Elegância
Por Marco Aurélio Leite da Silva | 09/08/2008 | CrônicasNão é fácil conceituar-se elegância. Claro que não estamos interessados
em definições, até porque não haveria maiores problemas em reunir os
verbetes de alguns bons dicionários. Não. Refiro-me ao conceito em si,
aquela idéia que compõe a essência do que seja elegância. Observando
pessoas e condutas ditas elegantes, percebi que não se trata de riqueza
ou status social. Até mesmo dentre jogadores de futebol há os que são,
efetivamente , elegantes, em contrapartida aos que, e aqui entra outro
conceito, mais se afinam como boleiros. Alguém que tenha visto Falcão
jogando no auge da forma e da técnica compreenderá que o igualmente
talentoso Toninho Cerezo certamente não forma a seu lado no quesito
elegância. Curiosamente ambos tiveram o ápice das carreiras em um mesmo
tempo e local, jogando em uma mesma equipe, a seleção brasileira de
futebol. Falcão era elegante; Cerezo, bem, Cerezo era muito bom
jogador. Na verdade, ambos foram craques. Mas Falcão era de uma
elegância ímpar. Zinedine Zidane, creio eu, talvez tenha tido um brilho
de elegância parecido com o de Falcão. Mesmo com a cabeçada no
desbocado zagueiro da seleção italiana.
Mas, como disse, percebi que
não se trata de quanto dinheiro o sujeito tenha, nem da altura em
esteja na escala social. Tive oportunidade de observar, por anos, um
senhor negro já muito idoso que trabalhava como faxineiro na rodoviária
da cidadezinha em que vivi. Sem exceção, sempre que o via notava-lhe o
ar de serena seriedade. Os gestos eram largos e sem muita agitação. O
rodo passeava o pano pelo chão como que num ritual, sob o semblante
sóbrio daquele homem muito alto e já um pouco envergado. Nunca soube
sequer o seu nome. Mas jamais esquecerei a elegância com que
desempenhava o seu mister.
Um faxineiro... Sim, por que não?
Elegante como só ele. Por outro lado, vi engravatados que pareciam
sofrer de seus ternos um autêntico estupro, constantemente buscando
livrar-se do desconforto com que o tecido bem trabalhado roubava-lhe o
bem estar. A grande maioria das pessoas eqüidista do elegante faxineiro
e do desassossegado burocrata. De fato, assim como a grande maioria dos
jogadores não têm nem a elegância de Falcão, nem a irreverência de
Cerezo, muito menos o talento de um ou de outro.
Ainda mais
interessante é que o indivíduo pode ser elegante ou não,
independentemente da qualidade com que exerce sua profissão. Lembro-me
de militares que envergavam o fardamento como se tivessem nascido
dentro daquele disciplinado arranjo de cortes e dobras; no entanto, não
eram bons em nenhuma das atividades desempenhadas em serviço. Sem
dúvida havia os que só ficavam à vontade no fardamento de trabalho,
aquele bem rústico, de tecido grosso e com fortes costuras. Esses,
quando tinham que vestir as belas fardas destinadas a eventos
cerimoniais, pareciam o nosso burocrata estuprado, conquanto no campo,
em meio ao treinamento de maneabilidade, mostrassem-se exímios
combatentes.
Também aqui a grande maioria fica no meio termo. O
mundo não é feito de elegantes nem de desajeitados, assim como não se
compõe apenas de incompetentes e de peritos, sejam esses elegantes ou
não.
Mas voltemos ao tema proposto no início. Afinal, como poderíamos conceituar elegância?
Há
quem a confunda com a sofisticação que determinadas profissões ou
atividades, ou estudos, ou grupos sociais, enfim, que determinadas
pessoas exibem. Novamente alerto que não estamos preocupados com
definições de dicionário. A sofisticação que muitos exibem, na verdade
constitui uma desenfreada jactância do próprio ego. Curiosamente aqui o
fenômeno é diferente. Via de regra o elegante não precisa fazer esforço
algum para ser... elegante. Já o sofisticado, meu Deus... Vive o
sofrimento atroz de se colocar prisioneiro de uma infindável lista do
que pode e do que não pode, do que é e do que não é... elegante...
Podemos
dizer que a elegância traz sempre uma certa aura de sofisticação, eu
diria à revelia do que queira demonstrar o elegante; já o sofisticado,
conquanto reverencie arduamente a liturgia de uma pretensa elegância,
termina sempre parecendo apenas vítima de sua arrogante insegurança. O
nosso amigo sofisticado embriaga-se com o perfume de si mesmo,
maquiando o medo de não parecer importante; o nosso amigo elegante tem
uma indelével importância diante de todos, mesmo que não deseje ou
sequer chegue a perceber que foi notado.
Bom, acho que não vou tentar conceituar elegância. Seria, no mínimo, deselegante...