EDUCAÇÃO SUPERIOR: UM DIREITO SOCIAL MALOGRADO
Por NEURISANGELA MAURICIO DOS SANTOS MIRANDA | 14/08/2009 | EducaçãoNeurisângela Maurício dos Santos1
RESUMO: Fazer brotar discussões no âmago da problemática da Educação Superior que se deu e ainda se dá no Brasil faz-se o epicentro desse desígnio, onde aborda-se as ideologias historicamente construídas e disseminadas por todo o mundo, cujos reflexos têm malogrado esse nosso direito social, impedindo de visualizarmos um futuro mais democrático, mais equânime e mais significativo no âmbito das universidades brasileiras. Uma perspectiva possível desde que todos os envolvidos com a educação assumam seu tempo com liberdade, autonomia e compromisso.
Palavras-chave: educação superior – ideologias – história – futuro – direito social – malogro.
ABSTRACT :
SUPERIOR EDUCATION: A SPOILED SOCIAL RIGHT
To do to sprout discussions in the pulp of the problem of the Superior Education that felt and he/she still feels in Brazil it is made the epicenter of that design, where it is approached the ideologies historically built and disseminated by everyone, whose reflexes have been spoiling our social right, impeding of we visualize a future more democratic, more even and more significant in the ambit of the Brazilian universities. A possible perspective since all involved them with the education they assume your time with freedom, autonomy and commitment.
Key-words: superior education - ideologies - history - future - social right - failure.
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1 . Graduada em Pedagogia (UNEB-BA); Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Faculdade de Guanambi - Ba); Professora da Rede Pública (Municipal e estadual) e Particular de Ensino da cidade de Palmas de Monte Alto - Ba.
1. Considerações Introdutórias
Academia não é casa de misericórdia para atender desvalido (...) o que interessa para a sociedade não é a salvação dos medíocres, para que todos também o sejam, mas a emergência da excelência. O mérito acadêmico é sempre elitista, mas a sociedade precisa dele e o quer, se for mérito.
(Demo, 1999: 210)
Submersos num contexto assolado pela depreciação dos direitos sociais, dentre os quais destacam-se o direito à Educação superior, faz-se mais que pertinente propor reflexões em torno das políticas que historicamente vêm permeando as universidades brasileiras e legitimando seu caráter elitista e excludente.
Nesse esboço, validado pelas palavras de Demo acima mencionadas, converge as questões norteadoras deste intento: A educação superior como direito social tem sido privilégio de quem? Como tem se efetivado a educação nas universidades brasileiras? Qual a distância entre o ensino superior elucidado na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que rege a Educação nacional (9394/96) e a realidade atual? Que homem e que sociedade têm sido formados?
Essas são interrogativas, cujas respostas – infelizmente – têm sedimentado currículos, metodologias e didáticas pautados em ideais (neo) liberais, os quais têm afastado cada vez mais nossas universidades de sua real função: produção de ciência para transformação social.
Nessa perspectiva, é mister corroborar o enunciado de Vargas mencionado por Guiraldelli (1994: 99) em que dizia: "A verdade é dura, mas deve ser dita. Nunca no Brasil, a educação nacional foi encarada de frente, sistematizada, erguida, como deve ser, em legítimo caso de salvação pública".
Considerando a potencialidade do assunto primazia-se, aqui, pelas pesquisas em textos de Demo, Guiraldelli, Freitag, Freire, Chauí, Hernández, bem como em outras leituras diversas, inclusive da história geral da humanidade confrontando-os com leituras da contemporaneidade, o que nos abre um leque de informações acerca dessa demanda que concomitantemente se chocam como se fosse um repertório ecoado através dos tempos e que insiste em se manter inconcusso.
Assim, na tentativa de apontar rumos para uma discussão fundamentada e coerente, o texto que se segue faz-se um chamamento para a mudança necessária acerca da Educação Superior, a fim de que, no mínimo, despertemos para o malogro e a fragmentação que tem circundado esse direito tão valioso de todos.
2. Educação Superior: um direito social malogrado
2.1. Olhar Histórico
É impossível dissertarmos bem sobre algo sem antes o situarmos dentro de um contexto histórico, social e econômico.
