EDUCAÇÃO INFANTIL: DESENVOLVER AS EMOÇÕES ATRAVÉS DA MUSICALIZAÇÃO

Por Ana Paula Bitello | 29/03/2014 | Educação

EDUCAÇÃO INFANTIL: DESENVOLVER AS EMOÇÕES ATRAVÉS DA MUSICALIZAÇÃO

                                                                                                 Ana Paula Bitello[1]

RESUMO- O artigo analisa a relação entre neurociência e educação musical, especificamente a importância da musicalização na educação infantil, desenvolvendo a amigdala cerebral, tendo como resposta o crescimento emocional das crianças. Estudos de pedagogos, psicólogos, musicistas e neurologistas revelam que a musicalização, como instrumento pedagógico, é capaz de proporcionar uma solidificação e maturação nas redes neurais, auxiliando na aprendizagem emocional efetiva destas crianças.

Palavras-chave: amígdala cerebral, neurociência, educação infantil, musicalização, emoção.

INTRODUÇÃO

A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, que permite às crianças um contato, desde cedo, com mundos distintos do seu e que, a partir destas múltiplas experiências, iniciam o processo de aprendizagem, de uma forma lúdica e pautada em experiências bem sólidas, concretas e atraentes, a fim de desenvolver as conexões neurais, latentes nestes primeiros anos de vida.

Saber viver e conviver em grupo é um grande desafio nestes primeiros anos de vida, pois, exige um conhecimento de si muito grande. A criança precisa experimentar reações para saber como se sente emocionalmente em relação a tal acontecimento. Os professores são os responsáveis por construir e resgatar diariamente as formas de conduta que permitam à criança que ela encontre, aos poucos, formas de expressar aquilo que está sentindo, de pedir aquilo que quer, entre outros, sem precisar “ferir” fisicamente ou psicologicamente aqueles que estão ao seu redor.

Proporcionar um ambiente saudável e harmonioso, de boa convivência deve ser o principal objetivo quando se trabalha com esta etapa de ensino, pois, estas crianças estão em processo de construção de suas redes neurológicas e necessitam de espaços estáveis para obterem sucesso e se tornarem adultos equilibrados, sensatos, sensíveis e emocionalmente estáveis.

A Neurociência tem dado seu aporte para a Educação, oferecendo dados teóricos de como os instrumentos já usados em sala de aula atingem e desenvolvem cada região cerebral, não com o intuito de desenvolver teorias reducionistas, mas sim para que os educadores tomem para si o real sentido de sua presença dentro dos espaços educacionais.

A MUSICALIZAÇÃO COMO MEIO DE DESENVOLVIMENTO NEURONAL     

O cérebro inicia seu processo de maturação biológica desde os primeiros momentos de vida. Processo este, que é marcado por inúmeras e distintas modificações, que ocorrem em tempos constantes para todas as pessoas. Tais modificações provocam alterações e tem o objetivo de acurar o funcionamento da memória, da percepção, da emoção e da atenção. Cada período do desenvolvimento é marcado por mudanças físicas, biológicas e sociais, a partir de configurações químicas daquele determinado período em que a criança se encontra.

Na década de 1930, James Papez afirmou que a emoção era mediada por inúmeros sistemas neurais, sendo eles: o hipotálamo, o tálamo, o giro cingulado e o hipocampo. No ano de 1952, Paul MacLean deu sua contribuição acrescentando a essa lista a amígdala, o córtex frontal e os gânglios basais.

Constantes e aprofundados estudos foram realizados de lá para cá para se obter o real conhecimento desses sistemas, uns julgados mais outros menos importantes. Hoje sabe- se que a amígdala cerebral é a responsável por processar o significado emocional dos estímulos e gerar reações emocionais instantâneas. Joseph LeDoux afirma que o processamento afetivo na amígdala é um circuito que desenvolveu-se no decorrer da evolução para a proteção dos animais, e também, a estabelece  como a estrutura cerebral mais importante  para a aprendizagem emocional.

A aprendizagem é uma mudança duradoura, relativamente de comportamento resultado de uma experiência. Entretanto, esta experiência deve possuir, para o individuo que a recebe, uma carga emocional significativa, para apreendê-la e transformá-la em memória de longo prazo, sendo possível resgatá-la sempre que necessário ou que desejar. Segundo GAZZANIGA e HEATHERTON, “A aprendizagem compartilha aspectos comuns com a memória, no sentido de que ambas se referem a mudanças duradouras que se segue a uma exposição ao ambiente.” (2007, p. 183)

Na educação infantil, as crianças ainda não têm contato com o ensino formal e conceitual, como nas séries iniciais e anos seguintes. As aprendizagens erigidas são de cunho emocional, corporal, ambiental, de expressão, visando um conhecimento de si, do outro e do todo em que ele está inserido. A moção é permitir que cada aluno descubra seu mundo para, paralelamente, fazê-lo partilhar do mundo alheio.

