RESENHA DO ESTUDO "TRABALHO E EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS E HISTÓRICOS", DE DERMEVAL SAVIANI

Por Jean Carlos Neris de Paula | 13/09/2017 | Educação

RESENHA DO ESTUDO "TRABALHO E EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS E HISTÓRICOS", DE DERMEVAL SAVIANI

O autor explica, no texto, que melhor seria usar o título ontológico-históricos, junto, não um após o outro ou somatizado. O trabalho discute a indissolubilidade da relação trabalho-educação e como a diferenciação equivocada ocorre do ponto de vista histórico, tortuosamente. Também desperta a necessidade de restabelecimento da articulação trabalho-educação, por intermédio do trabalho como princípio educativo. Além disso debate a polêmica em torno do ensino politécnico.

Nos fundamentos histórico-ontológicos da relação trabalho-educação, nota-se que, simultaneamente, o ser humano trabalha e educa. Isso remete a Aristóteles, em seu método de proximidade e diferenciação específica, ao se considerar a racionalidade como essencial ao homem e a capacidade de trabalhar e educar como acidental. A verdade é que o homem se diferencia do animal irracional pela sua inteligência destacada na fabricação de objetos artificiais usados na transformação da natureza pelo trabalho. Diferente do animal irracional, que se adapta à natureza, o ser humano a ajusta a si próprio.

Portanto, o homem constitui um ser que se cria pelo aprendizado do trabalho, o que caracteriza um processo histórico, transmitindo, de geração a geração, a questão de aprender a trabalhar trabalhando, para continuar a espécie. No comunismo primitivo, não havia divisão de classe, e o modo de produção era comunal.

Desse ponto de vista, percebe-se o processo histórico realizado diacronicamente na ação humana. Também se nota a questão ontológica da natureza do trabalho, uma vez que o produto da ação humana é a própria humanidade, em seu ser. Por isso, pode-se afirmar que não existe educação para a vida, pois o homem não se educa primeiro para depois se viver, ele se educa vivendo e trabalhando e aprendendo ao mesmo tempo, de modo indissolúvel.

Assim sendo, percebe-se que a inadequada separação entre trabalho e educação promove, historicamente, a ruptura da unidade primitiva, por meio da divisão do trabalho, que separa as classes entre proprietários e não proprietários, obrigando o segundo a ter de trabalhar e possibilitando ao primeiro não trabalhar e viver da exploração do trabalho do segundo. Isso remete ao trabalho escravo antigo, quando havia a aristocracia, que recebia educação intelectual, reservada aos homens livres, enquanto os escravos aprendiam trabalhos manuais, para serem serviçais.

Disso tudo advém a terminologia escola, a qual etimologicamente representa lugar de ócio, de tempo livre, caracterizando a dualidade errônea entre educação vs. trabalho. Para se ter uma ideia da questão histórica, no Egito Antigo se ensinava a falar bem, oratória, para o domínio político das castas de dirigentes. Na Grécia, a raideia educava os homens livres, enquanto a duleia educava ods escravos.

É antiga a separação entre práticas escolares e trabalho produtivo, transmitindo assim a reprodução do modo capitalista, por meio de ideologias repassadas pelos Aparelhos Ideológicos de Estado, e a escola representa um deles, sobretudo quando ensina a uma elite privilegiada a arte de governar por meio da intelectualidade, do bom uso da palavra e do conhecimento dos fenômenos naturais e sociais.

Por tudo isso, surge o questionamento histórico de tal separação e a tentativa de se unificar trabalho de educação. A partir do feudalismo, pela troca dos excedentes, surge a sociedade burguesa, capitalista, a sociedade de mercado, e o foco começa a se deslocar do campo para as cidades, da agricultura para a indústria, em uma sociedade contratual, manifestada na Revolução Industrial, a qual tem o mérito de expor a maquinaria como um trabalho intelectual materializado, pelo saber científico. O uso das máquinas gerou o trabalho mecanizado, abstrato, alienado, exigindo a reorganização da articulação social, bem como a preparação de profissionais para a manutenção do maquinário, e as empresas se encarregavam de preparar o profissional para o serviço. Isso bifurcou o ensino entre formação geral e formação profissional, escola para dirigentes e escola para trabalhadores. Mas tal bifurcação precisa ceder espaço, dentro da perspectiva do princípio educativo do trabalho, a uma escola unitária, com cidadania plena, despertada pela importância exigida na hodiernidade de conhecimentos de escrita, de matemática, de ciências naturais e sociais, de direitos e deveres e de valores socioculturais. Isso precisa ser trabalhado no Ensino Médio, explícita e diretamente, para se relacionar o conhecimento à prática do trabalho, o saber ao modo produtivo.

Saviani aborda, ainda, na análise de educação, a polêmica em torno do termo politecnia, usado por Lenin, no socialismo, consagrando-se na ideologia marxista, embora com crítica à acepção pruriprofissional.

Com relação à tecnologia, que valoriza a técnica embasada cientificamente, o ideal, por conseguinte, vem a ser a percepção de que ciência e trabalho coadunam. Essa visão do princípio educativo do trabalho deve ser capaz de tirar o homem apenas da sua necessidade e levá-lo a uma educação libertadora, com desenvolvimento das potencialidades humanas como um fim em si mesmo.

Dério José Faustino Júnior

Jean Carlos Neris de Paula