Nesse ínterim, vale ressaltar que todo o nosso histórico educacional jamais esteve desvinculado de termos como liberalismo, modernidade, política, legislação, positivismo, ideologias e outros que têm edificado um sistema educacional iníquo e bajesto, em especial no que se refere ao Ensino superior, cujas práticas vêm sendo – cada vez mais – abduzidas de qualquer projeto que visualize transformação na pirâmide estratificadora que é a sociedade capitalista em que (sobre) vivemos.
À título de contextualização assumimos a Educação Superior como a moeda do milênio e voltemos então, às bases que regem o Sistema educacional: a lei.
É óbvio que essas leis trazem implicações, normas e políticas produzidas por uma elite que secularmente preza pela manutenção da ordem social capitalista, em que se vigora os ideais de Adam Smith1 , cujas vertentes eximem o Estado de qualquer intervenção no campo econômico, já que essa poderia atrapalhar no crescimento desse campo (Laissez-faire). Ainda nesse sentido, poder-se-ia afirmar, também, a presença do liberalismo econômico de Malthus2 , em que defendia a idéia de que o Estado não deveria se preocupar com os pobres, pois eles são culpados por sua própria pobreza. Este, o Estado, deveria se preocupar com os ricos – financiando e/ou patrocinado suas artes e pesquisas científicas – pois eles, sim, promovem o progresso.
Retomemos a conotação Educação Superior como moeda do milênio. O termo em destaque sugere economia. E sendo o Estado responsável pela educação, de certa forma, estaria também interferindo nos ideais liberais já mencionados e conseqüentemente estaria se preocupando com os pobres. Logo, seria preciso uma política ideológica mais acirrada, que eximisse o governo de tal obrigação, ou que adotasse medidas que impedissem qualquer possibilidade de abalo na ordem social vigente. Como a educação é moeda, nem o Estado, nem os liberais perderiam com a segunda opção, apenas o povo, subalterno e "sem prestígio" seriam desprovidos de desenvolvimento, mas preocupar-se com isso não era dever do Estado e muito menos dos liberais. Freitag (1986:88) explana uma dessas medidas adotadas pelo governo brasileiro, coerentes com a lei da reforma universitária de 1968:
Foi promulgado o decreto-lei Nº 477. Este atribui às autoridades universitárias e educacionais (MEC) o poder de desligar e suspender estudante em atividades que fossem consideradas subversivas, isto é, perigosas para a segurança nacional. Durante o tempo de suspensão (três anos) os estudantes atingidos ficariam impedidos de se matricularem em qualquer outra escola de nível superior do país.
Percebe-se, dessa forma, como se deu o malogro desse nosso direito social que, paulatinamente, fora e/ou está sendo exaurido do cenário das classes populares – aliás – as únicas ainda interessadas na idéia de revolução.
Cônscios da vasta dimensão da temática é preciso considerar ainda o termo modernidade, pois toda educação que se preze deve estar consentânea com tal.
A modernidade, na verdade, é um termo que surgiu em detrimento da valorização da cidade sobre o campo; do crescimento do espaço capitalista e industrial; da supremacia do indivíduo sobre a comunidade; das mudanças rápidas sobre a tradição; e, principalmente, da ciência sobre a religião. A modernidade teria sido uma imensa vitória se as conquistas e revoluções nela concentradas não tivessem se sobreposto aos valores humanos, até porque, tudo, com a modernização, inclusive a educação e o bem estar da população, tem sido sutilmente e desenvergonhadamente delegados ao mercado:
O mercado é portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem estar da República. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde,a educação e a cultura) no setor dos serviços definidos pelo mercado [.....] Encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia-se o espaço privado não só onde isso seria previsível – nas atividades ligadas a produção econômica – mas também no campo dos direitos sociais conquistados
(CHAUÍ, Marilena. Folha de São Paulo, 1999)
Perante o mencionado, vê-se a dimensão do afastamento do liberalismo político de Locke, onde admite-se que o Estado (governo) só existe para servir o povo, protegendo sues direitos fundamentais: vida, liberdade, propriedade e outros. Contudo, simultâneo a esse afastamento, legitima-se século a século, década a década, dia a dia a forte invasão dos ideais positivistas de Comte, em que a ciência equivale a mudança social e não a democracia ou a revolução. Acredita-se na "ditadura dos sábios, únicos que teriam condições de garantir a ordem e o progresso" (SCHMIDT, 2002:17). Garantia essa estampada não só na nossa bandeira nacional, mas em toda a face histórica de nossa educação.
