"Eis que é a pátria"

Por Francisco Urbano Alves | 13/11/2010 | História

"Eis que é a pátria": Patriotismo e nacionalismo na construção da identidade do Norte Rio-Grandense durante o conflito com o Paraguai.
Francisco Urbano Alves
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

RESUMO
A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado da América Latina, este conflito geraria enormes demandas que seriam sentidas em várias esferas sociais, políticas e econômica, bem como interpelaria de forma significativa no cotidiano, neste presente artigo destaco as ingerências que foram surgindo durante o conflito na província do Rio Grande do Norte, ocasionando um singular sistema de poderes que vão sendo inflamados e agravados com o desenrolar do conflito. Trato ainda da construção e fortalecimento da identidade nacional perante o fortalecimento do discurso de patriotismo, as elites locais perceberam-se incapazes de sozinhas levantarem todo o esforço de guerra, e sendo, assim, era necessário incorporar classes que antes eram excluídas ou até mesmo temidas, a classe popular, contribuiria de forma significativa para a construção e formação do nacionalismo brasileiro.

Palavras ? Chave: Cotidiano; Província do Rio Grande do Norte; Nacionalismo.


A província do Rio Grande do Norte em 1870 tinha população de cerca de 263.000 habitantes, dos quais guardadas as proporções dos anos de diferença, havia em 1864, 23 mil escravos , ou seja, 11.4 % da população, um número baixo, se considerarmos o quanto a prática escravista era adotada pelas províncias que ficavam no sul e sudeste do país. A manutenção da escravidão segue também a manutenção de uma economia que se julgava estarem dando frutos, bem como, a exportação de produtos agrários, estes que eram bases do período colonial.
Mesmo a província não estando apta a concorrência com grandes centros escravistas, que empreendiam seus escravos nas lavouras de café ou em minas em busca de metais preciosos, o trabalho escravo era em sua maioria doméstico ou em engenhos do litoral, em menor escala do que os trabalhos que eram ocupados por mão-de-obra livre, em regime de meação ou parceria nas lavouras do cultivo do algodão, que figurava como principal produto da província .
A província era dividida em 22 municípios, que tinha um "cidadão" nomeado que os presidia, eram normalmente nomeados pela sua força local e interesses conexos com o imperador e a conjuntura política nacional.
Os presidentes tinham de remeter em suas gestões relatórios e sugestões, e apresentá-los por vezes na assembléia legislativa provincial, para que assim fossem enviados ao monarca, contendo o seu "olhar" sobre a situação que ajudasse a manter coesa a nação, de modo que, se fazia necessário fornecer nos relatórios grande gama de informações, mesmo que não fossem periódicos serviam como "termômetro" sobre as questões inerentes a província, bem como da forma de agir do monarca e dos presidentes provinciais.
Desta forma com o advento da guerra em dezembro de 1864, era possível centralizar mais ainda as ações de guerra. E por isso tornaram-se freqüentes confecções de relatórios que deviam ser enviados ao monarca, ocorrendo freqüentemente menções nos relatórios sobre a guerra iniciada naquele ano. Do ano de 1864 a 1870 a província do Rio Grande do Norte foi presidida por 11 cidadãos, e sendo confeccionados oito relatórios, com os seguintes presidentes:

TABELA I
Presidentes Gestão Data do relatório Visão política
Olintho José Meira 1863 a 21 e Agosto de 1866 13 de junho de 1864 Liberal e ligueiro
Olintho José Meira 1863 a 21 e Agosto de 1866 15 de outubro de 1865 Liberal e ligueiro
Olintho José Meira 1863 a 21 e Agosto de 1866 21 de agosto de 1866 Liberal e ligueiro
Luiz Barboza da Silva 21/8/1866 a 25/4/1867 01 de outubro 1866 Liberal
Luiz Barbosa da Silva 21/8/1866 a 25/4/1867 25 de abril de 1867 Liberal
Gustavo Adolfo de Sá 13/5/1867 a 29/7/1868 23 de maio de 1867 Liberal
Gustavo Adolfo de Sá 13/5/1867 a 29/7/1868 17 de fevereiro de 1868 Liberal
Pedro de Barros Cavalcante de Albuquerque 12/4 de 1869 a 19/2/1870 17 de Fevereiro de 1870 Conservador
Tabela dos presidentes de províncias que remeteram falas e/ou relatórios .

