EDUCAÇÃO, PODER E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UMA ABORDAGEM DA LEI FEDERAL 10.639/03 COMO POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE AO RACISMO
Por SAMUEL DA SILVA MENDES | 22/01/2021 | EducaçãoEDUCAÇÃO, PODER E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UMA ABORDAGEM DA LEI FEDERAL 10.639/03 COMO POLITICA PÚBLICA DE COMBATE AO RACISMO
Samuel da Silva Mendes
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa insere-se no campo dos estudos sobre políticas públicas educacionais, com recorte sobre as relações étnico-raciais. Com o tema “Estado, Educação e Relações étnico-raciais: uma abordagem dialética da Lei Federal 10.639/03 como política de enfrentamento ao racismo na escola” o presente estudo propõe-se a refletir sobre a seguinte indagação: Qual tem sido a resposta do estado brasileiro em termos de políticas públicas de educação diante do diagnóstico atual do racismo que se apresenta no cotidiano escolar?
Implementar políticas públicas para as relações étnico-raciais na escola não vem sendo tarefa fácil, já passado mais de uma década da aprovação da Lei 10.639/03 muito pouco mudou em relação a situação do aluno negro no espaço escolar. Dentro deste cenário nos propomos a analisar como o modelo de Estado e o pensamento ideológico por trás de determinado governo interferem nos rumos das políticas públicas na área da educação e qual o reflexo destas na situação que paira sobre o negro brasileiro.
Buscaremos dentro do recorte temporal que perpassa o período de pouco mais de uma década em que o Partido dos Trabalhadores (PT), nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, esteve à frente do governo federal, para compreender os caminhos que levaram a formulação de políticas públicas educacionais que contemplassem os anseios da população afrodescendente, bem como refletir sobre os rumos destas políticas no atual momento.
Uma reflexão cuidadosa sobre o tema reforça a importância de pensar sobre as políticas públicas educacionais como ferramentas de combate ao racismo escolar como também superar a condição de inferioridade em que se encontra o negro brasileiro quando analisamos o local ocupado por este na pirâmide social. Uma educação antirracista surge como caminho para a superação dessa realidade não só na escola, mas também na sociedade de uma maneira geral, já que, somente uma educação crítica do status quo e das desigualdades raciais e sociais poderá levar a transformação desta dura realidade. Diante das dificuldades que a defesa de uma sociedade igualitária racialmente tem de enfrentar no Brasil, qualquer passo nessa direção significa avanço na busca por direitos das populações historicamente excluídas.
OBJETIVOS
Surgem como objetivos deste estudo: refletir sobre a relação entre o Estado a educação e as questões étnico-raciais, bem como, o tratamento dado ao racismo dentro do campo das políticas públicas educacionais.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Como objetivos específicos apresentam-se os seguintes: analisar os caminhos que levaram a formulação e implementação da Lei 10.639/03 e como se apresenta o atual cenário das políticas públicas educacionais para o combate ao racismo institucional na educação; Compreender como o modelo de estado que por hora gerencia uma sociedade determina o papel social ocupado por uma parcela de indivíduos dentro das relações de classes, estabelecendo conexões com as manifestações de racismo na escola; Discutir questões acerca da construção histórica da relação do negro brasileiro com a instituição escola e refletir as contradições presentes no debate das políticas de ações afirmativas para o negro brasileiro; e verificar em que medida essas políticas contribuem com a luta pela superação da ordem econômica vigente, ou dificultam essa superação.
JUSTIFICATIVA
Este trabalho apresenta sua relevância ao propor uma reflexão sobre as questões do racismo no ambiente educacional, apresentando uma investigação feita a partir dos cenários de disputas e construção da Lei 10.639/03 que se apresenta como uma ferramenta de inclusão e combate ao racismo contra o negro brasileiro no ambiente escolar. O tema demonstra grande importância na contemporaneidade, pois, apesar de já ser objeto de debate de longa data na educação, sua atualidade se dá por conta das mudanças nos rumos do governo e da economia do país nos últimos tempos e os reflexos desta situação nas questões de estado que envolvem direitos conquistados pela população negra e que vivem uma realidade de retrocessos.
Apesar da importância e diversidade dos trabalhos sobre o racismo e educação, ainda faltam muitos aspectos a serem desvendados, diante da complexidade das relações raciais brasileiras e da forma como o racismo se expressa na escola. Desta maneira, argumentam em favor desta pesquisa, o fato de que as manifestações de racismo na escola ainda são uma realidade e isso aponta para a conclusão de que os estudos sobre esta temática ainda não se esgotaram e tão pouco alcançaram seu objetivo principal.
Trabalhar a construção histórica do lugar social ocupado pelo negro brasileiro, a sua relação com os ambientes de educação no Brasil e os caminhos percorridos pelas políticas educacionais em relação ao racismo brasileiro, é a oportunidade não só de pensarmos sobre o atual cenário e seus possíveis desdobramentos, como de contribuir para a transformação toda uma nova geração da sociedade através de uma política educacional que volte os olhos para uma educação antirracista.
RESULTADOS PARCIAIS
Os dados apresentados nesta análise preliminar foram coletados por meio da pesquisa documental, momento em que foram mapeados e reunidos os documentos (Leis, Diretrizes, Orientativos, Pareceres, Planos de educação, etc.) que tratam da Educação para as Relações Étnico-Raciais. Utilizamos como instrumentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica e pesquisa documental que tem por objetivo o mapeamento da produção acerca do objeto deste estudo tendo em vista a construção do quadro teórico e subsidiar a análise dos dados. Por meio desta pesquisa bibliográfica/documental levantamos os documentos referentes às políticas públicas das Relações para a Educação Étnico-Racial desenvolvida pela SECADI, relacionada à lei 10.639/03.
A análise documental buscou identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesses, sendo considerada como fonte exploratória que irá indicar problemas que devem ser mais explorados através de outros métodos de pesquisa. Gil (2002) observa que “na análise documental considerar o universo sociopolítico, ou seja, a conjuntura socioeconômica-cultural e política que propiciou a produção dos documentos analisados e a quem ele se destina, é essencial”.
Ao analisarmos os dados até o presente momento percebemos que as políticas educacionais voltadas para a educação das relações étnico-raciais são resultado de um processo conflituoso entre os movimentos sociais negros e o modelo de estado capitalista vigente em nosso país. Outro fator percebido é a lacuna existente entre a formulação e aprovação da Lei Federal 10.639/03 nas instancias de poder, ou seja, a materialização do texto de lei em papel e a sua real implantação no cotidiano dos sistemas de ensino. Este fator ocorre por conta da forte herança racista que paira sobre a mentalidade educacional brasileira bem como é reforçada e mantida sobre o véu protetor do mito da democracia racial.
Deste modo, garantia legal dos direitos não promove sua concretização, são as atitudes efetivas e intencionais que irão demonstrar o compromisso com tais direitos. Infelizmente, tais políticas não desembocam no cotidiano escolar. Há um abismo entre as políticas institucionais e as práticas escolares. Os entraves decorrentes de nossa própria formação cultural acabam por permitir uma espécie de dissimulação por parte dos educadores na aplicação dos conteúdos, conforme estipulados atualmente pelo Estado.
Assim, percebe-se a necessidade de transformar a Lei 10.639/03 em um instrumento eficaz de nossas abordagens a fim de que a contra hegemonia se instaure nesse terreno por meio de relações educacionais antirracistas e currículos verdadeiramente democráticos, estes terão que ser repensados, redefinindo valores, conceitos e princípios engessados historicamente pelo vigor do pensamento racista brasileiro, que resiste maquiavelicamente a abrir mão de sua centralidade.
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