Educação de Jovens Adultos: Um Reflexo da Sociedade e Política na Educação Brasileira Atual

Por Keli Oliveira Maciel | 18/12/2008 | Sociedade

RESUMO: Este artigo trata dos novos desafios da Educação de Jovens e Adultos, considerando movimentos da escola e sociedade e suas implicações na educação. È realizada uma análise sobre a caracterização da EJA nos dias atuais, levando em consideração toda sua evolução histórica e suas modificações. O texto apresenta reflexões acerca de políticas educacionais e suas atuações dentro da escola onde são levantadas questões sobre a necessidade da formação docente especifica para esta área da educação. Ao final o texto acentua a relação entre sociedade e escola e as dificuldades encontradas na inserção do jovem na EJA ao mesmo passo que na sociedade. São sugeridas ao final deste artigo novas reflexões em busca da harmonia entre sociedade e escola e na relação professor-aluno. PALAVRAS-CHAVE: EJA, Sociedade, Escola, Políticas Públicas, Jovens, Professor, Aluno.  

De fato, é imprescindível compreender que a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino que prima pelo sujeito, formando uma das políticas nacionais que favorecem para inclusão social, trazendo de volta à escola, jovens e adultos que por diversas dificuldades não permaneceram no ensino regular. Entretanto escola e sociedade, até o momento, estão distantes deste entendimento, além disso, elas resistem ao fato de defrontar-se com a nova realidade da EJA, que vem se caracterizando com o ingresso de alunos cada vez mais jovens. Sabemos que seriam necessários muitos anos de pesquisas, estudos e reflexões, para se chegar à reconfiguração da EJA na qual corresponda a realidade e contexto atual. Todavia, a partir dos estudos realizados, pudemos refletir e propor algumas alternativas.

Antes de direcionar nosso olhar crítico para escola, precisamos considerar que as políticas públicas feitas para organização da EJA, são teoricamente belas², porém parece não serem pensadas para a realidade de nosso país. O surgimento da Educação de Jovens e Adultos teve inicio nos anos 60 com a forte mobilização popular, frente a movimentos de cultura e educação espalhando-se por todo país. Tendo como seu grande precursor nosso renomado mestre Paulo Freire, que trazia em seus métodos a principal característica da EJA "o sujeito como ator de seu próprio aprendizado", educando para conscientização, pela formação de sujeitos críticos, educação pela liberdade.³ Na decorrência desses movimentos políticos-sociais objetivou-se a diminuição do analfabetismo no Brasil, a escolarização de adultos para novas técnicas de trabalho e principalmente "formar milhares de eleitores "conscientes da realidade nacional", provavelmente em sua maioria, prontos para sufragar candidatos populista e/ou progressistas/de esquerda." (SCOCUGLIA, 2001, p.45). Como podemos perceber a escolarização de jovens e adultos foi marcada em seu começo pelas militâncias de partidos, grupos entre outros atores de nossa sociedade, segundo Scocuglia (2001, p.46)

[...[ a tendência dos votos a favor de certa renovação política, contra o voto de cabresto, também era mensurável, ainda que não tenha modificado o panorama político nacional. A implantação da educação de adultos, em massa, desnudava outros interesses – como os dos católicos e dos protestantes – pelo controle político-pedagógico da alfabetização dos adultos.

A EJA já obteve outras caracterizações nomeadas de diferentes formas, como por exemplo, MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos), Supletivo e o SEJA (Secretaria de Jovens e Adolescentes); que mesmo tendo diferentes modelos, existia um mesmo propósito, pois dentre as fortes mobilizações sociais da década de 60 entre outros fatores anteriores da história da sociedade brasileira e mundial, a escolarização de jovens e adultos passou a ser uma preocupação dos governantes, na formação de um povo que possua o domínio da leitura e da escrita, para o entendimento de novas técnicas da produção industrial, na organização de trabalhadores que saibam utilizar tecnologias nos novos processos de trabalho. É fato, que o Brasil tem se procurado, em seu meio social e político, com avanços que auxiliem na construção de condições para a alfabetização social e o verdadeiro exercício da cidadania. Contudo sabe-se da dificuldade existente em muitas ações educativas, no momento de fazer uso real do que prevê a legislação quanto a EJA. Podemos perceber que, as políticas públicas sãoimplantadas nas instituições de ensino sem aviso prévio, ou seja, sem a preparação daqueles que irão atuar sobre elas. É notável a necessidade de uma preparação da escola para o desenvolvimento dessa modalidade, é indispensável à constituição de um corpo docente especializado e disposto a trabalhar diretamente com as especificidades da EJA. Sobre esta abordagem, Arroyo (2005) argumenta que