Nacionalmente, o sistema de clientela e patronagem eram ainda muito fortes. Desde o período colonial estas práticas vinham ganhando força e maiores adeptos, com o aumento da complexidade da economia perante os avanços da década de 1850 e, sobretudo com o abrupto cessar de escravos vindos da África com o bloqueio do tráfico, que foi imposto ao Brasil pela Inglaterra, estas práticas tornaram-se ainda mais perceptíveis. Mas, no entanto, foi em ares de Guerra que esta prática tornou-se parte imperativa no conjunto de relações sociais presentes em cada província, estas relações eram permeadas e modificadas pelos conflitos que se formaram em decorrência da guerra, que foram intensificados pelas instituições e decretos criados pelo poder central, a fim de aumentar a participação com efetivo populacional de todas as províncias do império.
Nestas circunstâncias o presidente de província necessitava de grande habilidade para lhe dar com interesses de autoridades locais ? coronéis, alguns funcionários públicos, parte da burguesia ? que compunham as elites, com os altos interesses nacionais, que tinham por objetivo o maior respaldo de suas províncias quanto as suas pretensões, o que invariavelmente não era compatível com o desejo local. Estes jogos de poder se configuram de forma clara em fala do presidente José Olintho Meira, usando destas palavras para explicar os jogos de poder local:

Era preciso através de todas as dificuldades auxiliar o governo remetendo-lhe valiosos contingentes, e ao mesmo tempo ouvir atentamente a um sem numero de indivíduos, que alegavam isenção para si ou para os seus, afim de não faltar-lhes com a justiça devida; era preciso combinar, mais do que nunca a severidade com a brandura, combinação difícil e indispensável a quem governa e adoçar finalmente as amarguras do pesado tributo de sangue convencendo antes do que impondo[...[ fiz neste sentido quanto esteve em minhas forças: empenhei-me o mais possível para conciliar os altos interesses do estado com os interesses particulares dos cidadãos e das finanças da província, cuja a principal fonte de riqueza é a lavoura. (Grifo meu)

Quanto ao recrutamento existia um confuso sistema de isenção, as pessoas que "alegavam isenção para si ou para os seus" não eram bem definidas, permitindo algumas "mudanças" provocadas pela indulgência ou simples vontade das elites, este sistema era nacionalmente colocado desta forma: "guardas nacionais, e, entre outros, empregados públicos, comerciários, arrimos de família, funcionários dos telégrafos e religiosos" Todos estes eram isentos de servir ao exército. Na província do Rio Grande do Norte, algumas pessoas isentavam-se mediante pagamento de uma quantia em dinheiro, que servia como contribuição para os negócios da guerra. Há nos relatórios do presidente Luiz Barbosa Silva, uma lista de "doadores"; tomemos como exemplo o caso de um capitão da guarda nacional que doou a quantia de1: 500$ (um conto e quinhentos mil réis) por si, três genros e um neto, cumprindo assim com os seus deveres de patriotas, não necessitando de irem à guerra. Práticas assim tornaram-se comuns, sobretudo a partir de 1868, quando as isenções colocadas acima foram sendo gradativamente suprimidas à medida que crescia a necessidade de urgência no recrutamento.
A criação dos Corpos de voluntários, o recrutamento da Guarda Nacional, bem como o decreto que instaurou o recrutamento "indiscriminado", gerou demandas ainda maiores quanto ao poder local, que foram supridas de várias maneiras, visando manutenção do seu poderio, foram criados "meios" para que os decretos e instituições imperiais não os atingissem como o restante da população. O recrutamento de guardas nacionais estava previsto por decreto, interferindo, assim, em um habitat natural dos coronéis, pois a Guarda Nacional a muito se tornara um tipo de "polícia do coronel", serviam antes de tudo para manter a segurança dos grandes latifúndios, e dos próprios coronéis, e até mesmo na hora de serem convocados para o serviço passavam pela aprovação dos chefes locais. O historiador Fabio André da Silva Morais ressalta o quão significativo este processo foi na conjuntura da época:

O estado imperial passou a interferir em zonas delicadas de poder; ou seja, ampliar o recrutamento significou adentrar nas áreas de influencias e domínio dos potentados locais. Nesse sentido, o sucesso do esforço de guerra exigia uma complexa negociação entre as partes, o que não ocorria necessariamente de forma pacífica .

