Elite da Tropa

Por Luiz Eduardo Farias | 02/03/2010 | Educação

Não quero, apesar de fazer em alguns momentos, elaborar uma resenha da obra escrita em conjunto pelos policiais do Bope André Batista e Rodrigo Pimentel, em parceria com o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Meu objetivo aqui, portanto, será montar um paralelo entre o universo do livro – a segurança pública – e o meu universo – a educação pública.

Confesso que não gosto muito de carnaval.
Claro que é da festa, da bagunça, do tipo de música... enfim, do mundo envolvendo esta belíssima manifestação cultural.
Já os dias de descanso proporcionados pelo feriado são, sem dúvidas, bem vindos. É tempo de acumular o máximo de energia possível para o ano letivo... que no Brasil todos sabem que só começa depois da “pisada na jaca” do carnaval.
Deixando o papo furado de lado, esta breve introdução foi apenas para justificar que enquanto os foliões brincavam nas ruas do Brasil inteiro, eu, que pagaria muito mico se fizesse o mesmo, me deleitava com filmes e um livro em especial – Elite da Tropa.

Primeiramente, quero deixar claro para quem não leu o livro de que o filme Tropa de Elite é apenas baseado na obra escrita, mostrando somente algumas de suas partes. Praticamente toda a segunda metade do livro, que é o meu objeto de reflexão, fica de fora da versão cinematográfica. Caso tenha apenas visto o filme talvez não tenha atentado para as mensagens que a obra traz consigo. Recomendo que todos leiam a obra, com o alerta amigo de que você encontrará centenas de palavrões e outros muitos relatos fortes para ser lido pelos menores. Então, se você é menor de idade converse com seus responsáveis sobre isso.
Muito mais do que falar sobre o dia a dia de um dos mais bem treinados grupos policiais do mundo, o texto soa mais como um desabafo. Um misto de confissão dos pecados, indignação e denúncia.
É importante não nos enganarmos com a narrativa. Os acontecimentos e personagens são partes de uma ficção. O que importa não é a veracidade do que é relatado, e sim os pensamentos que encontramos por trás da história. Uma metáfora da segurança pública do Rio de Janeiro, quem sabe do Brasil.
Uma das constatações que o livro faz é da falência do sistema de segurança pública. Aqui, não estamos falando da corrupção de meia dúzia de policiais que usam o cargo para ganhar um trocado a mais. O texto é claro em representar o esfacelamento de toda a estrutura, em todos os níveis, de todas as formas.
Quando falamos dos serviços que o Estado oferece para a população temos sempre que levar em conta que existe o ideal e o real. Os discursos dos políticos, dos secretários e muitas das vezes até do Jornal Nacional representam a versão oficial dos fatos. Isso acontece não apenas porque querem te enganar. O que ocorre é que a população tem que confiar no Estado, se sentir segura. O que aconteceria se um governador chegasse até a TV e dissesse que o seu povo está entregue aos bandidos? Certamente um caos social, econômico e político.
Quando eu escrevi o meu primeiro texto de desabafo, relatando a farsa que é a educação pública no Brasil, fui claro ao apontar exatamente o que Elite da Tropa fez com a segurança pública. O problema não está nos colegas que não levam a profissão a sério, a solução não está somente nos baixos salários, tudo não será resolvido com premiações e computadores. Estamos falando de décadas e mais décadas de uma máquina sem manutenção. Você consegue imaginar o que seria do seu carro se passasse anos sem fazer nada nele, somente colocando combustível e usando... pode ter certeza de uma coisa, ele pode até andar depois de 5 ou 10 anos (existe cada coisa no trânsito brasileiro)... mas a pergunta a se fazer é: Você teria coragem de deixar sua família andar neste carro? Bom, se você respondeu que não, fique tranquilo. Hoje, existem milhões de pais que deram a mesma resposta sobre a escola pública. O risco de uma viagem neste carro é tão grande quanto uma vida no ensino público. Muitos sobrevivem, é verdade, mas quantos ficam pelo caminho?
Outro ponto que quero chamar atenção sobre Elite da Tropa é quando os policiais do Bope começam a se sentir usados pela politicagem da segurança pública. Corrupções e conchavos alimentam um jogo de faz de conta. Oficiais de polícia e chefes de batalhão ganham dinheiro com o tráfico de drogas. Quando o Bope domina estes locais, para não afetar o movimento (o que diminuiria o valor do “arrego”), estes mesmos policiais corruptos manipulam conflitos em outra parte da cidade, fazendo com que a força especial de segurança deixe a comunidade livre para o retorno do traficante (e do ganha pão dos policiais corruptos). Imagine você, descobrindo que o seu trabalho está servindo a interesses escusos e que, à custa do seu suor, tudo aquilo que você combate está crescendo, vencendo. Bom, o sentimento de frustração, de revolta, de nojo se instala, sem dúvidas. Foi assim com estes dois policiais, é assim com milhares de professores sérios.
Assim como os policiais, labutamos numa batalha diária por aquilo que acreditamos. Os múltiplos estresses, a desvalorização, a falta de recursos, tudo é superado pela missão de melhorar este país. Claro que não pensamos nisso todos os dias. No entanto, esta é a condição fundamental de pertencer ao magistério – acreditar que você fará diferença na vida de alguém.
Não obstante, perceber que você é apenas um fantoche, manipulado pelos inúmeros “chefes” que você teve, tem e terá na carreira, é broxante (lembro que um dos significados da palavra é desistir por exaustão). Não é por acaso que inúmeros profissionais sérios abandonam o magistério. Muitos outros não chegam nem a entrar na profissão. Não se engane pensando que o problema está apenas nos salários nada convidativos. Ser professor hoje é sinônimo de coitadinho. As pessoas te perguntam como você consegue viver, como é ser xingado, ser agredido em sala, ter que trabalhar em três lugares diferentes, enfim, falta dizer: Qual é o seu problema? Podia ter sido advogado, engenheiro, médico etc. Professor? Deve ter sido falta de opção!
No momento certo, irei revelar algumas situações que ajudam a ilustrar esta faceta da educação. Não só os professores são usados. Os alunos (e eu já cansei de falar nisso) são apenas números. Não pense que o seu prefeito está preocupado com o tipo de educação que o seu filho está tendo. Ele não está nem aí. Até porque os seus filhos e dos demais políticos estudam em escolas particulares. A única preocupação do político é que a criança esteja matriculada (isto representa mais verba para o município) e que passe de ano (isto representa que ele dará vaga para outra criança engordar os cofres da cidade) até que o jovem se forme e o político possa se gabar de que formou um verdadeiro cidadão (e será um ótimo cidadão se passar a votar nele).
Por fim, o livro nos dá uma série de outras situações que seria possível fazer um paralelo com a educação pública. Para não deixar a leitura ainda mais exaustiva o farei em outro momento.
A única certeza que fica disso tudo é a comunhão de problemas com o qual professores, policiais, médicos e outros profissionais do setor público são obrigados a conviver. São heróis que diariamente são obrigados a dirigirem verdadeiras carroças. Por vezes somos até cobrados se estas carroças não chegam a 100 km/h. Quando sofremos algum acidente pelo caminho, somos nós que pagamos pelo conserto. Somos nós que ficamos feridos. Somos nós que morremos.

Ainda vivo,
Luiz Eduardo Farias