Educação: avanços e desafios
Por NERI P. CARNEIRO | 27/04/2013 | FilosofiaEducação: avanços e desafios
O momento que estamos vivendo nos convida a algumas reflexões a respeito de uma prática que nos envolve: a educação; ou o processo educacional. Um processo que deveria ser o mais sublime, pois trata da preparação de nossos filhos, mas que em muitas oportunidades é mal feito ou feito por incompetentes e, o que é pior: é gerido por mercenários que não estão ali porque apostam no futuro, mas para tirar proveito pessoal.
Implicações da educação como prática de um processo sublime.
Vamos fazer algumas considerações a respeito da educação considerando-a como a prática de um processo envolvente e, ao mesmo tempo sublime, pelo qual estamos preparando as futuras gerações; os nossos filhos que determinarão os rumos do mundo. Somos herdeiros dos valores que recebemos de nossos educadores e com esses valores nossos educadores construíram o mundo que nos legaram. Agora, como educadores, pais e professores, estamos preparando o mundo que legaremos aos nossos filhos e, ao mesmo tempo estamos preparando nossos filhos para conduzirem o mundo que lhes entregaremos.
Mas vamos discutir esta realidade e, com isso perceber os avanços e os desafios que se impõem à educação.
Inicialmente podemos dize que a educação é uma prática porque não se trata de um fenômeno espontâneo, mas uma ação que ocorre de forma intencional e com objetivos bem determinados: transmitir os valores socialmente aceitos. Além disso nossas ações cotidianas repercutem nos outros e isso, a grosso modo, também pode ser visto como um processo educacional. Nossas ações, portanto, sempre são ações educativas. Nossas ações, expressão de nossas práticas, representam aspectos do processo educacional. Não se educa somente pelo falar, mas também e principalmente pelo agir. Por isso é que nossa prática educativa.
Em segundo lugar a educação nos envolve porque todos somos fruto da educação; esse é um processo que nos obriga a olhar o mundo, a sociedade e nossa temporalidade em perspectiva de futuro: tudo o que fazemos não o fazemos para o ontem – que já não nos pertence – ou para o momento que estamos vivendo – pois esse é um instante muito tênue; tudo que fazemos é para permanecermos existindo depois de nós e para nos projetar no futuro. Como não somos eternos, nos projetamos por meio de nossas obras. Nossas obras darão testemunho de nós e nelas nos imortalizamos. Dessa forma é que criamos, desenvolvemos, recriamos e transmitimos os valores que desejamos que sejam imortalizados. E isso caracteriza a atitude educacional que perpassa todas as nossas ações no presente em vista do futuro.
Em virtude disso podemos dizer que um pai educa seu filho porque o quer ver realizado como cidadão de bem, vivenciando os valores defendidos pela família. Um professor educa o estudante porque o quer ver destacando-se na sociedade; para isso lhe transmite todas as informações de que é capaz a fim de que o estudante se aproprie e desenvolva essas informações.
Notemos que tanto o pai como o professor se sentem orgulhosos quando podem dizer: aquela pessoa ilustre é meu filho ou foi meu aluno!
Essa realização e esse destaque, sonhados pelo pai ou elo professor, não ocorrem no ontem nem no presente, mas são projeções para o futuro. A ação é atual, mas seus resultados são potenciais. Além disso tanto o pai como o professor, ao projetarem o jovem para o futuro também se projetam nesse futuro. Ao projetar o jovem o pai ou o professor se visualizam no futuro. Por isso o processo educacional é preparação para o futuro. Um futuro incerto em sua realização, mas sonhado enquanto projeto do hoje para o amanhã.
Isso já aponta para um primeiro desafio ou problema: o educador (pai ou professor) por estar projetando o futuro de uma criança ou de um jovem, não pode agir de forma irresponsável nem descomprometida. A ação educativa exige compromisso com o educando. Caso contrário a ação terá sido desenvolvida em vão pois acabará se dissolvendo no tempo ou produzindo situações contrárias ao desejado – notemos que isso vem acontecendo em ritmo crescente. Notemos como estamos insatisfeitos com a realidade atual da educação.