A necessidade de recrutar gerou outra demanda aos chefes locais, pois a riqueza de suas terras dependia do empreendimento de força de trabalho, como fora citado acima este trabalho era em sua maioria empreendido em nossa província, em regime de meação ou de parceria, por isso necessitavam de grandes contingentes populacionais, que se tornaram possíveis de recrutamento, forçando coronéis ao uso de práticas que se tornaram recorrentes, como a indicação para o recrutamento de pessoas que participavam da oposição política, em sua maioria políticos da ala radical do partido conservador, unindo, dessa forma, a desarticulação de opositores e manutenção da produtividade de suas terras ao dever de patriota que lhes conferiam, ao remeter-lhes recrutados para o serviço de Guerra .
Faz-se necessário, contudo, uma reflexão quanto aos participantes destes imbróglios existentes em âmbito provincial, é importante lembrarmos que algumas destas práticas de clientelagem e patronagem a muito faziam parte do nosso singular sistema de relações sociais, e desta maneira, era "implícito" para os presidentes de províncias que o poder local necessitava de "dispositivos" que foram sendo criados dependendo de suas necessidades, e, sendo assim, o presidente estava em meio de um "jogo de interesses", onde ele próprio apostava alto, pois também tinha os seus interesses em jogo, devendo agir com extrema cautela, sempre correndo o risco de ter seus interesses sobrepostos, contudo, a manutenção de um discurso conciliador entre os poderes local e nacional, incorre não só em um modo de não fazer frente a esses poderes mediante o confronto, mas, na maquiagem quanto da condição de "apostador" para a condição de fomentador do bem maior, o bem da nação. Mas em meio a tantos conflitos nacionais e locais e, mais ainda o período de guerra, entre outros condicionantes, o que era visto como nação? Como era configurado o ideal de nação nessa época?
O historiador Eric Hobsbawm ao refletir sobre os processos de construção de nações e nacionalismos na Europa nos alerta para o período em que fora circunscrito, entre 1848 a 1870, bem como faz uma reflexiva síntese sobre o período:

Sobre o que girava a política internacional entre os anos de 1848 a 1870? A historiografia tradicional ocidental tem pouca duvida a este respeito: era sobre a criação de uma Europa de nações-estados. Talvez haja considerável duvida sobre a relação entre esta faceta da era e outras que estavam evidentemente em conexão com ela, tais como o progresso econômico, liberalismo, talvez ate democracia, mas nenhum sobre o papel central da nacionalidade .

Desde 1848, com a "primavera dos povos", o princípio de nacionalidade da Europa foi ganhando maiores definições, antes de tudo estas revoluções das massas fora, claramente, uma afirmação de nacionalidades, que se viam amalgamada de povos e questões distintas. Mesmo que a revolução tenha sido fracassada ? a eminência deste fracasso se fazia presente desde o início das revoluções ?, todas as políticas européias nos vinte e cinco anos subseqüentes estariam ainda permeadas pelas mesmas aspirações .
Os movimentos avassaladores de derrubada dos governos despóticos por toda a Europa tiveram repercussão nos mais longínquos lugares do globo, refletindo inclusive no Brasil, com a insurreição pernambucana . Mas, o governo central agiu de forma rápida no sentido de conter em todos os aspectos estes movimentos, como já vimos a participação popular em qualquer que fosse a esfera social e política era evitada ou até mesmo temida, estes campos de atuação deveria ser composta indubitavelmente pela elite, que demandava formas de contensão de qualquer tentativa de mudanças quanto a esse quadro. Nestas proporções o papel da nacionalidade brasileira nunca fora posta à prova, tampouco havido algum interesse da elite em perpetrar sob as massas, ideologias nacionais.
Na Europa a afirmação de soberania tornara-se essencial para este processo de construção das nações, dessa maneira a partir de 1848 foram sendo unificados e criados vários estados soberanos. No Brasil a independência e sua soberania fora conseguida em 1822, como fala Dom Pedro em manifesto de agosto daquele ano: Acordemos, pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso império, está dado o grande passo da vossa independência [...] Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações independentes . Contudo, não tinha sido conquistada por força de uma ativa interferência popular, salve alguns casos específicos onde houve algumas manifestações em apoio à independência , fora concebida ainda sob forte cunho elitista, fomentadora da manutenção das bases coloniais. Mantendo as bases coloniais, as elites tinham em mente a manutenção dos seus privilégios, sobretudo para os portugueses que viam nesta a consolidação de suas práticas quanto a concessões de regalias e títulos.
Nestas condições surge uma ingerência quanto a essas bases coloniais, o pacto colonial mesmo tendo sido quebrado, ainda deixava algumas desconfianças, com a participação efetiva dos portugueses no comércio e na elite em geral, essa desconfiança aumentava na medida em que concessões eram mantidas para suprirem as necessidades do comércio gerenciando pelos portugueses. Sendo assim, cresce no seio brasileiro uma pretensa aversão aos portugueses, matizada pela aversão ao pacto colonial. O nacionalismo, desta forma estava enraizado mais como uma aversão ao português do que a afirmação de uma identidade nacional, sendo assim o nacionalismo brasileiro era concebido, "sobretudo sob a forma de um antiportuguesismo generalizado. Apesar de elementos de origem portuguesa participarem dos movimentos revolucionários" :

