EDUCAÇÃO COM AFETIVIDADE: SER OU NÃO SER AMIGO DOS ALUNOS?
Por Leonardo Freitas Alves | 13/07/2016 | EducaçãoEspecificamente hoje, passei pela avaliação semestral que é feita com todos os profissionais na escola onde trabalho. Por mais que eu já imaginava que, pelo menos, as coisas andavam bem, senti um friozinho na barriga – ninguém fica 100% relaxado enquanto está para ter seu trabalho colocado em xeque! Porém, o que eu ouviria de minhas queridas coordenadoras me fez lembrar algo que ocorreu há alguns anos e que me deixou feliz naquele momento. Certas palavras que me fizeram rever toda uma trajetória. E por essa sensação ter voltado é que hoje, em tom bem íntimo, me atrevo a dividir com vocês um pouquinho dessa experiência.
Na virada de 2007 para 2008, eu estava numa verdadeira “crise existencial”: havia mais de 2 anos que eu não dava aula regularmente e havia acabado de pedir demissão (num ato de autruísmo que em poucos dias se tornou um pesadelo...) do maior jornal do Centro-Oeste, onde eu atuava como revisor de texto. Embora houvesse uma série de benefícios vantajosos, havia um ambiente muito estranho. Sempre fui avesso à rotinas rígidas e escritórios. Isso eu sabia que não era pra mim. Contas chegando e recém-casado, imprimi alguns currículos e sai entregando, com o peso do desemprego e do mundo sob meus ombros. Andando dali e daqui, qualquer escola me servia: da maior à aquela de fundinho de quintal. Me deparei com uma das grandes, hoje presente no Brasil inteiro. Ali entrei e depositei meu singelo curriculozinho no balcão da secretaria, na esperança (mesmo que distante) de ser convocado. E para minha surpresa, fui! E lá naquele local havia algo que iria me marcar para sempre: as adoráveis criaturas da turma do primeiro ano!
Era o início do Ensino Médio, numa reformulação interna do estabelecimento. No 1º ano que fiquei lá, dava 2 aulas semanais de Redação, para a única turma de EM do colégio, no sábado, às 7h15min da manhã. No mínimo, aquilo seria deprimente! Então, usei do único artifício que bombava na minha cabeça constantemente: “Preciso conquistar essa molecada!”. E assim começamos nossa jornada! Em pouco tempo, as aulas começaram a fluir de maneira dinâmica e divertida. Isso foi conquistado com muito planejamento, esforço e acima de tudo, na crença de que havia uma relação mútua de amizade entre eu e eles. Já vi muitos professores bater no peito e bradar com ar inquisitor: “Aluno não me toca!” ou ainda um “É ele lá e eu aqui”. Francamente, deve ser muito frustrante entrar numa sala repleta de pessoas jovens e inquietas, ávidas por novidades e mostrar-se “receptivo” assim. Desde que comecei, essa postura nunca foi meu foco e agora que eu já estava mais que concentrado com minha amada turminha, não seria mesmo. Ao fim de 2008, consegui mais 2 escolas e terminei o ano com aquela turma que me marcaria para sempre.