Além de ser uma prática e nos envolver, a educação é um processo. Porque dizemos isso? Por que em se tratando de educação não existe ponto final. Desde que nascemos estamos aprendendo. Daí a expressão popular: “vivendo e aprendendo”. Se estamos aprendendo sempre estamos no processo da aprendizagem. Sempre estamos prontos para reiniciar e constantemente estamos reiniciando a ação educacional. Todo fim é sempre um começo, como a música de Milton Nascimento “Encontros e Despedidas” (disponível em http://www.vagalume.com.br/maria-rita/encontros-e-despedidas.html#ixzz2RHWkw3Nl):
“Todos os dias é um vai e vem/ a vida se repete na estação/ Tem gente que chega pra ficar/ Tem gente que vai pra nunca mais/ Tem gente que vem e quer voltar/ Tem gente que vai e quer ficar/ Tem gente que veio só olhar/ Tem gente a sorrir e a chorar/ E assim chegar e partir/ são só dois lados da mesma viagem/ O trem que chega é o mesmo trem da partida/ A hora do encontro/ é também despedida”
Sendo assim, se entendemos a educação como processo, somos levados a constatar mais um problema: nem sempre os pais ou os professores estão comprometidos com seus educandos. Não são raros os casos em que vemos pais negligenciando sua responsabilidade educacional. Qual professor que ainda não ouviu expressões como: “dá um jeito no meu filho que já não sei mais o que fazer com ele”. Também não são raros os casos de professores que só permanecem lecionando porque ainda não foram capazes de arrumar outra coisa para fazer; ou não tiveram capacidade de passar em outro concurso, dizendo: “se eu passar nesse concurso nunca mais piso numa sala de aula”. O descompromisso ou a falta de motivação para permanecer lecionando/educando é um dos piores problemas do processo educacional tanto escolar como familiar.
Os pais que perderam a rédea e os professores desmotivados estão entre os grandes responsáveis pela atual crise do processo educacional. A família precisa reassumir o controle de seus filhos, inclusive exigindo algumas alterações na legislação, para que fique mais clara a responsabilidade dos pais e das crianças e adolescentes. Atualmente se fala muito nos direitos das crianças, mas não se destaca, com a mesma enfase suas obrigações. Também os professores que não se sentem motivados a continuar lecionando, por imperativo ético devem afastar-se da sala de aula e do universo escolar, pois estão prestando um desserviço ao processo. Sua desmotivação contamina aos estudantes. Por covardia e medo muitos professores desmotivados continuam sendo empecilhos aos processo educacional. É necessário coragem para dizer: não quero mais!
Esse problema já foi cantado por Tião Carreiro e Pardinho, na música “A vaca foi pro brejo” (disponível em: http://www.vagalume.com.br/tiao-carreiro-e-pardinho/a-vaca-foi-pro-brejo.html)
Mundo velho está perdido, já não endireita mais / Os filhos de hoje em dia já não obedece os pais / É o começo do fim, já estou vendo sinais / Metade da mocidade estão virando marginais / É um bando de serpente / Os mocinhos vão na frente, as mocinhas vão atrás...
Pobre pai e pobre mãe, morrendo de trabalhar / Deixa o coro no serviço pra fazer filho estudar / Compra carro a prestação, para o filho passear / Os filhos vivem rodando fazendo pneu cantar / Ouvi um filho dizer: O meu pai tem que gemer, não mandei ninguém casar...
O filho parece rei, filha parece rainha / Eles que mandam na casa e ninguém tira farinha / Manda a mãe calar a boca, coitada fica quietinha / O pai é um zero à esquerda, é um trem fora da linha / Cantando agora eu falo: Terreiro que não tem galo / Quem canta é frango e franguinha...
