Educação é cidadania?
Por Adriana Lavorato | 02/03/2012 | EducaçãoEducação é cidadania?
Autora: Adriana Lavorato
Janeiro de 2012.
Na história da política, assim como das políticas sociais, entre outras como as de educação, de habitação, é uma história pautada em: direitos e deveres, poderes públicos e podres privados, cidadania e individualismo, organização social e organização econômica, espaço urbano e espaço rural.
A urbanização parece ser o espaço que mais requer a intervenção das políticas sociais. Quanto mais caótico o seu processo histórico de configuração de uma cidade, mais necessárias são as intervenções das políticas que assegurem os direitos aos cidadão que nela se realizam ( moradores fixos ou não, trabalhadores fixos ou não, estudantes fixos ou não, outros).
Assim sendo, a criação de leis que expressem a vontade coletiva igualmente necessitou de instituições que dessem conta de sua manutenção, ou melhor de sua efetivação no plano prático. Portanto as políticas sociais somente encontram validade quando cumprem o que a vontade coletiva expressou através das leis, embora sabemos que neste processo as contradições têm sua participação; nem mesmo a cidade justa de Platão escapará das contradições, afinal, uma cidade governada por filósofos, administrada por cientistas, resguardada por valentes guerreiros e cuja propriedade não encontra-se na dominação de proprietários, só mesmo dar-se-á no plano transcendente! Portanto, uma das maiores contradições - que parece pertencer à todas as leis - está não na letra mas na palavra (interpretação da letra) e, uma das maiores contradições das políticas sociais é que não consideram muitas vezes a própria realidade social, são políticas muitas vezes arquitetadas com bases individualistas (partidárias e, muitas vezes desconsiderando a própria existência dos direitos legais). Se, consideramos que existe na organização social duas realidades distintas: o povo (base da pirâmide social) e os estratos acima deste, consideramos de imediato que não apenas trata-se de uma organização social mas de uma segregação social, ou melhor, desordem social, já que há aqueles que estão em condições diversas e não coesa. Nem ordenada ou regulamentada pelo Estado. Precisaria se a manifestação coletiva, ou melhor, a coesão social através da expressão: sociedade, se identificasse com o desejo de equidade?
Mas como a sociedade, em sua dinâmica interna, gera tais fatos como o Wellfare State? São as pressões populares? São as pressões internas que buscam amenizar as necessidades sociais com programas de proteção social que funcionam mais como propaganda de governos? Ou, é o insuportável estado de miséria que convive lado a lado “intervindo” no mundo cor-de-rosa dos abastados que, chocam-se ao serem abordados em faróis de trânsito? Enfim, a dinâmica da sociedade é aquela cuja essência é mobilizada pelo incômodo, ou seja, enquanto dá para levar sem gastar com quem pouco lucro dá ... .Até o momento em que mesmo os mais pobres passam a entender o grau da omissão.
Miguel Arroyo, com um ensaio intitulado Educação e exclusão da cidadania, coloca a questão sobre a cidadania não ser uma espécie de caridade do Estado, mas sim uma vitória da qual aqueles que da educação são excluídos, o são na verdade, atores da dinâmica social, lutando e alcançando reconhecimento de cidadão através da luta e não através da educação.
Portanto, diz o autor:
Ainda estão na memória de todos as proclamações solenes de dirigentes políticos que, durante as últimas décadas, justificaram a exclusão da cidadania, com a tese da imaturidade política do povo. Prometiam o direito à participação, desde que o povo mostrasse ter aprendido a ser cidadão consciente,racional e socializado. O que frequentemente foge da nossa memória histórica, é que essa tese não é exclusividade do elitismo autoritário, nem do seu entulho.
(Arroyo: 1991 p. 31)
Nós educadores temos a pretensão de nos auto-intitularmos os mais adequados para a tarefa de educar. Estudamos por longos períodos de formação certificada e aprovada por órgão governamentais, o que nos dá o respaldo legal para as nossas funções. Mal sabe a família, o quanto ela mesma poderia educar. O quanto é mais válido o saber adquirido de técnicas artesanais (tão valiosas quanto qualquer tipo de bem material) passadas entre os indivíduos de famílias que as cultivam como herança para a sobrevivência nos “fundões brasileiros”. E nós, na sala de aula, sem uma herança legítima, sem um vínculo cultural familiar, educamos nossos alunos sobre cultura popular brasileira. Muitas vezes utilizando as toscas ilustrações dos livros didáticos. Que nada de emocionante passam para os nossos alunos sobre essa verdadeira riqueza brasileira. Quanta anestesia cultural.
Só uma visão crítica do processo capitalista e de suas formas sofisticadas de exploração e de embrutecimento do homem nos permitirá equacionar devidamente os limites reais impostos por esse processo à participação e à cidadania e nos mostrará a utopia pedagógica.
(ibdem p. 69)
A educação portanto, não é democrática, continua a ser ( em métodos, conteúdos, estrutura física, insumos, entre outros itens) algo que pertence diferenciadamente aos extratos da sociedade.