Haja vista que estas crianças estão em pleno desenvolvimento emocional, é preciso que os educadores disponham de procedimentos pedagógicos adequados para ajudá-las a se organizarem internamente, que saibam identificar sentimentos de respeito consigo e com o outro, formando seres emocionalmente equilibrados, que respeitam a si e a outrem. Esta construção neural das emoções é feita gradualmente, seguindo a maturação individual de cada criança, e quanto mais contato com a diversidade for proporcionado a elas mais forte e consistente ficará essa aprendizagem.

O educador sensível e auditivamente preparado consegue transmitir a seus alunos os sons mais sutis do cotidiano: sons dos pássaros em meio ao barulho da cidade, do vento soprando de leve, perceber o silêncio durante uma atividade de concentração, perceber sons sobrepondo sons, a diferença dos sons nas formas de caminhar dentro da escola, conversar baixinho com o colega, falar mais alto para chamar a atenção, bater latas e fantasiar no imaginário um instrumento musical, entre muitos outros sons.

Desde os primórdios da humanidade os sons estavam presentes, nossos ancestrais sabiam perceber um “rugido” como forma de ameaça, por exemplo. Sob a ótica evolutiva, nosso cérebro vem desenvolvendo padrões sonoros capazes de compreender o entorno em que vivemos. A música facilita o relacionamento entre as pessoas, a sociabilidade, possui maior poder de comunicação quando comparada a palavra, modifica nosso estado de ânimo ativando estruturas relacionadas às emoções, formando redes neurais responsáveis pela percepção e pela emoção.

Com a musicalização na Educação Infantil é possível oferecer um mundo de experiências enriquecedoras, pessoais e de grupo, fazendo com que as crianças se descubram como parte de um meio que a respeita e que ela precisa respeitar. Cantando, tocando e dançando precisam ouvir, sentir e apreciar cada detalhe dos sons, o que faz despertar o olhar crítico, a disciplina, o cuidado com o outro, o respeito com o tempo e a vontade sua e também do próximo. Atitudes estas que, gradativamente, se consolidarão para a formação de indivíduos maduros, responsáveis, conscientes.

BRÉSCIA (2003) tem um olhar bastante enriquecedor sobre a musicalização

A musicalização é um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da linguagem, sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, autodisciplina, do respeito ao próximo, da socialização e a afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação. ( 2003, p. 29)

O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, de 1998, cita a música como um importante aporte pedagógico do desenvolvimento infantil e que deve estar presente no planejamento do professor. O documento afirma que “em todas as culturas as crianças brincam com a música. [...] Brincar de roda, ciranda, etc. são maneiras de estabelecer contato consigo próprio e com o outro.” (1998, p. 71)

As crianças expostas a ambientes musicalmente enriquecedores apresentam respostas fisiológicas mais amplas e maior grau de neurogênese. A experiência musical modifica estruturalmente o cérebro, proporcionando maior conexão entre os hemisférios direito e esquerdo, ocorrendo o cruzamento de informações, havendo o desenvolvimento do corpo caloso.

Sendo assim, a exposição a esses ambientes musicalmente saudáveis são capazes de causar nos alunos o que chamamos de plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro em se adaptar conforme o ambiente em que está inserido e conforme os estímulos que a ele são oferecidos, formando assim novas sinapses e redes neurais. Segundo MÁRSICO, “musicalizar a criança nada mais é do que despertar-lhe a expressão espontânea e as potencialidades latentes”. (1982, p. 39)

Como o cérebro humano é uma obra em andamento e em constante mutação, o contato com a musicalização, pode fazer surgir inúmeras formas de expressão com o mundo entre as crianças. Cada aluno pode revelar uma potencialidade diferente, um gosto particular de expressar suas emoções, apontando vieses distintos a se seguir. O professor dever atentar-se em abarcar toda essa multiplicidade, estimulando e fazendo essa integração de experiências, dando voz e vez para cada criança, demonstrando a possibilidade das vivências em grupo sem precisar que tudo seja engessado, pareado, exatamente igual, despertando então, desta forma, o respeito pela diversidade.

