Educação à distância: uma análise perspectiva de possibilidades e cuidados
Por Mario Cesar da Silva | 02/12/2011 | EducaçãoDiante do tema proposto e da possibilidade de uma reflexão livre de formatos textuais, iniciarei pela minha experiência pessoal em EAD e em ensino superior, mormente em cursos de engenharia da Unip.
A presença da International Correspondence Schools- ICS em minha residência remonta à minha tomada de consciência do significado dos objetos de papel, com um monte de desenhinhos os quais eu não correlacionava com nada em meus três anos de idade. Mas alguns desses objetos de papel passaram a significar para mim algumas coisas que eu via “parecidas” no mundo: pessoas, casas, animais, automóveis, fábricas... tudo em preto e branco, estático... eternamente lá, amarelando a cada visita minha ao papel, agora chamado de jornal, de revista, de livro, mas eram coisas parecidas com algumas outras que eu reconhecia em meu redor.
Jornais, revistas, livros e uns... cadernos que eu não podia por as mãos... eram as apostilas da ICS, que anos mais tarde as reencontrei, ao me preparar para o vestibular de engenharia, tomei conta de que meu curso de eletrotécnica não contemplava o conhecimento mínimo necessário para me aplicar na prova de química. Assim, durante dois anos e meio, religiosamente fiz meu curso de técnico em química industrial, em espanhol, pela ICS, que me fez sobrar em conhecimentos de química na FUVEST, no ITA, na UFSCar e na Osvaldo Cruz.
Outros cursos por correspondência se sucederam e ainda hoje os faço, por exemplo, quando algum desafio profissional exige um conhecimento mais sistematizado de um tema. Sempre com o exclusivo objetivo de aprender, de conhecer, de dominar um pouco mais algum tema. Até hoje nunca me utilizei desses cursos para exibir ou fazer uso de algum certificado, talvez por ter introjetado o conceito de que isto seria secundário num curso de aprendizado não formal e à distância. O importante para mim, num curso formal ou informal, presencial ou à distância, sempre foi essencialmente o aprendizado: poder falar, discutir, fazer propostas, avaliar criticamente discursos... essas coisas que quem sabe pode fazer melhor.
Pois bem, para aprender é necessário querer. Se aprender é um processo agradável ou, ao contrário, espinhoso, isto se recompensa quando se atinge o objetivo, o conhecimento, o saber.
Aprender, conhecer e saber exigem método e disciplina, mesmo fazendo uso dos mais variados meios ou instrumentos, dos arcaicos aos modernos. Um atleta não bate recordes sem as dores da alta performance, um saber de alta performance não prospera “apenas” na fruição do prazer da colaboração nas redes de amizade, dos estímulos lúdicos de professores- mediadores, do onirismo das experiências transmidiáticas ou de spoillings, conforme empregado por Jenkins (http://www.henryjenkins.org/). O desejo de aprender é que faz a diferença; enquanto o meio, as condições em que o conhecimento prospera podem obviamente facilitá-lo e qualificá-lo.
Talvez careçamos de uma reclassificação do que significa aprendizagem. Talvez pudéssemos começar por definir a aprendizagem de quê? A aprendizagem fundamental, média e superior? A aprendizagem superior formativa e informativa? A aprendizagem técnica e a humanística? E assim por diante.
O tema proposto aqui, me leva a considerar a questão da EAD voltada para a aprendizagem técnica e humanística superior. A busca de formação de profissionais qualificados e cidadãos minimamente críticos.
Profissionais qualificados são demandados pela economia, e neste horizonte de quatro anos no Brasil temos uma forte procura por profissionais nas áreas da engenharia civil, petrolífera, tecnologia da informação e comunicação - TIC, alimentos, sucroalcooleira, hotelaria, turismo entre outros. As habilidades e competências de tais profissionais podem ser robustecidas com o suporte das TIC na educação, em especial na EAD.
Os suportes tecnológicos são vários e as possibilidades de recursos multimidiáticos, intermidiáticos e transmidiáticos também e sempre crescentes, diante de uma corrente de criatividade de conteúdos, de aplicativos e de interatividades num ambiente de convergência tecnológica da comunicação.
Assim, a relação aprendiz-aprendizagem na cibercultura encontra-se favorecida pela maior capilaridade da mediação pedagógica. O aprendiz de profissional técnico pode ter acesso ao universo temático de sua área de escolha pelo desktop, note e netbook, tablets, celulares e outros gadgets.
No entanto, para os próximos quatro anos, eu apostaria nos tablets e nos celulares como os meios de acesso capilarizados ao aprendiz. A universidade deveria buscar plataformas de integração da comunicação e o compartilhamento de seu conteúdo e processo de aprendizagem com esses gadgets, os tablets e os celulares, principalmente estes últimos.
Em sala de aula temos frequentemente problemas com alunos utilizando seus celulares, “atrapalhando” as aulas, violando as provas, desviando as atenções, “prejudicando” a aprendizagem.
Pois bem, a proposta não é nova, mas cabe enfrentá-la de forma definitiva: como o celular (e os tablets) poderiam – de fato – contribuírem para o processo de aprendizagem técnica e humanística de nossos alunos?
Para isso necessitamos entender como nossos aprendizes usam seus celulares?
Minhas observações e experiência me fazem alinhavar: para contatar pessoas queridas (namoradas ou namorados, amigos e familiares) e jogar.
