É POSSÍVEL DESENVOLVER A FORMAÇÃO CRÍTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NÍVEL II NO CAMPO?
Por Moisés Felix de Oliveira | 20/08/2011 | EducaçãoÉ POSSÍVEL DESENVOLVER A FORMAÇÃO CRÍTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NÍVEL II NO CAMPO?
OLIVEIRA, Moisés Felix de 1
SOUZA, João Vinicíus Pereira de 2
Orientadora, Allene Lage
RESUMO
Este artigo pretendeu estudar o MST e identificar as práticas educativas existentes na experiência. Tentamos compreender o modo como a educação oferecida dentro dos movimentos sociais do campo cria a conscientização política nas crianças sem terrinha. Além de buscarmos demonstrar a influência da organização na formação da identidade dos seus militantes e também conhecer até que ponto a politização presente nos sujeitos dentro dos movimentos sociais lhes auxilia em prol de suas lutas. Dialogamos com Boaventura de Sousa Santos, Freire, Dalmagro, etc. No relato de experiência foi de natureza qualitativa.
Concluímos que teoria e prática estão em consonância dentro do Movimento Sem Terra.
1 - Graduando em Pedagogia-Universidade Federal de Pernambuco- Centro Acadêmico do Agreste.
2 - Graduando em Pedagogia-Universidade Federal de Pernambuco- Centro Acadêmico do Agreste.
1. APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E SEUS OBJETIVOS
Este artigo originou-se mediante um exercício de pesquisa realizado em um movimento social, o qual aborda práticas educativas diferenciadas das utilizadas na maioria das escolas, daí que surgem as indagações no tocante ao modo pelo qual essa educação diferenciada ocorre, e então se percebe a necessidade de constatar-se de que forma essa educação atua na vida dos sujeitos que a estudam.
As crianças são consideradas seres apolíticos, sem voz na maioria das escolas, onde normalmente não se ensinam noções de criticidade aos mesmos. Contudo, a educação trabalhada dentro dos movimentos sociais nesse movimento social diferencia-se pelo fato de serem ministradas aulas no intuito de forjar sujeitos críticos, os quais, quando se tornem adultos, possam atuar dentro da sociedade na qual se encontram inseridos. No entanto, surgiu uma indagação a qual nos motivou a realizar esse estudo de pesquisa, que foi:
De que modo a educação oferecida dentro do movimento social gera a conscientização política nas crianças?
1.1 Contexto social
Apesar de normalmente não ser trabalhados temas referentes à politização com as crianças por entender que os mesmos são incapazes de aprender essa temática, os movimentos sociais rompem com essa idéia, uma vez que os mesmos ensinam desde muito cedo a seus sujeitos como se tornarem politizados, conscientes do seu papel dentro da sociedade na qual vivem. Daí que surgiu a indagação que nos levou a realizar esse estudo de pesquisa, que foi:
Como a educação a educação oferecida nos movimentos sociais cria a conscientização política presente nos seus sujeitos?
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo geral
Compreender o modo como a educação oferecida dentro dos movimentos sociais do campo cria a conscientização política nas crianças.
1.2.2 Objetivos específicos
? Identificar as práticas educativas existentes na experiência.
? Demonstrar a influência da organização na formação da identidade dos seus militantes;
? Conhecer até que ponto a politização presente nos sujeitos dentro dos movimentos sociais lhes auxilia em prol de sua luta.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo LANGSTED (1991) "temos de considerar as crianças como especialistas quando se trata de suas próprias vidas, foi nas crianças que se buscou aquietar indagações e encontrar os sinais que indicassem os caminhos possíveis para a construção de processos educativos que respeitem os direitos, sentimentos e desejos das mesmas. Soma-se a isso a opção de refletir sobre a experiência educativa que se desenvolve dentro de um movimento social de resistência ao projeto degradante e classicista da contemporaneidade".
Neste sentido notamos que as crianças devem ser valorizadas pelos que são e não pelo que virão a ser quando adultos, ou seja, os direitos, os anseios infantis, bem como sua identidade há de ser respeitada e entendida com a mesma relevância que a idade adulta, pois, assim como essa as crianças também são importantes construtoras da organização social.
Já para Corsaro (2002, p.115) o processo de socialização é reprodutivo no sentido em que as crianças não só internalizam individualmente a cultura adulta que lhes é externa, mas também se tornam parte dela, isto é, contribuem para a sua reprodução através de negociações com adultos e da produção criativa de uma série de culturas de pares com as outras crianças.