Pra ver a filha formada, um grande amigo meu /O pão que o diabo amassou o pobre homem comeu / Quando a filha se formou, foi só desgosto que deu / Ela disse assim pro pai: "quem vai embora sou eu" / Pobre pai banhado em pranto / O seu desgosto foi tanto que o pobre velho morreu...
Meu mestre é Deus nas alturas, o mundo é meu colégio/ Eu sei criticar cantando: Deus me deu o privilégio/ Mato a cobra e mostro o pau; eu mato e não apedrejo/ Dragão de sete cabeças também mato e não alejo/ Estamos no fim do respeito/ Mundo velho não tem jeito, a vaca já foi pro brejo.
Sendo uma prática envolvente e um processo, a educação é um ato sublime de preparação. Isso porque estamos falando de uma ação altruísta, pois está voltada para a formação das crianças e dos jovens para sua inserção na vida. O educador não age para si, mas para e pelo outro. Por esse motivo é um processo sublime, a educação está voltada para o futuro das crianças e jovens, para sua iniciação, acompanhamento e orientação para a vida e a inserção no universo do trabalho. Por meio da ação educacional os adultos instrumentalizam os mais jovens a fim de que sejam capazes desenvolver sua autonomia no cotidiano.
Essa ação altruísta, sublime, ganha uma áurea de sacralidade. A ação do educador é uma espécie de recriação do mundo pois ao ajudar o estudante a se preparar para o futuro o está capacitando a inserir-se no mundo, com condições de interferir e transformar o mundo. Nesse sentido a ação do educador é uma espécie de prolongamento da ação criadora de Deus, ou seja, o educador como que participa da ação criadora de Deus.
Afirmar a sublimidade do processo educacional não implica dizer que esse processo seja como que um sacerdócio, um trabalho abnegado, gratuito e desinteressado ou neutro. Pelo contrário: exige comprometimento na forma de opção política pois a partir da postura política do educador poderão desenvolver-se melhores políticas públicas para a educação; da mobilização política dos professores podem surgir melhores condições salariais; da participação política das famílias podem desenvolver-se mais práticas democráticas de ação escolar e de gestão. Por ser uma ação sublime exige que o educador tome posições: uma posição em favor do estudante, preparando-o para a vida; e uma posição em favor da participação da sociedade nas decisões e nos rumos a serem seguidos pelos gestores.
Por esse motivo é que a ação educacional não é neutra. Ela sempre assumirá uma posição a favor de alguma linha de ação; notando que o fato de ser contra uma posição implica ser a favor de outra. As posturas sempre serão contra ou a favor desta ou daquela postura, mas nunca indiferente, pois a indiferença significa a manutenção do status quo o que significa ser a favor daquilo que está estabelecido
Educação: avanços e desafios
Feitas essas considerações podemos nos perguntar: tem havido avanços em nosso sistema educacional? Quais os desafios, o que nos impedem de ser melhor?
Agora falando apenas do processo educacional do sistema escolar, podemos dizer que ocorreu um enorme salto. No inicio da colonização portuguesa, com exceção das escolas de catequese mantidas pelos jesuítas, não havia sistema escolar. E durante alguns séculos a realidade não mudou. Para os filhos dos trabalhadores não havia escola, pois “o serviço da roça” não dependia de “leitura”. Os filhos dos trabalhadores como que nasciam para manter a obra de seus pais, que era continuar na roça. Os filhos dos ricos, os coronéis, que estavam destinados a ser “doutor” eram levados para Portugal. Lá estudavam e depois voltavam para desenvolver suas atividades na política.
Podemos dizer que essa realidade não existe mais. Atualmente há muita facilidade de acesso à escola: a lei obriga a manter o filho na escola; mesmo as crianças da área rural têm acesso à escola graças ao sistema público de transporte escolar.
