Ela e ele
Por Marco Antonio Guimarães Sarmento | 09/11/2021 | ContosEla e Ele
Eles finalmente se encontrariam depois de alguns dias do julgamento. Ele chegou para se sentar à cabine de visita da penitenciária quando ela já se encontrava sentada. Com a cabeça abaixada, ela percebeu sua presença pela engolida em seco que ele deu ao se sentar. Ainda de cabeça baixa, ela perguntou em tom melancólico:
― Por que, Walter? Qual a explicação para o que você fez?
― Bem...
― Não! É melhor não falar nada. O que você poderia dizer, afinal? Nada explicaria o que aconteceu. Agora você está aí e eu aqui.
― É...
― Já disse que não quero ouvir. Nada me fará aceitar o que você fez. Será que não entende? Eu confiei em você. Entreguei-me totalmente...
― Sim...
― Você recebeu de mim tudo o que eu poderia oferecer a um homem. Jamais esperava que retribuísse desse jeito.
― Mas...
― Eu não posso acreditar que você fez isso comigo, quer dizer, conosco.
― Bem, é que...
― Quão egoísta você foi. Só pensou em seus desejos, suas ambições.
― Eu não...
― É claro que é. Você não parou nenhum instante para pensar como eu ficaria depois da loucura que você fez. Você desprezou meus sentimentos. Não pensou na minha vergonha diante da sociedade.
― Eu sei...
― Você não podia ter feito isso comigo. Estou arrasada!
― Veja bem...
― Você era meu motorista. Confiei em você desde o início. Desde o momento em que te vi, senti que poderia confiar minha vida a você. Seu olhar me dizia que você nasceu para proteger as mulheres. Eu percebi todo o seu cuidado comigo. A maneira como abria a porta do carro, da casa... Ah, você sempre foi um gentleman. Um lord inglês. E o seu sorriso? Nunca foi o sorriso de um funcionário. Foi de um galã. Um Tony Ramos, um Antônio Fagundes... Ah, por que você foi me arrebatar com aquele sorriso diário a cada vez que abria a porta do carro, Walter? Por quê?
― Bem, eu...
― Você sempre demonstrou carinho e afeição por mim. Por isso é que depois de dois anos sem nenhum tipo de queixa ou decepção, resolvi responder à voz do meu coração e me deixei apaixonar por você, entregando-me a uma paixão absurda, porém, irresistível.
― É...
― Você me deu os melhores anos de minha vida, Walter. Nunca me senti tão amada. Nunca me senti tão feliz...
― Sim, eu...
― Entreguei tudo a você. Meu corpo e minha alma. Minha casa e meus mais profundos sentimentos. Minha vida. Simplesmente me dei a você.
― Bom, eu...
― Você prometeu pra mim que nunca me enganaria. Nunca me trairia a confiança, mas não cumpriu a palavra. E agora, eu estou aqui e você está aí.
― Desculpe, eu...
― E agora você não me tem mais ao seu lado. Eu acreditei em você, porém sua ambição o levou à loucura. Eu lhe dei dinheiro, roupas, carro, casa, tudo. Não consigo compreender por que você furtou aquele homem. E na minha loja! Que decepção, meu Deus!
― É que...
― Você me deixou péssima diante dos meus clientes, meus parentes, meus sócios, enfim, diante do país. Você se esqueceu de que sou uma empresária de renome nacional?
― Sim, eu...
― Meu nome está manchado para sempre na memória das pessoas. Somente daqui a algumas gerações é que não falarão mais no assunto. Você cometeu um crime, mas eu é que sofri toda a vergonha.
― É...
― Então, no dia do seu julgamento, não tive outra escolha. Você não me deixou outra alternativa na hora de testemunhar...
― Eu sei, mas...
― Então a conversa está encerrada! Eu não quero mais ouvir você. Levante-se, enxugue essa lágrima e vá embora, mas não se esqueça de, na próxima vez, me trazer um sabonete novo que o daqui já está acabando.