Ter acesso à internet por celular ainda é privilégio de um grupo minoritário de estudantes das escolas superiores, já tentei trabalhar, neste ano, sem sucesso com esta ferramenta que está mais presente nos modems de operadoras e nas redes WiFi disponibilizadas pelas universidades (que aos poucos ajuda nos acessos dos celulares com acesso a redes sem fio).
Como começar? Ao longo de uma discussão em aula, abrir a busca da resposta ou a construção colaborativa da sala de um tema proposto no contexto da aula, cumprindo aspectos do plano de ensino. A mediação imediata do professor na condução da melhor seleção de alternativas de solução, desenvolvendo no aluno os modos de criterização de suas escolhas, em uma postura crítica de objetivação de resultados significantes para si, para outro e para a sociedade, na medida em que resolve uma questão posta em sala de aula ou na sua vida pessoal, familiar, profissional e de cidadão. O professor estaria ajudando o estudante a compreender a sua realidade pessoal e social, podendo nela interferir construtivamente; a realidade reconstruída transformando o professor mesmo em objeto da aprendizagem na medida em que participa de um processo colaborativo, numa obra de “inteligência coletiva”, conforme Levy.
Simples assim, lembrando Paulo Freire, o contexto social e os saberes dos educandos contribuindo para a prática educativa, desta forma, começar a andar com o primeiro passo. Vencendo a barreira de o aluno usar o seu gadget para além de sua intimidade (aparelho próprio) ou de sua responsabilização profissional (aparelho da empresa da qual é empregado), como no dizer de Masetto, “a exploração das novas tecnologias, baseadas na informática, telemática, internet, propiciando atividades a distância, fora do espaço sala de aula, ao mesmo tempo estimulando o aluno para o encontro com o professor e os colegas”( http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832004000100018&script=sci_arttext)
Próximos passos? Integrar o seu celular ou tablet numa rede de interesse do curso: agenda, eventos, exercícios, avisos, desafios, ... provas resolvidas e ... notas! Sim, notas e provas capitalizam a atenção de nossos aprendizes, assim se essas forem disponibilizadas em seus celulares, se suas demandas forem encaminhadas para esses instrumentos preferencialmente, por exemplo com desconto de taxas de solicitações, nossos aprendizes terão esses instrumentos como essências na sua experiência escolar.
Outros passos ficam abertos à criatividade e às demandas específicas de cada disciplina e cursos.
Institucionalmente a universidade poderia conveniar-se com associações profissionais para desenvolver em conjunto conteúdos de interesse dos cursos que disponibiliza, como:
CREA: o conselho de engenharia salientaria o posicionamento, a importância e a responsabilidade do futuro engenheiro estando mais presente na vida do aprendiz.
FIESP e Abinee: empresas, eventos, demandas econômicas e políticas dariam a dimensão da dinâmica do mundo produtivo, muitas vezes distante do aprendiz que desenvolve funções técnicas rotineiras em sua empresa, sem tempo para erguer a cabeça e ver um pouco do ambiente em seu derredor.
Idec: o instituto da defesa do consumidor como uma realidade e necessidade crítica da sociedade plural, competitiva e moderna, onde o consumidor e o cidadão por vezes se confundem.
Deste modo, longe de esgotar a proposta, mas atendendo a um desafio de curto prazo para o país, entendo ser bastante razoável a melhor utilização de celulares e tablets, estes inclusive de interesse do atual governo, que quer acompanhar a experiência coreana que em 2014 já não mais oferecerá livros didáticos impressos em suas escolas.
As dificuldades existem e são muitas: resistências culturais de professores e de aprendizes, condições econômicas de instituições, professores e aprendizes, educação básica altamente deteriorada, em estágio de letramento equivalente ao analfabetismo funcional, a ponto de comprometer o discernimento mais elementar de um aprendiz de ensino superior, a valorização extrema da facilitação e do prazer, com conseqüências de perda de fibra e da disposição de lutar duro pelos seus objetivos, de esmaecimento da vontade e do favorecimento da fraude.
Como exemplo, mantenho um grupo de alunos e ex-alunos, com mais de quinhentos associados, há quase dez anos. O grupopofessormariosilva, facilmente encontrável no Google, tem um propósito acadêmico para troca de informações, oferta de matérias didáticos, mensagens e... enquetes A estatística mostra que alunos não se interessam pelas enquetes. Pelo que se interessam meus alunos nesses anos: obter material que facilite seu preparo para as provas. Temos uma forte valorização do aluno na nota, pois esta mexe com a sua rotina (DP ou não) e despesas decorrentes, além de “afastá-lo” de seu objetivo de obter o diploma.
Concluindo, os instrumentos TIC aí estão e deles, nós educadores, devemos lançar mão, não há outra alternativa: devem ser usados e bem usados! Os aprendizes motivados ou não terão muito o que ganhar com as novas formas de aprendizado, restando apenas o problema de cuidar com atenção diferenciada dos alunos com déficit de formação, para que consigam entender um texto escrito ou um contexto de sua dinâmica social real. Daqui a pouco estaremos vivenciando a internet das coisas, a desmaterialização e a virtualização, co-criação, organizações em redes, tendências essas harmonizadas com nanossoluções encaixadas em posturas de sustentabilidade ambiental e social. A EAD então tomará rumos muito mais amplos, tornando obsoletas as estruturas físicas de informática, de nossas universidades, agora instaladas; bem como das soluções de mediação da dinâmica do processo ensino-aprendizagem-aprendizado que hoje buscamos. Por isso, não podemos perder de perspectiva o que minimamente queremos: uma sociedade com seres humanos íntegros e capazes de decidir em um ambiente democrático e respeitoso das diferenças de pensamento.