ELEMENTOS DE UNIPOLARIDADE E MULTIPOLARIDADE NO CENÁRIO INTERNACIONAL PÓS-GUERRA FRIA

Por José Luiz Araujo Dorea Junior | 16/04/2010 | História

ELEMENTOS DE UNIPOLARIDADE E MULTIPOLARIDADE NO CENÁRIO INTERNACIONAL PÓS-GUERRA FRIA

A queda do Muro de Berlim, em 1989, é o grande marco simbólico do fim da Guerra Fria, que representou a derrocada do modelo socialista soviético e a hegemonia do sistema capitalista, representada pelos Estados Unidos da América. Findo o período da rígida bipolaridade política, ideológica, militar e econômica que predominava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a agenda internacional se apresenta então sob um aspecto muito mais diversificado e complexo, não mais suscetível de apreciação pelos paradigmas teóricos então vigentes.
Despontando na década de 1990 como a superpotência que havia vencido a Guerra Fria, os Estados Unidos da América assegurariam sua hegemonia no cenário mundial. É um período de unipolaridade nas relações internacionais, caracterizado pela predominância dos princípios norte-americanos nas diversas searas da política global, engendrando o que o Presidente George Bush definira em um de seus discursos da época como a “Nova Ordem Mundial”.
No âmbito político, a Guerra do Golfo foi o grande evento que marcou o sistema internacional já no início dos anos 1990. A deflagração do conflito, que buscava conter a vertente expansionista de Sadam Hussein na região, contou com inédito consenso entre os membros das Nações Unidas, o que pareceria indicar que uma nova era então tinha início. Contudo, a expectativa de muitos analistas de que a política mundial a partir de então se pautaria pelo consenso entre as nações e pelo retorno à democracia foi aos poucos sendo frustrada, uma vez que a predominância norte-americana nessa seara consagrou-se, privilegiando como centro decisório a OTAN, em detrimento das Nações Unidas, como atestam as intervenções havidas para debelar as guerras civis decorrentes dos conflitos étnicos na ex-Iugoslávia.
A nova ordem econômica mundial é ditada, no referido período, pelos princípios neoliberais, que configuravam o que passou a se chamar de “Consenso de Washington”. Consequência de um processo que teve seu início na década de 1970, passava a reduzir-se o papel do Estado, sendo a economia mundial regida pelo capital especulativo de fluxo instantâneo e global, bem como pelo amplo poderio conferido aos conglomerados internacionais.
Apesar do caráter unipolar que caracterizava as relações internacionais no imediato cenário pós-Guerra Fria, paulatinamente surgiram novas discussões acerca de muitos temas da agenda internacional, com enfoques diversos para os debates em torno do meio ambiente, dos direitos humanos, da segurança e do desenvolvimento. Conferências como a do Meio Ambiente e Desenvolvimento (no Rio de Janeiro, em 1992) e Direitos Humanos (Viena, 1993) são exemplos candentes, no âmbito das Nações Unidas. No curso da década de 1990, também foi amplamente discutida a necessidade de reforma dessa instituição, buscando uma nova agenda que refletisse as reais necessidades de todos os seus membros, na busca do consenso que lhe renderia legitimidade.
Não obstante, a insistência norte-americana em proclamar-se o centro decisório do poder mundial, alijando a arena multilateral, foi geradora de forte descontentamento ao redor do planeta, fomentando ideologias extremistas que culminaram na tragédia dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. Naquela ocasião, estavam postas todas as condições necessárias para que o governo do presidente republicano George W. Bush lançasse a sua maniqueísta cruzada, conhecida como “Guerra ao Terror”. Poderiam os norte-americanos ainda arrogar-se o poder de ditar as regras da segurança mundial, unilateralmente, como há uma década o fizeram?
O argumento estadunidense para mais uma guerra em território iraquiano – a saber, a existência de armamentos de destruição em massa nesse território – foi veementemente refutado pelos especialistas das Nações Unidas. Tal fato foi determinante para que a cruzada norte americana não contasse com o respaldo das Nações Unidas. Consequentemente, o multilateralismo seria ignorado pelos Estados Unidos no referido conflito.
Entretanto, se no poderio bélico os norte-americanos ainda podem ostentar o título de única superpotência, nas outras diversas vertentes da política mundial o país não mais constitui o único centro decisório do poder mundial. Inaugura-se, segundo alguns analistas, um período de multipolaridade nas relações internacionais, em que há maior gama de atores com capacidade de poder decisório e significativo poder de barganha no cenário mundial. O novo sistema financeiro internacional, por exemplo, apresenta-se muito mais complexo e multifacetado, com a emergência de novos atores que, outrora tidos como periferias do sistema capitalista, hodiernamente dispõem de grande poder de barganha, por despontarem como relevantes interlocutores - como é o caso mais explícito da China e da Índia. A União Europeia, por sua vez, passou a afirmar-se como ator de grande peso, furtando-se a aceitar toda e qualquer iniciativa norte-americana, bem como defende com veemência uma configuração multipolar das relações internacionais. Sofre, todavia, da desigualdade entre seus membros, causa de crises internas, como presentemente se registra. Na América Latina, a frustração de grande parte de sua população pelas políticas neoliberais outrora adotadas traduz-se, nas últimas eleições, em que foram depostos do poder a quase totalidade dos partidos que desde o início da década de 1990 aderiram às diretrizes políticas e econômicas estadunidenses – cujo exemplo mais candente é a Iniciativa para as Américas, consubstanciada no projeto da ALCA.
O autor Samuel Huntington, famoso pelo polêmico livro “O Choque das Civilizações”, de 1993, recentemente teve um artigo publicado em que define a lógica do poder mundial como um cenário de “unimultipolaridade”, em que há um poder hegemônico, que são os Estados Unidos, mas esses não logram conferir unilateralmente o direito de agir segundo sua própria vontade, haja vista que porquanto não têm podido impor continuadamente o que desejam, sem reconhecerem a relevância da multipolaridade do cenário internacional. Tal conceito, contudo, apesar de não desfrutar de plena aceitação no âmbito acadêmico, tem sido de uso corrente entre políticos americanos e europeus.
Se a uns parece lícito afirmar que a multipolaridade suplantou a unipolaridade – ou ainda, conforme as palavras de Huntington, vivenciamos um cenário “unimultipolar”, não há pleno consenso. Apenas o tempo poderá nos conferir maior capacidade de análise. O que não se pode negar, indubitavelmente, é que a unipolaridade não mais pode ser tida como o panorama vigente do sistema internacional hodierno.