EFICÁCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 EM RELAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO...

Por Francine Fabrício dos Santos | 05/09/2016 | Direito

EFICÁCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 EM RELAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

RESUMO

O presente trabalho objetiva abordar as súmulas vinculantes, introduzidas pela Emenda Constitucional 45/2004 no ordenamento jurídico brasileiro. O tema apresenta profundas discussões doutrinárias em relação à eficácia do seu efeito vinculante perante a Administração Pública e o Estado Democrático de Direito. Recentemente, com a edição da súmula vinculante nº 11, o Supremo Tribunal Federal determinou a excepcionalidade no uso de algemas, trazendo novas controvérsias no âmbito jurídico, visto o teor abrangente apresentado na redação sumular, envolvendo direitos e garantias constitucionais. Na referida súmula, criaram-se diversas responsabilidades e obrigações àqueles que utilizam o instrumento milenar, inclusive com consequências processuais e de responsabilidade por parte da Administração. Desta feita, pretende-se destacar as irregularidades existentes na edição da súmula vinculante nº 11, bem como a afronta aos Princípios da Isonomia, do Estado Democrático de Direito, e da separação dos poderes.

  • INTRODUÇÃO

Através da Reforma Judiciária ocorrida com a Emenda Constitucional 45, em 30 de dezembro de 2004, inovações foram trazidas no âmbito processual. Dentre as referidas inovações, surgiram as súmulas vinculantes, conforme disposto no artigo 103-A da Constituição Federal.

Desde a sua introdução no ordenamento jurídico, a súmula vinculante sofreu diversas críticas, como por exemplo, o engessamento da jurisdição do ordenamento pátrio. Analisar as súmulas vinculantes é aprofundar-se em questões ainda controversas, visto que no Brasil não há uma cultura de respeito e aderência às súmulas vinculantes, gerando incerteza quanto a sua aplicação.

O objetivo das súmulas vinculantes é proporcionar maior celeridade e diminuir a quantidade de processos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, garantindo, todavia, o acesso a justiça. Neste sentido, enfrentam-se profundas discussões doutrinárias quanto à sua real eficácia na solução célere dos processos e quanto à sua possível violação de direitos, princípios e garantias constitucionais no Estado Democrático de Direito.

Destarte, foi neste contexto que durante o ano de 2008 as primeiras súmulas vinculantes foram editadas. Dentre elas, destaca-se a súmula vinculante nº 11, a qual prevê excepcionalidade no uso de algemas, buscando evitar recorrentes abusos e constrangimentos ao indivíduo preso, visto que deste ato poderá implicar na responsabilidade civil, penal e administrativa do agente responsável, ou até mesmo, na nulidade da prisão.

Em virtude desta decisão tomada pela Suprema Corte, inúmeros questionamentos referentes à segurança e a sua eficácia perante a Administração Pública vieram à discussão. Dessa forma, buscar-se-á analisar os fundamentos legais que serviram de base para edição da referida súmula, assim como as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais acerca das matérias envolvidas.

Este trabalho tem por escopo abordar inicialmente a reforma do Poder Judiciário e os requisitos necessários à edição de uma súmula vinculante, iniciando-se pelo apanhado histórico do efeito vinculante no ordenamento jurídico, para, em segundo momento aprofundar o estudo a que este trabalho é voltado, ou seja, analisar a edição da súmula vinculante nº 11, as matérias envolvidas, bem como os pontos negativos da sua edição, considerando a relevância social, seus efeitos à Administração Pública e aos operadores do direito quando do julgamento da referida matéria.

  • A REFORMA DO JUDICIÁRIO E AS SÚMULAS VINCULANTES

Os conflitos entre as pessoas existem desde que o homem passou a viver em sociedade. Nos primórdios, os conflitos intersubjetivos eram solucionados pelas próprias pessoas envolvidas, preponderando o chamado regime da autotutela[1], caracterizado pela imposição da decisão de uma das partes à outra.

Contudo, em determinado momento histórico, o Estado avocou para si a atividade de composição dos conflitos. Desde então, o Estado passou a solucionar as lides, impondo suas decisões sobre os indivíduos, com vista à obtenção da almejada paz social.