Um embrião de sentimento nacional pode ser encontrado apenas nos freqüentes e muitas vezes violentos conflitos entre brasileiros e portugueses, ocorridos em todo o Brasil, particularmente a partir de 1821 e durante todo o primeiro reinado e o período regencial. Gladys Ribeiro, no trabalho citado, defende que estes conflitos constituíram um dos eixos centrais de formação da identidade nacional no Império, ao se produzir, neste processo cotidiano de lutas e de experiências compartilhadas, a oposição entre o "ser brasileiro" e o "ser português" .


Este processo é bem elucidado, pelas variantes e condicionantes do procedimento de independência brasileiro, onde há muito vinha sendo subjugado pelo pacto colonial, que minara o fortalecimento de algum sentimento nacionalista, contudo, a ruptura deste pacto, bem como os conflitos contra os portugueses mantinha uma unidade de sentimentos, a aversão aos portugueses além de um desdobramento do pacto colonial, seria também o elemento integrador e fomentador de um início de nacionalismo.

O critério histórico de nacionalidade implicava, portanto a importância decisiva das instituições e da cultura das classes dominantes ou elites de educação elevada, supondo-as identificadas, ou pelo menos não muito obviamente incompatíveis, com o povo comum. Mas o argumento ideológico para o nacionalismo era bem diferente e muito mais radical, democrático e revolucionário. Apoiava-se no fato de que, o que fosse que a história ou a cultura pudessem dizer, os irlandeses eram irlandeses e não ingleses, os tchecos eram tchecos e não alemães (...). E nenhum povo deveria ser explorado ou dirigido por outro .

Dentre várias situações que se tornam singular quando aplicadas ao Brasil e, mais ainda quando aplicadas às províncias, talvez a que mais se adeqüei a essa máxima, é a implantação do critério histórico de nacionalidade. O império se encarregou de manter coeso o seu território e suas instituições, a partir da necessidade de se manter íntegro ao jugo Português e/ou movimentos separatistas, permanecendo em segundo plano a consolidação de ideal nacionalista, nestes termos a segurança do território se fazia de cabal necessidade.
Fez-se o movimento inverso, em vez de firmar uma nacionalidade a partir de novas instituições que legitimassem e consolidassem uma territorialidade adquirida com a independência, foi firmada a independência a partir da consolidação de uma territorialidade, onde não havia uma nacionalidade forte, que os ligassem, o império ainda constataria que a particularidade deste processo seria justamente o "fio condutor" de várias revoltas separatistas, que se seguiram durante todo o império. A unidade do território brasileiro seria mantida, menos em virtude de um forte ideal nacionalista e mais pela necessidade de manter o território íntegro, a fim de assegurar a sobrevivência e a consolidação da independência .
Este imbróglio condicionou a permanência da concepção de nacionalidade e patriotismo, ligado ao xenofobismo, este cenário permaneceria sem muitas alterações durante o primeiro reinado e boa parte do segundo. Não obstante a invasão imposta pelos paraguaios ao território brasileiro por meio da província do Mato Grosso, incrementou uma nova concepção de patriotismo e nacionalismo, pois a manutenção da unidade do território já não estava ligada apenas ao xenofobismo casuísta, estava permeada pela defesa deste em detrimento de invasores. O discurso que foi posto durante a invasão do território brasileiro, era que não fora invadido uma única província, mas, a unidade que se constituira como o império como um todo, e que necessariamente a "casa" dos brasileiros fora violada por um inimigo de "fora", que violara não só o território, mas, o brio e orgulho de cada morador desta "casa".
Nestas proporções o nacionalismo fora ligado a defesa de sua unidade, que recaia sobre a gerência de cada província, a invasão do território brasileiro, invocara e/ou ferira sentimentos nunca antes tão fortes, como nos mostra o presidente Luiz Barboza da Silva:

Essa garantia, essa proteção de todos para cada um, que resulta do conjunto das instituições juradas; a segurança individual e de propriedade que cada qual encontra para si e garante por sua vez a seus concidadãos, a tranqüilidade pública que daí resulta, e a certeza de que nossa língua, nossos costumes e nossa religião, serão sempre as arcas sagradas, que piamente havemos de transmitir a nossos netos a nossa própria memória e o engrandecimento que lhe tivermos dado, eis que é a pátria

Percebe-se que este discurso passara do critério histórico para a consolidação do argumento ideológico, e na província do Rio Grande do Norte a importância da manutenção das "arcas sagradas" como: costumes, língua, religião e das tradições, bem como a propriedade individual, enraizada com a manutenção do poderio da elite local, fazia parte de um ideário que necessitava passar a um estágio à frente, as elites não poderiam sozinhas suprir a defesa do País, bem como, a construção da nação, a situação de guerra e, a consolidação de um inimigo em comum tornara possível a integração de um elemento até então suprimida e temida; a participação popular em massa; Segundo Hobsbawm

Por razões óbvias, as camadas mais tradicionais, atrasadas ou pobres de cada povo eram as últimas a serem envolvidas em tais movimentos: trabalhadores, empregados e camponeses, que seguiam o caminho traçado pela "bem educada" elite. A fase do nacionalismo de massa, que vinha normalmente sob a influência de organizações da camada média de nacionalistas (...) estava de alguma forma relacionada com desenvolvimento econômico e político .

A guerra acelerou este processo, da mesma forma que os liberais não tinham em mente um projeto que contemplasse uma guerra, as elites nacionais e locais não tinham capacidade para manobrarem sem o uso do artifício das massas, e somente com a guerra, ficaria evidente que o discurso do patriotismo amalgamava-se com a integração de províncias com o império como todo. Antes da guerra era inerente a toda província os seus regionalismos. Na província do Rio Grande do Norte esta faceta não seria diferente, os fortes regionalismos, enraizados na clientelagem e patronagem, continuavam a ser ativos, no entanto, com a entrada em cena de novos elementos, como a participação popular, os "poderes locais" viram que ligar a defesa de sua nação a defesa de suas terras e riquezas, teria de perpassar pela fortificação do discurso do patriotismo, para um morador rio-grandense nada seria mais patriótico do que dar a sua vida em defesa dos interesses maiores da nação.
O presidente da província Luiz Barbosa da silva, elucida bem a questão local e os sentimentos patrióticos nacionais, temendo, no entanto, que os brios nacionais ultrapassem os locais: Não me dirijo, portanto só ao vosso sentimento e aos vossos brios ofendidos e ultrajados, falo também aos vossos interesses ameaçados.
Não confundamos, no entanto, patriotismo com nacionalismo, o primeiro surge como artifício fomentador para a construção do segundo. Mesmo assim, muitas vezes os presidentes da província Norte Rio-grandense usam de termos em seus relatórios que não os diferenciam totalmente, bem como alimentam o amalgama dos dois em um só. Patriotismo, sobretudo nos anos iniciais da guerra se confundira com a defesa dos ideais liberais e regionais da província, desta forma o fim da guerra consistiria de um meio de consolidar e/ou legitimar as instituições liberais e a volta ao progresso; o deputado Amaro bezerra Cavalcanti em ofício demonstra este amálgama:

Assim o tenha Deus decretado, e a guerra estará finda, os brios de nossa pátria vingados, os nossos mais santos interesses de nação livre e independente, e de sociedade civilizada, garantidos e seguros, para podermos seguir ovantes na senda do progresso e da felicidade individual e social .

Estes conceitos ainda não estavam bem definidos na época, sendo difícil separar alguns interesses provinciais de interesses imperiais, sendo assim, a nação muitas vezes era confundida com a ideologia liberal, bem como com a manutenção dos potentados locais, sendo necessário o fim do conflito para que se pudesse voltar ao ativo progresso que acreditavam existir antes do conflito, creditavam ao fim do conflito a volta da "felicidade individual e social".
O aparecimento de um inimigo em comum expurgou sentimentos separatistas, aproximou as províncias que antes pareciam distantes, bem como integrou os sentimentos nacionais. Durante o conflito não haveria distinção de classes ? pelo menos no discurso ?, pobres, escravos, criminosos, nobres, e poderosos chefes locais, todos ergueram o seu orgulho pela nação e mostraram o quanto eram patriotas:

Nem a independência nem os acontecimentos subseqüentes tiveram êxito em desenvolver um sentimento profundo de identidade nacional (esboçada apenas na xenofobia manifesta, sobretudo, em relação a portugueses e ingleses), José Murilo de Carvalho destacou a Guerra do Paraguai como o fator mais importante na construção da identidade brasileira no século XIX, superando inclusive, mais tarde, a proclamação da República. Da mesma forma, Ricardo Salles enfatizou a forte impressão cívica marcada pela Guerra na vida de todos aqueles segmentos populares (livres e, até então, escravos) que, a despeito de sua posição social marginalizada, participaram das lutas em defesa da pátria ameaçada. A guerra agitou o país, constituindo-se como elemento integrador e, despertando um sentimento patriótico nunca visto antes em escala nacional.

Este patriotismo, no entanto, guardara algumas especificidades, o acréscimo das massas que fora essencial para o combate ao inimigo, gerara também os seus conflitos inerentes ao processo político e econômico da província, e nada afetaria tanto a província do Rio Grande do Norte quanto o artifício usado para a integração das massas (o recrutamento, tanto voluntário quanto coercitivo). A Guerra gerara demandas extraordinárias quanto ao efetivo populacional, e para que pudessem suprir estas demandas, os discursos patrióticos seria uma poderosa arma. A história nos mostrara que adição de massas populacionais quanto à gerência de um conflito, acarretaria algum tipo de sacrifício, este pareceria alto demais. A oportunidade de defender a pátria viria incrementada de um preço, que seria cobrado permanentemente desde cedo.

NOTAS
1 BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: idéias e práticas no Rio Grande do Norte. EDUFRN. 2002. P. 33.
2 Id. P.33-34
3 Dados retirados dos relatórios dos presidentes de província e do livro O Rio Grande do Norte na Guerra do Paraguai, do autor Adauto Miranda Raposo da Camara.
4 DORATIOTO, Francisco Monteoliva. Maldita Guerra: Nova história da guerra do Paraguai. São Paulo. Companhia das Letras. 2002. P. 20
5 MORAIS, Fábio André da Silva. "Às armas cearenses, é justa a guerra": a mobilização para a guerra contra o Paraguai na Província do Ceará. IN: Revista do Arquivo Público do Estado do Ceará. 2008. P. 82
6 Ver DORATIOTO, Francisco Montolivo. Op. Cit. (2002) IZECKSONH, Victor. Recrutamento militar no Rio de Janeiro durante a guerra do Paraguai. IN. Nova história brasileira. Celso Castro (ET. Ali). Rio de Janeiro; FGV, 2004
7 HOBSBAWM. Eric J. "A construção das nações". In: A era do Capital ? 1848 ? 1875, 4ª Ed. Paz e Terra, 2003. P.101.
8 Id. P. 101 ? 102
9 Ver BASILE, Marcello Otávio N. de C. O império Brasileiro: Panorama Político. In: História Geral do Brasil. Maria Yedda Linhares (org). 9 ed. Rio de Janeiro. Elsevier. 1990..
10 Id. P.202.
11 O autor Marcello Otávio Basile em texto intitulado de O império Brasileiro: Panorama Político destaca que "inúmeros movimentos em conjunto do povo e tropa (como se dizia na época) ou de um ou outro destes segmentos em específico, ocorreram, sobretudo nas cidades, entre 1821 e 1823, em praticamente todas as províncias brasileiras, principalmente no Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia, mas também, entre outros, no Rio Grande do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais e mesmo no Rio de Janeiro. Além disso, verificou-se um número muito maior de pequenas manifestações de rua, envolvendo quase sempre brasileiros e portugueses".
12 COSTA, Emília Viotti. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo. UNESP 1999. P.33
13 BASILE, Marcello Otávio N, de C. Op. Cit. P.308
14 HOBSBAWM, Eric J. "A construção das nações". Op. Cit. P.104.
15 COSTA, Emília Viotti. Op. Cit. P.33
16 Relatório do presidente de província Luiz Barbosa da Silva.
17 HOBSBAWM, Eric J. A era do Capital Op. Cit. P.109
18 Relatório do Presidente de Província Luiz Barbosa da Silva.
19Ofício enviado pelo coronel e deputado Amaro bezerra Cavalcanti à câmara legislativa provincial, do ano de 1867, que foi anexado ao relatório do presidente de província Luiz Barbosa da Silva, datado do mesmo ano.
20 Apud BASILE, Marcello Otávio N. de C. Op. Cit. P.262-263