É de extrema importância que a variabilidade musical se faça presente no cotidiano escolar. Diferentes ritmos, melodias, estilos, gêneros e formas de se fazer a música são importantes para que os alunos conheçam a riqueza cultural e as possibilidades sonoras existentes, tornando-os sensíveis às percepções e sensações. Abrindo espaço para que o aluno traga sua vivência, acolhendo seu gosto, fazendo-o avaliar a qualidade, ensinando-o a valorizar, dando-lhe parâmetros de julgamento, aprimorando seu repertório, o professor faz com que o aluno se sente parte de um grupo que o respeita, potencializando, assim, suas emoções positivas.

Em um ambiente de constante interação, que é o espaço escolar da educação infantil, pintar, lambuzar, ouvir, falar, correr, caminhar, pegar, tocar, chorar, comer, brincar, abraçar, beijar, brigar, desenhar, sorrir, sentir, entre tantas outras ações são processos do desenvolvimento infantil que ganham potencialidade e importância extremas, pois, são tratados com respeito por serem atos que exigem da criança uma energia neuronal de organização bastante elevada.

A música é uma forma de desafiar os alunos e desenvolver nestes, de uma forma lúdica, as aptidões necessárias da primeira infância, fazendo-os ultrapassar com segurança e efetividade as etapas necessárias d desenvolvimento humano, para que na adolescência e vida adulta não tenham problemas de cunho psicológico, que não os deixem avançar em âmbitos cognitivos, sociais e emocionais.

Para trabalhar a musicalização na educação infantil não é necessário que o professor seja um exímio instrumentista ou um musicista de renome. É preciso apenas ter um bom gosto musical, bom domínio auditivo e ter a consciência de é o responsável pela formação plena dos alunos que estão sob sua tutoria. Ter um olhar para a diversidade deve ser o principal objetivo, aquele que guiará todos os outros não menos importantes. E para desenvolver a emoção em seus alunos deve ser um sujeito eternamente emocionando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a entrada cada vez mais precoce das crianças na escola, a Educação tem percebido que sua responsabilidade perante os primeiros anos do desenvolvimento infantil tem crescido de modo substancial e tomado consciência que este é um período de extrema importância, que não pode ser tratado com descaso ou um simples passar de anos.

Com isso, tem buscado mecanismos pedagógicos e aporte teórico que embasem as práticas diárias, proporcionando a essas crianças o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Saber as peculiaridades do cérebro em cada etapa do crescimento tem sido primordial para os professores que trabalham na Educação Infantil, por isso, o apoio da Neurociência tem sido valioso.

Estudos recentes têm revelado que a o uso da musicalização para o desenvolvimento dessas crianças como um instrumento pedagógico tem sido de grande valia. A organização das emoções, da afetividade, controle da ansiedade, desenvolvimento da linguagem, coordenação motora, entre várias outras áreas são citadas como atingidas positivamente pela música.

Com o objetivo de desenvolver o cérebro de uma forma sadia, com conexões neurais fortificadas e emocionalmente bem preparadas, nota-se que a música em suas diferentes formas de expressão cultural e social, será uma grande aliada das salas de aula, pois, proporciona satisfação e alegria, sentimentos essenciais para o bem viver em sociedade.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Ministério da Educação e do Desporto. Brasília: MEC/SEF, 1998. Vol.3.

BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. EDUCAÇÃO MUSICAL: Bases Psicológicas e Ação Preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.

BRITO, Teca Alencar de. MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. São Paulo: Petropolis, 2003.

DESPINS, Jean-Paul. LA MUSICA Y EL CEREBRO. Espanha: Gedisa

GARDNER, Howard. FRAMS OF MIND: The Theory of Multiple Intelligences. New York: Basic Books, 1983.

GARDNER, Howard. ESTRUTURAS DA MENTE: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T. CIÊNCIA PSICOLÓGICA: Mente, cérebro e comportamento. Artmed, 2007

HARGREAVES, D. MÚSICA E DESARROLLO PSICOLÓGICO. Espanha, 2002

HERCULANO-HOUZEL, Suzana. O CÉREBRO NOSSO DE CADA DIA: Descobertas da Neurociência sobre a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2002.

ILARI. Beatriz. A MÚSICA E O CÉREBRO: Algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical Revista da ABEM. Porto Alegre, 2003

MÁRSICO, Leda Osório. A CRIANÇA E O CÉREBRO: Um estudo de como se processa o desenvolvimento musical da criança. Porto Alegre: Globo, 1982.

MUSZKAT, M. A MÚSICA É IMPORTANTE PARA O NEURODESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA. Disponível via URL:http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/09/08/a_musica_e_importante_para_o_neurodesenvolvimento_da_crianca_1707901.html

                                              

                         



[1] Pedagoga - Acadêmica do Curso de Pós Graduação em Neurociência e Educação do INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE IVOTI - RS – anabitello@yahoo.com.br

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