Desta forma, desenvolveu-se uma função peculiar denominada de jurisdicional. A jurisdição, conforme Orlandos Soares, “é aquela inerente ao Poder Judiciário, consistindo em tornar efetiva (...) a tutela jurídica, dirimindo controvérsias e protegendo direitos individuais, aplicando a norma abstrata aos casos concretos” [2].

O Poder Judiciário, ao desempenhar a sua função, sofreu profundas transformações ao longo da sua existência. Uma grande modificação ocorreu, por exemplo, com a Constituição Federal de 1988, a qual democratizou sobremaneira a federação. 

A República Federativa do Brasil, formada pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal, regido pela Carta Magna e constituído em um Estado Democrático de Direito, possui como principal fundamento a dignidade da Pessoa Humana. Nas palavras de José Afonso da Silva[3], sobre a caracterização do Estado Democrático de Direito:

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício. [...]

O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. 

O Estado Democrático de Direito consagra como direitos e garantias constitucionais, dentre outros, o acesso à justiça, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

O direito à jurisdição se desenvolve em três momentos: primeiramente, deve-se existir a possibilidade de se ter o acesso à justiça; em um segundo momento deve-se haver a eficácia da resposta, ou seja, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação e a existência de um devido processo legal; e, finalmente, a efetividade da decisão, qual seja, o seu cumprimento. 

Segundo Fazzalari, processo “é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor não possa obliterar as suas atividades” [4]. E, ainda, acrescenta que: 

A legitimação para agir no processo se baseia no provimento jurisdicional que se originará do referido processo, e, por conseqüência, é com base no provimento jurisdicional que se define quem serão as partes no processo, pois são elas as responsáveis pela realização dos atos relativos à garantia do contraditório. Assim, para se definir quem serão as partes em um processo, em concreto, deve-se analisar o provimento jurisdicional requerido e os sujeitos que serão afetados pelo respectivo provimento.[5] 

O devido processo legal, garantido constitucionalmente, é uma base principiológica unitária, presente em qualquer processo, na qual se desenvolverá. É nessa base que se encontram o contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões.

Fazzalari, citado por Gonçalves, explicita o que se entende por contraditório. “O contraditório é a igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei” [6]. A ampla defesa é a larga argumentação realizada pelas partes afetadas pela decisão, de produzir provas necessárias a sua defesa. A fundamentação das decisões proferidas é a garantia de que o processo se realizou nos moldes prescritos pela Constituição Federal.

Não obstante, a positivação dos direitos e garantias constitucionais pela Constituição Federal não foram suficientes para a efetivação do acesso à justiça. Relacionado a esta reiterada insatisfação, outros motivos também contribuíram para uma reforma no texto constitucional. 

Primeiramente, óbices econômicos, visto que cidadãos carentes de recursos, não conseguiam custear as despesas de um processo, ficando impedidos de obterem a solução de seus conflitos pela atividade jurisdicional.

Outro fator impulsionador consiste na tutela dos direitos transindividuais. Notava-se, que nem todos os interesses e posições jurídicas de vantagens eram passíveis de proteção por meio da atividade jurisdicional. Os direitos que extrapolavam a esfera individual não contemplavam mecanismo para a sua respectiva tutela jurisdicional. Assim, os direitos transindividuais, coletivos e difusos, cuja conceituação encontra-se prevista no parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90[7], não contavam com instrumentos na legislação que permitissem a sua plena defesa.

Vencidos os óbices econômicos e a tutela dos direitos transindividuais, ainda apresentava-se intercorrente outro relevante motivo, a insatisfação ostensiva dos jurisdicionados quanto ao processo judicial. O extensivo lapso temporal e a morosidade processual implicaram em denegação da justiça.

Desta forma, neste contexto que foram buscadas as premissas hermenêuticas da emenda à reforma do Judiciário.

Quanto ao conceito e motivos para reformar o texto constitucional, objetivos são os ensinamentos de Gisela Maria Bester.

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