Isso pode ser comprovado ao analisarmos os primórdios da educação sistematizada no Brasil – o ensino jesuítico – o qual era caracterizado pela bifurcação: catequização para os índios, objetivando além do aumento de adeptos cristãos, torna-los dóceis, passivos à colonização; e instrução intelectual para os nobres, filhos de colonos. Esse ensino, financiado pelo Estado, mas efetivado pela Companhia de Jesus começa a desagradar, pois estava abalando a unidade cristã, bem como a unidade da sociedade civil. Todavia, os motivos que desencadearam a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, foi além disso: eles detinham um poder econômico que deveria ser devolvido ao governo e estavam educando o cristão a serviço da ordem religiosa e não dos interesses do país (RIBEIRO, 1998:33).
Com a expulsão dos jesuítas o Brasil viveu um período de decadência intelectual até que surgiu, com a reforma pombalina, um novo modelo de educação financiado pelo Estado, entretanto, agora, para o Estado:
Do ponto de vista educacional, a orientação adotada foi de formar o perfeito nobre, agora negociante; simplificar e abreviar os estudos fazendo com que um maior número se interessasse pelos cursos superiores [.....] torna-los os mais práticos possíveis. Surge com isso o ensino público propriamente dito. Não mais aquele financiado pelo Estado, mas que formava indivíduos para a Igreja, e sim o financiado pelo e para o Estado.3
Assim, a inauguração dos cursos superiores no Brasil (1808 a 1814) foi marcada desde então pela insígnia do separativismo e desprovidos de sua mais relevante faceta: a pesquisa científica. Ou seja, o ensino deixou explícito a que e a quem veio. Era um ensino limitado e fragmentado, embasado em modelos inoperantes, mas Poe ser ensino superior já era mérito, excelência, e, por isso, a preocupação dos pais – burgueses – em fazer os filhos ingressarem nessas entidades de ensino, matriculando-os em Liceus – colégios preparatórios para o ingresso nos cursos superiores. Pouco se importavam com a ética ou com os valores humanos, o que lhes vislumbravam era a possibilidade de ascensão econômica, ou melhor, de se manter inserido na classe dominante. Afinal, a educação organiza-se sempre em consonância tal classe, assim como com suas ideologias; o que é notório nas asseverações de Cury (1985:13)
A educação se opera, na sua unidade dialética com a totalidade, como um processo que conjuga as aspirações e necessidades do homem no contexto objetivo de sua situação histórico-social. A educação é, então, uma atividade humana partícipe da totalidade da organização social. Essa relação exige que se considere como historicamente determinada por um modo de produção dominante, em nosso caso, o capitalismo. E no modo de produção capitalista, ela tem uma especificidade que só é inteligível no contexto das relações sociais resultantes do conflito de duas classes fundamentais.
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3. ibid: História da Educação Brasileira – a organização escolar.
Apesar da precariedade do ensino superior que vigorava no Brasil, com a mudança de modelo econômico (rural-agrário para urbano-comercial) ainda se acreditava que a educação era a peça principal na resolução dos problemas do país. Por essa razão sonhava-se com uma universidade melhor, em que professores e alunos seriam livres para ensinar e aprender o que fosse melhor para todos. É incontestável que isso não ultrapassou do plano onírico;
Em 1980 com a intensidade dos movimentos sociais, acirro-se a disputa pelas escolas públicas e privadas; instituiu-se uma forte discussão em torno dos currículos4, mas nada apagou a ótica de que a educação superior no Brasil foi sempre subserviente a uma única ordem: a dominante (elitista liberal). Isso prevalece desde a sua inauguração até os dias atuais, confirmado inclusive na lei que hoje rege a nossa educação (LDB, 9394/96):
A LDB abre possibilidade de instituições privadas de ensino superior receberem verbas públicas (além das atividades universitárias de pesquisa e extensão previstas na Constituição Federal), uma vez que contempla a oferta de bolsas de estudo para instituições particulares.
