nos contou que ela tinha passado há pouco tempo por essa situação de violência e que o ex - companheiro ainda estava a incomodando. A mesma foi orientada a marcar um horário no Centro Jacobina para se fortalecer e pensar junto com um profissional quais atitudes poderiam mudar essa situação.

Ainda se referindo as situações de violência, uma das participantes confessou bater na filha quando esta não volta para casa no horário combinado. Houve um debate entre as integrantes do grupo acerca desse relato e se questionou sobre a validade da atitude da mãe, da qual ela automaticamente se defendeu dizer que  “só quem tem filho, sabe como é”. Senti então a desautorização para falar sobre assuntos que coordenador não vivenciou.

CRAS Centro

O grupo que ocorreria no CRAS Centro nas datas de 25 de outubro e primeiro de novembro passou por complicações. Como ocorreu em todos os CRAS, foi feito um contato prévio com a coordenadora do serviço, apresentando o projeto, os propósitos e critérios dos grupos; ao conhecer os objetivos, a própria coordenadora sugeriu que o grupo fosse disponibilizado para as mulheres do Morro do Paula, região desassistida pela maioria dos serviços da prefeitura. Era de grande valia para mim, levar informação à essas mulheres. Cerca de duas semanas depois dessa combinação uma educadora do PAS entrou em contato com a minha supervisora alegando que as mulheres do Morro do Paula já haviam recebido dois grupos com a mesma temática e solicitando que o encontro fosse dirigido às mulheres participantes do Programa de Auxilio Solidário do CRAS Centro. O que faremos em relação a essa mudança vem sendo discutido até o momento, levando em conta que o meu projeto se referia a grupos de demanda espontânea e que não existissem previamente. Então, essa nova solicitação fica dissonante da proposta inicial, e sua viabilidade será avaliada.

Grupos e Papéis nos Grupos

Segundo Zimerman (1997) um grupo não se faz apenas de um somatório de indivíduos. Para a formação de um grupo tem que haver leis e mecanismos próprios, interação face a face entre os membros e esses possuírem uma tarefa e um objetivo comuns de interesse entre todos. Essa é a parte mais simples de se conseguir e mais rápida também, mas é a seguir que se formam meus questionamentos enquanto a caracterização dos “grupos” efetuados na minha intervenção.

Ainda nas palavras de Zimerman (1997), deve haver uma identidade de grupo, ser uma unidade que se comporta como totalidade e vice versa, interação afetiva entre os membros. Pensando no grupo como sendo de demanda espontânea, a maioria das pessoas não se conhecia, ou apenas se viram algumas vezes. Acredito que algumas pessoas trouxeram seus papéis já estabelecidos em outros grupos que participavam, mas em apenas dois encontros não se permitiu a formação da identidade do grupo como uma totalidade. Aos grupos que se formaram a partir do encaminhamento do PAS, não se pode formar uma nova identidade, uma coesão grupal. Acredito que com mais encontros conseguiria se estabelecer vínculo, transferências e contratransferências suficientes para tornar essas mulheres um grupo real. Por se tratar de um grupo operativo de apenas dois encontros e a formação do grupo se estabelecer à medida que se da o vinculo entre os membros, os processos e a coesão grupal, acredito que não houve tempo hábil para tal formação.

Análise de Implicação

Foi um ano rico de aprendizagens, técnicas e pessoais. No estágio, as pessoas com quem trabalhei me possibilitaram diversas experiências, das quais desfrutei e aprendi. O processo de inserção no local não se fez com grandes dificuldades. A dinâmica da equipe aos poucos foi se tornando clara aos meus olhos e algumas dificuldades de relacionamento também, mas até então, nada relacionado a mim ou ao meu trabalho.

Já eram esperadas algumas frustrações no que se refere ao “serviço público”. Sabemos que nem tudo funciona como gostaríamos e às vezes temos que cederão que a “rede” julga ser a solução mais adequada. Afinal, entre o real e o  imaginário existe o possível.

Trabalhar em um local interdisciplinar e com a rede de serviços da prefeitura me possibilitou conhecer novos pontos de vista, novas formas de intervenção e contribuiu para otimizar meus conhecimentos no tema de políticas públicas para o gênero feminino, especialmente em casos de violência.

A cada atendimento que participei, a cada relato que ouvi, senti-me mais tocada pela coragem e força dessas mulheres. Quis fazer parte dessa luta pelos direitos do gênero e contribuir da melhor forma possível. Meu desejo era e ainda é o de tornar as informações acessíveis a todas as mulheres possíveis e sensibilizá-las com a temática como eu fui sensibilizada.

Fazendo esses grupos pude entrar na realidade da vida dessas mulheres, conhecer as particularidades e peculiaridades de cada bairro ou região de São Leopoldo.

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Clara de Jesus Marques; FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa da. Considerações sobre violência doméstica, gênero e o trabalho das equipes de saúde da família. Rev. esc. enferm. USP,  São Paulo,  v. 42,  n. 3, set.  2008 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342008000300025&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  14  jun.  2011.  doi: 10.1590/S0080-62342008000300025.

FREIRE, Madalena. O que é um grupo? In: Paixão de Aprender. Ano 1. Numero 1. Dez. de 1991.

FIGUEIRA, et AL. O fenômeno da resistência e o processo de desenvolvimento de um grupo de reeducação alimentar.

OLIVEIRA, A. P. G.; CAVALCANTI, V. R. S. Violência Doméstica na Perspectiva de gênero e Políticas Públicas. Rev. Brás. Crescimento Desenvolvimento Humano, 2007.

PEDREIRA, Carolina S. Sobre mulheres e mães: uma aproximação a teoria do cuidado. Fazendo Gênero – Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, 2008.

PEREIRA, Robson. Tramas da Clinica Psicanalítica em Debate. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

RUDNICKI, Tânia; CARLOTTO, Mary Sandra. Formação de estudante da área da saúde: reflexões sobre a prática de estágio. Rev. SBPH,  Rio de Janeiro,  v. 10,  n. 1, jun.  2007 .   Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582007000100008&lng=pt&nrm=iso. Acesso em  19  nov.  2011.

SANTI, Liliane Nascimento de; NAKANO, Ana Márcia Spanó; LETTIERE, Angelina. Percepção de mulheres em situação de violência sobre o suporte e apoio recebido em seu contexto social. Texto contexto - enferm.,  Florianópolis,  v. 19,  n. 3, Sept.  2010 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072010000300002&lng=en&nrm=iso>. acessos em  14  jun.  2011.  doi: 10.1590/S0104-07072010000300002.

SILVA, C.C; LINS, D; STEINER, K; PONTES, M. D; VIANNA, N. P; BISCHOFF, T, G; O não dito no processo grupal: a serviço do quê? SBDG – Caderno 40 S/D.

VINOGRADOV, Sophia; YALOM, Irvin. Psicoterapia de Grupo: um manual prático. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

YALOM, Irvin D. Psicoterapia de Grupo: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2006.

ZIMERMAN, David E. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.