Educação para o trânsito, formação de condutores e aprendizagem significativa: reflexão crítica sobre a importância das teorias de ensino e aprendizagem na formação dos instrutores de autoescolas
Por Márcia Pontes | 08/04/2012 | EducaçãoEDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO, FORMAÇÃO DE CONDUTORES E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: reflexão crítica sobre a importância das teorias de ensino e aprendizagem na formação dos instrutores de autoescolas
Atuando a pouco mais de 5 anos como educadora de trânsito com um trabalho específico voltado para a aprendizagem significativa do ato de dirigir e formação de cidadãos para o trânsito, por meio de educação online, palestras e elaborando projetos em Educação Para o Trânsito tem sido notória a insatisfação de condutores em processo de habilitação ou já habilitados com os resultados da aprendizagem nos Centro de Formação de Condutores (CFC). Por outro lado, não raro se ouve que a autoescola só ensina para passar na prova, ensina a memorizar, a decorar as leis de trânsito para a prova teórica. Nas aulas práticas muitos alunos relatam de problemas de relacionamento com os instrutores, que não conseguem aprender e chegam ao ponto de pedir a substituição dos instrutores e, nos casos, mais graves, abandonam o processo. Essa insatisfação nos leva a refletir acerca da formação do instrutor e das metodologias de ensino nos Centro de Formação de Condutores (CFC).
Analisando o que diz a legislação acerca da formação, qualificação e especialização dos instrutores de trânsito, remete-se à Resolução nº 385, de 13 de agosto de 2010, artigo 25: “I - O Instrutor de trânsito é o responsável direto pela formação, atualização e reciclagem de candidatos e de condutores e o Instrutor de cursos especializados, pela qualificação e atualização de condutores, competindo-lhes: a) transmitir aos candidatos os conteúdos teóricos e práticos exigidos pela legislação vigente; [...] e) freqüentar cursos de aperfeiçoamento ou de atualização determinados pelo órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal; f) acatar as determinações de ordem administrativa e pedagógica estabelecidas pela Instituição; g) Avaliar se o candidato está apto a prestar exame de direção veicular após o cumprimento da carga horária estabelecida.
Destaca-se entre as atribuições dos instrutores teóricos e práticos que é responsável pela qualificação dos condutores, o que remete a presunção de que detenha os conhecimentos e as técnicas necessárias para tanto. Quanto a transmitir aos candidatos os conteúdos teóricos e práticos exigidos pela legislação vigente (instrutores teóricos e práticos) consoante o art. 25 da resolução nº 385, de 13 de agosto de 2010, inciso I, alínea “a”, entende-se que, tratado de um Centro de Formação de Condutores, a palavra formação remeta a formar, a ensinar o condutor, e nenhuma teoria atualizada sobre ensino se fundamenta na transmissão de conteúdos, mas sim na construção de conhecimentos, o que vai tornar a aprendizagem significativa.
Então, nesta perspectiva, cabe pensar o treinamento dos instrutores de trânsito com foco na aprendizagem significativa a partir da construção e não da transmissão de conhecimentos como se o aluno, que no caso dos CFC será o futuro condutor, fosse um recipiente vazio a ser preenchido de informações como ensina Paulo Freire, o que também vale para o ensino sobre trânsito e legislação.
Destaca-se, ainda, no âmbito do artigo 25 da Resolução 385, de 13 de agosto de 2010, quanto a formação, qualificação, especialização, atualização e reciclagem dos instrutores de trânsito, a frequência aos cursos de aperfeiçoamento ou de atualização determinados pelo órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal. Isto significa que o instrutor de trânsito precisa investir em sua formação, atualizar-se sobre novos métodos de ensino, didáticas, conhecer as principais teorias da aprendizagem que vão influenciar no seu modo de ensinar. Isto porque cada aluno tem o seu tempo, o seu ritmo de aprendizagem, necessita dos estímulos adequados para aprender, para construir significados sobre os comandos básicos do carro, mas também sobre as funções ou habilidades superiores mencionadas por Vygotsky que são exigidas no ato de dirigir, tais como: o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento das ações, dentre outros.