Sabemos também, que é próprio do capitalismo ser anti-democrático, faz parte da sua essência autoreproduzir-se através da acumulação (exploração de capital, seja dos recursos naturais ou humanos), como didaticamente afirma o empresário Alain Belda, em entrevista à revista Veja ( 2007 ) que salvar o planeta não é uma questão de ser bonzinho ... é porque é bom para os negócios ...
Somente com frases exemplares como a acima mencionada, e nas atuais circunstâncias pelas quais passa nosso planeta, é que podemos ter uma leve noção sobre o grau nocivo do capitalismo. E, a própria ciência mostra-se igualmente nociva quando reduz a importância de se abordar em sala de aula adequadamente os valores sociais desenvolvidos pela cultura familiar, como o caso da arte popular brasileira, anteriormente citada.
Históricamente na educação brasileira, diversas ocorrências exemplificaram e exemplificam a servidão velada ao sistema capitalista. Como referência de prática política, como descreve este processo histórico no período considerado pelo autor Vieira (1995), a educação brasileira, a partir da constituição de 1988 encontra relevante destaque.
A interessante “marca” que é atribuída à educação enquanto política social histórica, exemplifica como cada governo a modelou segundo suas intencionalidades (capitalistas), portanto, como já afirmado, a educação não é democrática, afinal, o governo esteve sempre em sintonia com os anseios das classes econômicas mais favorecidas, sendo que atualmente os representantes do poder público são predominantemente oriundos destas classes abastadas. E a estas interessava manter os seus procedimentos de exploração, porém sem dar este tipo de entendimento. Para tanto, destaco do texto de Vieira (1995 p. 43), a seguinte observação do autor:
Não há dúvida de que, segundo o pensamento de Vargas, o aprimoramento educacional das massas populares apenas poderia servir a paz social, à manutenção da ordem pública, dentro de sua preocupação de evitar conflitos.
Deste destaque, pode-se perceber que além de não democrática, a educação também não é libertadora. O indivíduo permanece reproduzindo a lógica do capital quando é seduzido pelo produto; que para adquiri-lo gasta além de suas possibilidades físicas e financeiras, gerando o lucro para quem o produz.
Muitas vezes os produtos da industria cultural de massa repetem fórmulas que pautam-se em imensas pesquisas de perfil de consumidores; passando estes valores culturais para gerações de educandos que, quando em suas escolas pouco de sua cultura original têm a aprender. Portanto resta a pergunta: quem educa quem ? A escola ou o mercado? O povo realmente exercita a sua liberdade de escolha quando exposto a esses produtos? Saberia como fazê-la a seu próprio favor?
Segundo Demasi (2000, p.97):
A liberdade é difícil. (...) é necessária também, uma profunda transformação interior, individual e coletiva.
De fato que as noções que os autores que fundamentaram as políticas sociais, entre outras disciplinas, e entre outros autores, nos trouxeram por meio de suas obras, uma reflexão profunda sobre os deveres aos quais temos a cumprir no campo educacional, ético, profissional e para todos como cidadãos, nos alertam; estes autores apontaram para a relevância das atuais temáticas humanas, implicando diretamente no próprio devir da humanidade sob as determinações de um processo tecnológico, ecológico, social, irreversível e em constante avanço.
É urgente formarmos pessoas, que mesmo na mais tenra idade escolar já considerem questões como a ética nas relações, como algo importante e possível.
Em um momento no qual a evidência é a instabilidade, e onde o conhecimento parece ser uma vantagem frente a alta competitividade, a sociedade altera suas regras velozmente e novos parâmetros de profissionais surgem a todo momento.
A supervalorização do conhecimento aplicado, ou seja, a sabedoria mais a sua prática mais eficaz, eficiente, tornou-se o bem individual mais valioso, cujas metas podem ter abrangências continentais. Daí a importância deste conhecimento servir a todos e ao planeta, diferente do que ocorre.
A grande questão é como formar as pessoas para alcançarem tais metas. E, se tudo isto faz sentido para a vida destas pessoas no momento de suas formações já que, o futuro econômico e tecnológico mostra-se de forma não tão objetiva quanto a considerar o aproveitamento de um contingente humano que a cada ano exige mais preocupação quanto a sua própria sobrevivência e, quanto aos recursos naturais a serem preservados também dignamente para as outras espécies?
O fenômeno que presenciamos como educadores parece novo por conta das estatísticas mas, são os desdobramentos dos modos de viver da humanidade onde uma pequena parcela dos seus representantes guiam a imensa totalidade de forma nem sempre criteriosa, dirá então, em relação ao planeta no qual ocupam.
A natureza de uma nova atitude cidadã pautar-se-á pedagogicamente, pela recuperação do sentido de coletivo .Não mais como algo abstrato, idealista, mas concreto, a partir do vínculo entre escola e cidadania, formando sobre direitos e obrigações.
Referências:
ARROYO, Miguel.et Al. Educação e cidadania: quem educa o cidadão?São Paulo: Cortez, 1991.
VIEIRA, Evaldo. Estado e Miséria Social no Brasil - de Getúlio à Geisel - 1951 à 1978. São Paulo: Cortez, 1995.
BELDA, Alain. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/140207/entrevista.shtml acesso: 07/11/2011
DE MASI, Domenico. A sociedade Pós-industrial. 3ª ed. São Paulo : SENAC, 2000.