[...] poderíamos encontrar outros indicadores de que estamos em um tempo propício para a reconfiguração da EJA. Um dos mais promissores é a constituição de um corpo de profissionais educadores (as) formados (as) com competências específicas para dar conta das especificidades do direito à educação na juventude e na vida adulta. (p.21)

É verdade que a escola possui deficiências em sua gestão, de modo a organiza-se para receber e produzir um ensino de qualidade. E problematizando sobre a gestão escolar, no que diz respeito à organização didático-pedagógico na Educação de Jovens e Adultos, percebemos que a maior parte das escolas congelou-se no tempo, em seus processos educativos, pouco pertinentes a essa modalidade de ensino. Percebemos na atualidade, que muitas escolas têm dificuldades de explorar os projetos político-pedagógicos – saída da teoria para prática-, e é preocupante o desconhecimento ativo de leis e políticas públicas produzidas para escolarização da EJA.

A legislação existente para EJA usufrui de uma especificidade própria, que compreende essa modalidade de ensino como uma ação educativa diferenciada, e visa diretamente o sujeito, levando em consideração as marcas de suas trajetórias pessoais. Torna-se, por tanto, necessário que a escola assuma sua contemporaneidade, sem deixar para trás seus benefícios para sociedade, mas assumindo nos cenários educativos as modificações sofridas pela mesma, como nos propõe Brunel (2004) ao afirmar que

[...] sabendo que os jovens que freqüentam a EJA construíram a sua trajetória escolar fora dos padrões definidos pela escola regular e que este número cresce a cada ano, é pertinente nos questionarmos acerca do que está ocorrendo com a instituição, já que ela não está conseguindo atender plenamente às necessidades de uma boa parcela de jovens que poderia freqüentar este espaço. (p.37)

Contudo, não podemos desconsiderar que a gestão de nossos governantes tem falhado com a educação, precisando se reestruturar para que então seja verdadeiramente garantido o direito a escolarização a esses jovens e adultos. Seguindo esta linha de pensamento Arroyo (2005) afirma que

[...] assumida esta dimensão: direitos negados historicamente aos mesmos coletivos sociais, raciais, conseqüentemente teremos de assumir a EJA como uma política afirmativa, como um dever específico da sociedade, do Estado, da pedagogia e da docência para com essa dúvida histórica de coletivos sociais concretos. (p.30)

Um dos fatores que fortemente sensibilizam as ações educativas na escolarização de jovens e adultos é o despreparo docente. Fica difícil trabalhar ou explorar as dinâmicas da EJA, sendo que o docente não pode conviver em sua formação inicial, experiências e reflexões relativas à escolarização de jovens e adultos. Com relação, às políticas educacionais brasileiras são na maior parte pensadas e valorizadas para faixa etária que vai dos 06 aos 14 anos de idade – conhecido por ensino regular-, mas quando falamos de EJA, ou conhecido como ensino não regular, a escola apresenta variadas inadequações. Mas, o fator que fortemente potencializa-se para a desistência escolar, é a falta de especialistas nessa área.

Outro importante aspecto, diz respeito à dinâmica de como os alunos se encaminham para a EJA por dificuldades no ensino regular, assim como grande parte dos professores dessa modalidade, optam pela EJA por não suportarem algumas pressões do ensino diurno das escolas, na crença de que o noturno trará menos preocupações – menos estresse físico e mental-, pela flexibilidade e a não obrigatoriedade de formação docente para essa modalidade, passa primeiramente ao professor uma falta de seriedade para com esse público, que é diferente, mas nem por isso, menos importante que o infantil. Portanto, quando se depara com as dificuldades desta etapa escolar sente um mal estar por não saber quais ações tomar para qualificar o desenvolvimento do ensino-aprendizado.