Com isto percebemos que as crianças adentram na cultura adulta, assim como a reproduz, internalizando-a a tal ponto que se torna integrante dela. Também criam culturas e modos de vida juntamente com seus semelhantes, quer dizer, com outros sujeitos de sua idade.
2.1 Educação nos movimentos sociais
Segundo DALMAGRO (2000) "para esse movimento social, o trabalho é educativo para a transformação social não é aquele de concepção burguesa. Esse, segundo a autora, é deseducativo para o projeto da sociedade do Movimento. A mesma analisa que a perspectiva dessa organização é de recuperar sua dimensão edificante, educativa, transformando as relações de trabalho capitalistas para forjar a construção de uma nova cultura, pautada em valores socialistas".
Neste sentido notamos que a educação realizada dentro dos movimentos sociais é diferenciada, uma vez que, valoriza os sujeitos pelo que eles são, ao contrário da maioria das instituições escolares, nas quais, somos ensinados a serem passivos acríticos e impensantes. Nesse movimento social se dá o processo inverso já que os sujeitos constroem sua história, são conscientizados politicamente, se entendem e sabem que eles são construtores da sociedade e capazes de modificá-la.
Nesse sentido Caldart, (2000, p.199) afirma: "é através de seus objetivos, valores e jeitos de ser o que o Movimento intencionaliza suas práticas educativas, ao mesmo tempo em que, aos poucos, também passa a refletir sobre elas, á medida que se dá conta de sua tarefa histórica: além de produzir alimentos em terras antes aprisionadas, também deve ajudar a produzir seres humanos, ou, pelo menos, ajudar a resgatar a humanidade em que já a imaginava quase perdida".
Neste sentido nota-se que os movimentos sociais do campo diferenciam-se de grande parta das instituições escolares por abordar temáticas humanistas, bem como o ser em suas especificidades tem valor e é respeitado em si mesmo, onde a ideologia das classes dominantes não é posta como sendo a superior ou aquela a ser a reproduzida. A preocupação desse movimento é formar seres pensantes, politizados e capazes de transformar o espaço social no qual se encontram inseridos, e é por isto que a educação oferecida nesse local é diferenciada e seus resultados também o são.
2.2 Identidade
Segundo Sarmento (2002, p.10), esta concepção de morte da infância elimina a natureza ativa das crianças, como sujeitos sociais que são, e não meros receptores passivos da cultura de massas e obscurece o fato de que as crianças; nas complexas e adversas condições sociais de sua vida atual, vivem na especificidade de sua geração.
Neste sentido o movimento social estudado se contrapõe a ideologia de que as crianças são seres apolíticos, impensantes, visto que, nessa organização as mesmas participam ativamente de reuniões e são ensinadas acerca dos processos políticos, os quais lhes auxiliam em favor de sua luta. Contrariamente ao que se vê estabelecido na maioria dos espaços sociais, as crianças dessa organização possuem uma conscientização política surpreendente para a idade em que se encontram, posto que as mesmas já tenham certa noção de conscientização, inclusive sabem o porquê de aprender o que apreendem, assim como entendem a razão do embate realizado pelo movimento no qual estão inseridos.
Para Kramer (2000, p.37- 50) "se existe história humana é porque o homem tem uma infância. O desaparecimento da infância ou a destruição do conceito de infância está diretamente relacionado á destruição do próprio conceito de homem como sujeito da história e da cultura. Valorizar a infância e lutar pela sua não destruição significa, portanto, participar de uma luta em que historicamente temos perdido ? a que visa defender e garantir a humanidade, a tolerância, o respeito pelo outro nas suas diferenças".
Compreende-se com isto que a identidade infantil deve obrigatoriamente ser preservada no sentido de que, se destruirmos as identidades infantis, impediremos que esses sejam sujeitos históricos, e, portanto construtores do seu próprio processo de historicização. Significa também entender que o outro é relevante na construção da sociedade e que há inúmeras distinções entre os grupos, pessoas e que embora sejam diferentes em determinados aspectos, há de se respeitada, uma vez que todos são seres humanos e possuem a sua parcela de importância na vida societal.
Neste sentido Ribeiro (2001) defende que construir o outro, implica construir a fronteira que deles nos separa- a fronteira começou por ser antes de mais uma linha imaginária sobre a qual se projeta a noção de diferença e a partir da qual se torna possível a afirmação da identidade (RIBEIRO, 2001: p.468).
Já para Santos (1993), "qualquer forma de designar aquele que não é Nós significa distanciar e subordinar. Se assim é, pensamos que todas estas formas são modos vigentes de identificações e demarcações colônias que, vincadas pelas mesmas lógicas de desigualdade de poder, criam conceito e pensamentos e pensamentos consolidados sobre o Outro como um subalterno, colocando-o numa esfera social periférico ou marginal. Atreito a estas condições, constrói-se ora como sujeito de uma identidade subalterna que luta e resiste, ora como sujeito subalterno, silenciado e degradado socialmente. (SANTOS 1993: p.115).