Essa obrigatoriedade de manter as crianças na escola, em alguns casos passa a ser um problema, pois – em geral os adolescentes – não querem estudar e produzem as mais diferentes situações de indisciplina. Mas a lei o obriga a se manter na escola mesmos contra a vontade. E a escola que se vire para aprender a lidar com essas e outras situações de crianças ou adolescentes que indisciplinados e desmotivados para o estudo.
Outro avanço é o que podemos chamar de financiamento do ensino público. Atualmente não falta dinheiro para a manutenção da merenda ou para os pequenos reparos na escola. O valor em dinheiro para a merenda pode ser pouco, mas o fato é que tem merenda que em muitos casos acaba sendo a única refeição de algumas das crianças.
Também avançamos no que se pode dizer liberdade de ação e da gestão democrática. Temos ainda muito que crescer, mas, pelo menos na rede estadual (em Rondônia) é a comunidade escolar que escolhe os gestores. O gestor escolar representa a comunidade escolar diante do poder público.
Outro avanço que não podemos deixar de observar é que nos dias atuais todos os servidores da educação podem fazer cursos de atualização; os processos de formação continuada estão à nossa disposição. Podemos até nos dar o luxo de desdenhar os cursos que nos são oferecidos. Mas não podemos dizer que não nos é dada chance de manter um processo de formação continuada.
Já houve época em que o atraso ou as dificuldades nas escolas eram creditadas apenas ao poder público. Atualmente o poder público vem agindo. Como uma máquina ou rolo compressor, mas está agindo. Cabe a nós sabermos cobrar e conduzir essa máquina. Tem muito que melhorar? Com certeza, mas o poder publico não está dormindo ou só atrapalhando.
E com isso podemos assinalar alguns desafios que o universo da educação escolar ainda enfrenta. E nos parece que são mais de ordem pessoal que estrutural.
O mundo atual é um mundo das tecnologias, mas nem todos que vivem da educação etão alfabetizados no universo das tecnologias de que se pode lançar mão para melhorar as aulas. Muitos educadores ainda apanhamos dos computadores, dos aparelhos de TV e DVD. Parece que muitos ainda são analfabetos no mundo das tecnologias educacionais.
O fato é que existem muitos recursos tecnológicos à nossa disposição, mas somos limitados em relação a elas. Muitos de nós ainda não sabemos como agir se um de nossos alunos começa a brincar om um celular em sala de aula. E nossa reação é proibir seu uso. Mas será que não há uma possibilidade educacional nesses aparelho?
O fato é que muitos de nós ainda precisarmos aprender a falar a linguagem das modernas tecnologias para utiliza-las em sala de aula. As novas mídias com certeza podem muito nos ajudar no processo educacional, mas para isso precisamos aprender a dominá-las.
Isso implica dizer que um elemento que pode ajudar a melhorar não só o ambiente escolar como o processo de ensino é o nosso comprometimento. Muitos de nós vamos nos aposentar sem nunca ter assumido o compromisso de ser um educador.
Mas nem tudo está perdido. Pelo menos é o que propunha Raul Seixas nesta musica “Tente Outra Vez”, disponível em: http://letras.mus.br/raul-seixas/48334/
Veja! Não diga que a canção está perdida/ Tenha fé em Deu, tenha fé na vida
Tente outra vez!...
Beba! Pois a água viva ainda tá na fonte/ Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou!
Tente! Levante sua mão sedenta e recomece a andar
Não pense que a cabeça aguenta se você parar
Há uma voz que canta, uma voz que dança
Uma voz que gira bailando no ar
Queira! Basta ser sincero e desejar profundo/ Você será capaz de sacudir o mundo
Vai! Tente outra vez!
Tente! E não diga que a vitória está perdida Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez!..
Neri de Paula Carneiro
filosofo, teólogo, historiador
mestre em educação
vice diretor da escola Maria C. Lira
professor de filosofia na Faculdade de Pimenta Bueno
e na Faculdade São Paulo