Em vários momentos essa tormenta enfrentada pelo professor é acentuada pela imobilização da gestão escolar que não procura meios para qualificar seu corpo docente, que também se sente enfraquecida por não ter um auxílio mais atencioso por parte dos governantes. Neste ponto vale refletir sobre o que ressalta Scocuglia (2001) ao salientar que não é necessário

[...] muito esforço para se compreender a inexistência histórica de uma educação "para todos", a "serviço da humanidade", "para o bem geral". Em uma sociedade profundamente divida e injusta como a brasileira, a educação – enquanto prática sócio-política – é instituída por camada caracteriza-se por ser de classe. Não existe prática educativa neutra. Ao contrário, a educação é uma prática política ao manifestar e instituir concepções de sociedade, de relações sociais (individuais, de grupos, de classes), de divisão social do trabalho. (p.32-33)

Em vista disso, fica clara a emergência da consolidação de políticas que oportunizem a esses jovens e adultos o seu direito a uma escolarização de profundidade e qualidade, pensando na qualificação imediata de professores diretamente acreditados, distintos, que atendam as verdadeiras necessidades da EJA, reformulando essa concepção de que para ser professor de EJA basta à vontade de lecionar para o ensino noturno. É preciso um docente que tenha atributos e seja preparado com real consistência para trabalhar com uma modalidade que se diferencia por visar mais claramente o sujeito.

Por sua vez, a sociedade vem se modificando em ritmo acelerado, deixando para trás seus princípios de modo alienado em nome de novas tecnologias e de um capital exorbitante. Difícil admitir, que somos parte de uma sociedade que facilmente levanta um olhar negativo sobre seus jovens, e não percebe sua imagem sendo refletida nos mesmos. Logo, fica claro que dentro da escola acontece a soma de todos esses fatores políticos e sociais, pois seria inocência de nossa parte pensar, que o fracasso escolar do jovem, provém somente da instituição de ensino onde está inserido.

Entretanto, temos que concordar que a escola está à margem de seus jovens, muitas vezes pelo medo de encarar o novo, por desconhecimento ou até mesmo por ser mais cômodo. Prefere acreditar que nada mudou e que seus alunos permanecem com mesmo perfil, o que não é real. A EJA vem sendo composta por alunos com aspectos diferentes, mas, mesmo que sejam mais jovens, são sujeitos que têm direito a escolarização.

Precisamos mudar a visão negativa que existe em relação a esses alunos, temos de rever conceitos e métodos utilizados em sala de aula e perceber esses jovens não tão somente como aluno, mas principalmente como "seres humanos", possuidores de histórias, de expectativas, dificuldades, sonhos e desejos.

A escola oportunizando espaço para os jovens serem jovens, tem muito a ganhar, pois na ótica de diversos alunos a escola é percebida como um espaço social – conversar com os amigos, relaxar, jogar bola, namorar. Por conseguinte, se torna o único local onde podem viver suas juventudes. Mesmo sendo tratados como enigmas para escola, os jovens procuram no professor um amigo, para compartilhar alegrias e anseios e que alternativas que contribuam para o crescimento pessoal.

A escola ainda segue o princípio de que o jovem a freqüenta para "ser alguém na vida" (VASCONCELLOS, 2002, p.36) e deixa de lado o que já é. Sobre isto,Arroyo (2004) afirma que"se os professores exigem que os alunos respeitem a imagem dos mestres, estes também terão de começar rever a imagem que se fazem dos alunos educados" (p.36). Faz-se necessário que a escola se organize para que exista harmonia na relação entre professore e aluno. Portanto, é chegada à hora dos professores da EJA reverem seu olhar sobre seu educando, e principalmente se auto-avaliar, tomando consciência de sua responsabilidade quanto à escolarização e vida desses jovens e adultos.

REFERÊNCIAS:

ARROYO, Miguel G. Imagens Quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes, 2004.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: Do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 2007.

Brunel, Carmem. Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos. POA: Mediação, 2004.

Scocuglia, Afonso Celso. Histórias inéditas da educação popular: do sistema Paulo Freire aos IPMs da ditadura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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NOTAS:

 

1.Acadêmica do 8º semestre do curso de Pedagogia/UniRitter – 2008/2

2.As políticas públicas elaboradas para EJA possuem um diferencial determinante para inclusão social, mas as atuais escolas brasileiras permanecem atadas nos modelos da escola idealizada por Comenius, firmadas em regras, ordens de espaço e de tempo, que não permitem uma visão diferenciada sobre os educandos.

3.O método de alfabetização utilizado por Paulo Freire, propõe ao aluno pensar "sobre" o que a palavra lhe sugere, realizando a leitura da palavra fazendo relação com a leitura do mundo. Permitindo que os sujeitos não tão somente se alfabetizem, mas também saibam pensar criticamente sobre seu aprendizado e ao mesmo tempo pensar sobre o mundo ao seu redor.