(§2º, Art.77)
É imprescindível dizer que seria louvável o sistema de bolsas mencionado no texto de nossa LDB, caso essas fossem oferecidas àqueles que realmente delas necessitam. Mas já sabemos que isso abalaria a ordem o que é definitivamente inaceitável! Até que todos assim o queiram.
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4. Interpretação pautada na obra: História da educação brasileira – organização escolar, de Maria Luisa Santos Ribeiro; 1998.
2.2. Novo (velho) olhar com foco para o futuro
O novo não se constrói sem o velho e é a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança.
(CUNHA, 1998:25)
Efetivar qualquer abordagem no tocante ao Ensino Superior brasileiro na atualidade exige, a priori, uma ressalva: muito do que se tem hoje, apesar das inovações científico-tecnológicas, ainda é eco do passado. Muitas de nossas políticas educacionais mudaram de nome de atores, mas não de objetivos. Ou seja, quase nada mudou. Assim, esboçar um olhar novo acerca dessa questão é extremamente difícil, por conta da denotação que o termo novo recebe e pouco dele temos em termos educacionais, em especial no nível superior de ensino.
Entretanto, um ponto positivo, isso nos deixa tensos, conflituosos e, conseqüentemente, como implica Cunha no enunciado anteriormente mencionado – propensos a mudança. Em outras palavras, não estamos satisfeitos com a forma de condução de nossos direitos sociais e ainda sonhamos com dias melhores, onde não tenhamos mais que nos adaptar para sobreviver. São preciso, sim, novas táticas, novas estratégias dentro de um discurso crítico que vise a transformação:
Como um insatisfeito com um mundo de injustiças que está aí, ao qual o discurso 'pragmático' sugere que eu simplesmente me adapte, devo, é óbvio, hoje, tanto quanto devi ontem estar desperto para as relações entre tática e estratégia. Uma coisa é chamar a atenção dos militantes que continuam brigando por um mundo menos feio de necessidade de que suas táticas não contradigam sua estratégia [.....] seu sonho [.....] de que sua táticas se realizam na história, por isso mudam, e outra é simplesmente dizer que não há por que sonhar.
(FREIRE, 1992:91)
Consubstanciados às palavras de Freire, bem como aos sonhos educacionais vinculados à sociedade atual encontramos uma grande controvérsia, pois apesar de ainda sonharmos com tal direito social (educação superior ao alcance de todos) continuamos com as mesmas táticas, as mesmas estratégias e, porventura, os mesmos objetivos: a busca da qualidade total em educação, já que ainda acreditamos nela como escada e/ou suporte para ascensão social e para tal as famílias ( burguesas ou não) retomam os " Liceus" ( hoje os cursinhos, os colégios com ensino modular), os quais abafam nosso sonho – humano – de transformação social, em prol de um sonho – individual – de ascensão e/ou econômico. É evidente que para tanto, sempre aparecem aquele amenizando nossa culpa – pela falta de solidariedade e pela falta de espírito comunitário – com supostas idéias de democratização do ensino (sistemas de cotas, bolsas de estudo, financiamentos, etc).
Nessa perspectiva, são cabíveis as conclusões de Tecglen5 (1995:8): Que saiba quem lhe fala e porque lhe fala assim, para que não seja enganado ou esforçado a creditar o que, por sua classe, sua ideologia, seu interesse ou seu capricho, não que acreditar.
Tais conclusões são claramente visíveis em todas as instâncias sociais. Somos inteligentemente enganados a cada dia, isso porque os detentores da inteligência excelente, meritocrática (graduados) usam-na para suprimir a inteligência da massa, com os mesmos objetivos de séculos atrás – manutenção da ordem, agora com nova alcunha: Neoliberalismo – que nada mais é que o reflexo, a repetição do liberalismo econômico de Smith e Malthus. Cabe enfatizar que o neoliberalismo é o suporte ideológico que sustenta o capitalismo.