Uma vez que as habilidades psicológicas superiores são de origem sociocultural e emergem dos processos psicológicos elementares, que são de origem biológica (estruturas orgânicas), mas também das relações entre a história individual e social, um ensino de um Centro de Formação de Condutores (CFC) que leve em conta a vertente sociointeracionista poderá atuar no processo de formação do condutor problematizando o conceito que ele tem de trânsito e prover os estímulos adequados para a aprendizagem de comportamentos seguros e defensivos. Uma aprendizagem que desperte o futuro condutor para a análise, a crítica, a reflexão, que estabeleça comparações, relações, que torne o aluno capaz de argumentar com autonomia de pensamento e ações.
Quando chegam aos CFC´s muitos alunos, mesmo sem saber dirigir, já tem um conceito, uma opinião, uma ideia construída sobre o carro, sobre a aprendizagem do ato de dirigir. Alguns, inclusive, já aprenderam as primeiras noções de direção com pessoas da família, pais, parentes e amigos. Muitas vezes, uma aprendizagem equivocada, focada só na parte técnica de conduzir um carro, sem observância às regras de convivência no trânsito, aos princípios éticos que vão orientar o comportamento e as ações do motorista. E é neste ponto que o instrutor deverá ter conhecimentos específicos e uma didática adequada para ensinar não só a fazer o carro andar, mas a dirigir com responsabilidade e segurança. Quando se orienta a atividade de ensino numa autoescola por uma didática que fornece os estímulos adequados à aprendizagem e a problematização, o questionamento sobre a própria aprendizagem, o aluno tem condições de avaliar o modo como aprendeu as primeiras noções sobre o ato de dirigir, os vícios de direção, a rever o próprio conceito sobre dirigir, sobre trânsito, circulação, mobilidade e comportamento humano, melhorando a aprendizagem.
Por outro lado, uma didática tradicional do ensino do ato de dirigir, que padroniza, que trata todos os alunos da mesma forma, desrespeitando as suas diferenças individuais, deixando de observar e atender as suas necessidades específicas não passará de atividade de ensino (que só interessa ao professor/instrutor) e não ao aluno. Ou seja, um tipo de aprendizagem do ato de dirigir que não será significativa para o aluno.
Retomando o art. 25 da Resolução nº 385, de 13 de agosto de 2010, cabe ao instrutor de trânsito no que se refere à sua formação e qualificação, acatar as determinações de ordem administrativa e pedagógica estabelecidas pela Instituição, o que remete ao papel dos gestores de CFC´s quanto a gestão do processo de ensino e de aprendizagem do ato de dirigir. Ou seja, se os gestores orientam a formação do futuro condutor por uma aprendizagem tradicional, que transmite conteúdos de legislação e prática de direção veicular, os instrutores reproduzirão o tradicionalismo, incentivarão a mecanização, a memorização. Mas, quando os gestores de CFC´s preocupam-se com a formação do instrutor, com a sua qualificação, com a sua especialização, quando investem em cursos e em treinamento voltado, também, para o conhecimento das teorias de ensino e de aprendizagem significativa, estarão preparando melhor os instrutores. Desta forma, eles terão melhores condições de avaliar se o candidato está apto a prestar exame de direção veicular após o cumprimento da carga horária estabelecida no curso teórico.
Faz necessário e urgente que os gestores dos CFC´s atentem para o verdadeiro significado da palavra FORMAÇÃO em se tratando de ensino e aprendizagem do ato de dirigir para que possam oferecer aos instrutores de trânsito de sua equipe uma qualificação que priorize as noções básicas sobre as teorias de ensino e de aprendizagem significativa. Transmitir conteúdos não é ensinar a aprender. Memorizar para a prova de legislação não é aprendizagem significativa e não coaduna com aquilo que se espera de um CFC: formar condutores, cidadãos críticos e defensivos para o trânsito e não só preparar para passar na prova prática e obter a habilitação.