Talvez o relato soe pessoal demais, mas é necessário mais do que apenas uma reflexão sobre isso. Geralmente, indisciplina é fruto de um olhar desatento sobre nossos alunos. Não adianta planejarmos uma aula, uma atividade de forma homogênea e sonhar que vamos aplicá-la em todas as turmas e tudo dará certo. Para isso já existe a prova. Todos que são professores sabem em que turma tal coisa vai render mais, ou ao menos, deveriam saber. E o problema é justamente esse: tem muito, mas muito profissional que não sabe! E se brincar, nem faz ideia disso. Início de 2009: de 7 horas semanais pulei para quase 60, o que se traduzia em lecionar manhã, tarde, noite e sábados. Lá ia eu, (desta vez como professor regente de Gramática e Literatura) rever meus queridos alunos, agora do segundo ano. Foi um ano altamente produtivo: recitais, aulas fora da escola, saídas de campo, feira de ciências (onde explodi um fogareiro com eles e quase queimei 2…). E assim fomos caminhando. Até dois lindos casais surgiram de dentro daquela turma, os quais se perduraram por anos depois. Sabe aquele namorico de escola que vira coisa séria? Foi assim que aconteceu com esses dois casais. Ou pelo menos, deveria ter acontecido…
Não sei por qual motivo específico isso acontece, mas eu posso afirmar que alcanço e conquisto 90% dos corações dos alunos pelos quais passo. E olha que fui fazer uma média (checando listas de presença no meu e-mail desde 2003) e descobri que já dei aula para quase 8.000 pessoas. É muita gente! E vejo da seguinte forma: conquistá-los foi – e vai - muito além de um “favor” meu, mas sim, uma obrigação. Não digo a conquista na questão de ceder aos caprichos de 30, 40 pessoinhas. Porém, nada melhor que ministrar uma aula onde se vê que todos ali (ou quase todos) mantém admiração, carinho e intimidade com você, muito embora alguns achem isso o fim da carreira. Educar um aluno não difere muito de um filho: dê limites, mas dê carinho; brigue, mas elogie; esteja pronto para questionamentos, expressões de vontade e coisas assim. Geralmente, uma cara amarrada nada mais é que um grito de socorro. Há casos e casos, mas com o tempo, a experiência e a sensibilidade foi me mostrando (em grande parte dos casos) qual caminho eu deveria seguir.
Como fruto de todas essas turmas em que passei, já fui em inúmeros churrascos, festas de 15 anos, confraternizações e coisas do tipo. Já encontrei aluno em bar, shopping, enterro, praia, clube, igreja, oficina mecânica, quiosque de venda de frango e por aí vai. É sempre uma alegria vê-los, não posso negar. E por falar em alunos, eis que em 2010 estava eu como a minha famosa turminha, agora no terceiro e derradeiro ano. E foi um ano cheio de trabalho, aulas e mais aulas preparatórias para o vestibular. Da equipe original, apenas eu e mais um permanecemos. Ao fim do ano, modestamente escolhido como orador da formatura, fiz um discurso que admito, estava emocionante. Nem eu mesmo resisti. Não sentia como se findasse um ano, mas sim, como se estivesse me despedindo de grandes amigos. Amigos pelos quais ainda guardo grande carinho e algum contato. Lembra da dupla de casais que falei lá em cima? Um deles está terminando a faculdade e vão se casar, tendo inclusive me convidado. O outro…bem… já haviam se casado em 2014. Um casal jovem, cheio de sonhos, feliz com o namoro dos tempos de escola. Mas Deus quis diferente para este e em 2015, a jovem aluna (agora senhora) faleceu de uma leucemia feroz que a ceifou em míseros 3 meses. Fiquei sabendo pelo agora viúvo de 23 anos. Não consegui ir ao enterro. Havia acabado de perder meu pai, também de câncer, há menos de 6 meses do fato e não gostaria de reviver tudo aquilo. Ainda mais, tendo visto uma ex-aluna tão jovem, bonita e cheia de vida como ela era.
Talvez esta coluna tenha sido relatada com muita parcialidade, mas não tem como não ser. Eu literalmente adoro o que faço e, por mais que eu saiba de cor e salteado nossos percalços e dores da profissão, adoro mais ainda estar entre eles. Há quem pense que isso seja desnecessário, fútil, que quebre o “decoro” de nossa profissão, dentre outras coisas. Minha dica dessa vez é que você, que agora me lê, não pense assim. Nossos alunos são frutos de nossas aulas, nosso trabalho e nossa conduta. Eles mantêm reais expectativas de que sejamos próximos, companheiros. Óbvio que temos de ser duros às vezes, mas acredite: no fundo, no fundo, a imensa maioria apenas quer ser ouvida, considerada, e por qual motivo não dizer “amada”? Aproxime-se, inove, reivente-se dentro de tudo aquilo que você sonha em ser. E convide seus alunos para fazer parte de sua vida. Eles (e principalmente você!) só vão ganhar com isso.