Eis então outra questão que faz-se lastro de nossa inquietude: por que isso ocorre de forma tão tenaz? A explanação é encontrada nas palavras de Milton Santos6 (1998:02):
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5. ap. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e Mudança na Educação: os projetos de trabalho; trad. Jussara H. Rodrigues - Porto Alegre: Artmed, 1998: 45
6. Extraído do texto transcrito da gravação da Conferencia do professor Milton Santos (Professor Intelectual Na Sociedade Contemporânea) realizada em Águas de Lindóia – S.P de 04 a 08 de maio de 1998.
Neste fim de século, aquilo que desde o século XVIII, os economistas desejavam e os filósofos temiam, acabou por se dar: a interdisciplinaridade, isto é, a forma como as diversas disciplinas conversam, passou a ser comandada pela economia, em vez de ser comandada pela filosofia.
Nesse mesmo discurso Santos, aduz, ainda, que em lugar, pois, de um tempo de homens, o que vimos assistindo realizar-se é um tempo da técnica-mercado, isto é, técnicas subordinadas a esse mercado global. Aduz, também, que a conseqüência mais importante é que o grupo passa a atuar sem política própria, que é o caso do Brasil, onde o Estado e os políticos renunciaram à política... e são afinal, as empresas globais que fazem a política jogando o Estado pelos seus aparelhos, à situação de apenas secundar a política exigida pelo mercado global, ao qual se subordina.
Em suma, existe um mercado global que usa a interdisciplinaridade – já que atinge a diversas camadas, por dialogar saberes diversos – para disseminar os seus ideais (neoliberais) e a população (maioria dominada) se deixa enganar. E a preocupação reside no fato de que essa minoria dominante é formada justamente nas universidade e enquanto o acesso à ela não for, de fato, democratizado, a inteligência excelente chegará a poucos, que se já não são serão corrompidos pelo poder, uma vez que a universidade – que não deveria – também é um aparelho ideológico do Estado, e por extensão dos neoliberais, cujos princípios norteadores justificam estar adotando um ensino par a globalização que poderia ser confundido com uma educação que promove valores economicistas, aceita a supremacia dos mercados sobre os cidadãos, dos imperativos do benefício imediato pelos do bem-estar social.
Uma visão que tem como bandeira o domínio dos mais fortes (uma minoria) frente aos que não tem as mesmas possibilidades (a maioria). Uma visão que situa o público em inferioridade frente ao privado, e que produz desvios de fundos provenientes dos impostos de todos os cidadãos para iniciativas com intenção de lucro e fora do controle público, como acontece hoje na Espanha, onde escolas com pretensão de formar grupos de elite, [.....] recebem fundos do Estado e dos governos autonômicos, enquanto as escolas pública não podem levar adiante a reforma educativa em toda a sua extensão por falta de fundos ( HERNÁNDEZ, 1998:11).
Esta idéia de ensino perpetuará, enquanto nós – educadores, educandos, políticos, cidadãos – mantivermos a escola – desde a Educação Infantil até os mais altos níveis do labor universitário – assentada na vã investidura do suposto saber e das novas ciências produzidas.
3. Notas Conclusivas
3.1. A Educação Superior que (não) Temos e a que Queremos por Direito
Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.
(Eduardo Galeano, O livro dos abraços)
Diante de todo o mencionado, percebe-se que existe uma educação superior no Brasil encoberta pelo malogro, apesar de algumas raras discussões que hoje já se travam na tentativa de diminuir, mesmo que timidamente, os conflitos presentes nas arenas decisórias das políticas que precingem o ensino superior em nosso país.
Evidencia-se ainda a coerência de se avaliar até que ponto as universidades têm efetivado sua função de forma total – ensino, pesquisa e extensão – em especial a pesquisa, já que esse é o diferencial básico dos outros níveis de ensino. Diferencial esse que se ausentou no período inaugural dos cursos superiores no Brasil e que ainda hoje são poucas as iniciativas plausíveis em torno dessa questão. Isso porque muitas pesquisas realizadas não têm grande aceitação pelo fato dessas não serem coerentes com os anseios da comunidade a qual elas são destinadas. Mas isso é algo considerado normal visto que somos fruto de um ensino fragmentado em que a prioridade era a preparação técnica, racional, específica que, paulatinamente, acentuasse a sociedade histórica e ideologicamente dual. Mudar essa face, talvez seja o desafio central a ser enfrentado e a pesquisa científica pode, com certeza, desde que qualificada, ser peça fundamental nesse desígnio: Tomamos como desafio central da educação superior a produção de conhecimento próprio com qualidade formal e política, capaz de postá-la na vanguarda do desenvolvimento (FAVERO, 1989).
Assim, é patente que nossas pesquisas terão mais qualidade, a partir de quando deixarmo-nos embeber por um novo paradigma, holístico e filosoficamente interdisciplinar, onde sociedade e universidade possam caminhar juntas rumo à satisfação e a felicidade de todos; rumo a uma nova postura educativa, onde os valores humanos, a cooperação, a irmandade estarão sobrepostos aos valores econômicos e isso só depende da capacidade de cada um de nós assumirmos competente e conscientemente nosso tempo, nosso espaço, nossa história, participando, compartilhando e convivendo, fazendo valer as assertivas proferidas por grandes atores sociais abaixo transcritas:
A dialética humana não sobrevive apenas com alimentação material. Liberdade, autonomia, auto-determinação não são acessórios descartáveis. Ao contrário, estão no cerne do sentido da vida, a menos que a imaginemos sem sentido. Seu sentido, na linha da qualidade, é participar [.....] sem banalizar. Participação é conquista. Não é doação, dádiva, presente.
(DEMO, 1999: 21)
A alma da vida acadêmica é constituída pela pesquisa, como princípio científico e educativo, ou seja, como geração de conhecimento e de promoção da cidadania. Isso lhe é essencial, insubstituível. Tudo o mais pode ter imensa significação, mas não exige instituição, como a universidade, nem mesmo para apenas ensinar. Qualquer um de nós tem como tarefa, tarefa histórica, é assumir o seu tempo, integrar-se, inserir-se no seu tempo [.....]. o futuro não é a pura repetição de um presente de insatisfações. O futuro é algo que se vai dando e esse 'se vai dando' significa que o futuro existe na medida em que eu ou nós mudamos o presente. E é mudando o presente que a gente fabrica o futuro; por isso, a história é possibilidade e não determinação.
(FREIRE; apud. GADOTTI,1991:137)
A guisa de fechamento, cabe reiterar que existem cursos de educação superior no Brasil, mas seria ingênuo dizer que temos cursos desse nível, uma vez que os que existem – sejam públicos ou privados – ainda é privilégio de poucos, mesmo assim, esse, que (não) temos carece de reformas urgentes sejam nas políticas internas ou externas, seja na pedagogia dos profissionais que neles atuam ou nas possibilidades dos educandos. Enfim, é preciso que deixem a verdadeira identidade – mesmo que a "sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia" – fluir pelo cenário social. Só então ela – a educação superior – será, de fato, a que queremos: democrática, significativamente produtiva e nossa, por direito.
Eis o compromisso de nós todos: lutar, pesquisar, produzir, participar e partilhar essa questão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ, Marilena. A universidade operacional. FOLHA DE SÃO PAULO, SP, 9 DE MAIO DE 1999, Caderno Mais p. 5-3. (texto 4).
CUNHA, Maria Isabel da. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM Editora, 1998.
CURY, C.R.J. Educação e contradição. São Paul:Cortez/ Autores Associados,1985.
DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa. 6ed. Campinas, SP: Autores associados, 1999.(Coleção polêmicas do nosso tempo; 25).
____________. Desafios modernos da educação. 8ed. Petrópolis: Editora vozes, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança – um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
FRETAG, Bárbara. Educação, escola e sociedade. São Paulo: Ática,1986.
GADOTTI, Moarcir. Convite à leitura de Paulo Freire. 2ed.São Paulo: Editora Scipione, 1991.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 5ed. Porto Alegre: L & PM, 1997.
GUIRALDELLI Júnior, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1994. 2ed. (Col. Magistério. 2º grau. Série formação do professor).
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança – projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
RIBEIRO, Maria l. Santos. História da educação Brasileira – a organização Escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 1998 (Col. Memória da Educação).
SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. 2ed. São Paulo: Nova Geração, 2002.