Com isto percebemos que as diferenças de identidades fazem com um grupo étnico sinta-se superior ao outro, "superioridade" esta advinda, dos processos de colonização, quando a Europa invadiu África e As Américas, considerando-se os europeus mais civilizados e humanos devidos a isso, colocando suas identidades como se fossem superiores as outras, quando não é. Isso infelizmente reflete-se no modo como são vistos os latinos americanos e os africanos no continente europeu, uma vez que assim como ocorreu no passado, os mesmos julgam-nos inferiores a eles, simplesmente por serem mais ricos economicamente, brancos e menos miscigenados etnicamente, dentre outras razões.
Para Lage (2005) "a diferença entre uma identificação subalterna e ser subalterno incide principalmente sobre a diferença entre lutar e resistir ou resignar-se na inferioridade imposta. Rebelar a passividade acarreta uma re- significação identitária, que transforma a perspectiva de inferioridade numa perspectiva política, que enxerga em si a possibilidade de transformação, de articulação e organização de forças sociais (LAGE, 2005 p.102).
2.3 Formação política
Compreendemos que e imprescindível a tomada de consciência por parte dos sujeitos para que haja a luta dos oprimidos no sentido de sua liberdade em concordância o grande educador enfatiza:
Freire (1970) ??diz que uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças á qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo á sociedade, em lugar de promovê-lo em sua própria linha??. (FREIRE, 1970 p.40).
Neste sentido, percebe-se que a educação é um instrumento de conscientização política, a qual deve libertar os sujeitos, tornando-os críticos, participativos, ativos dentro da sociedade, não sendo, portanto meros espectadores onde não atuem nos espaços em que se inserem. Ao contrário disso, o ser humano deve conscientizar-se de que ele é um ser histórico, construtor de seu processo de historicização, e que a política é inerentemente humana, não podendo o homem permanecer alheio a mesma.
A ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não estão maduras para a vida social tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança determinados números de estados físicos, intelectuais e morais que dele reclamam, por um lado, a sociedade política em seu conjunto, e por outro, o meio especifico ao qual está destinado. (DURKHEIM, 1973:44).
3. METODOLOGIA
Esse relato de experiência foi de natureza qualitativa, haja vista que utilizamos muito mais de aspectos de cunho qualitativos que os quantitativos.
Neste sentido, Deslandes et. al.(1994) diz que a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (Deslandes et. al.1994: 21) apud Lage (2005).
3.1 Tipo de estudo
A experiência de pesquisa será do tipo exploratório e explicativo. É de ordem exploratória por procurar conhecer a realidade do campo pesquisado, assim como a das pessoas nele inseridas. Será de natureza explicativa pelo fato de analisar como os processos pedagógicos trabalhados no local da pesquisa, auxiliam na luta dos sujeitos em prol da causa por que militam. Analisando quais são as dificuldades e os pontos positivos do embate, segundo os próprios integrantes desses movimentos sociais. Utilizamos os tipos exploratórios e explicativos, pelo fato do primeiro tentar desvelar a realidade do campo estudado, bem como tentamos conhecer o cotidiano do movimento social pesquisado.
Já (GIL, 1994, p. 46) aponta que "algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, pretendendo determinar a natureza dessa relação. Neste caso tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da explicativa. Mas há pesquisas que, embora definidas como descritivas a partir de seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias".
3.2 Método do caso alargado
Neste exercício de pesquisa trabalhamos a luz do método do caso alargado por entendermos que desse modo os dados colhidos no campo podem ser mais bem apreendidos, uma vez que possibilita-nos uma maior interação com as informações obtidas.
Segundo Lage (2005) "o Método do Caso Alargado proporciona a reflexão sobre as implicações do caso estudado, não é a análise estrita do caso, parte-se de um caso para se refletir a sociedade e a teia de relações que a formam de maneira mais ampla". (LAGE, 2005: p.104).
Com isto notamos que o método referido acima é de extrema relevância para a avaliação e construção de novos conhecimentos, adquiridos mediante o estudo realizado no campo.
3.3. Delimitação e local da pesquisa
A nossa pesquisa está delimitada ao estudo do Movimento Sem Terra. A escolha desta experiência se deu em primeiro lugar pela sua trajetória de luta e seus projetos educativos e em segundo lugar pelo tempo da vida destas.
O que nos levou a escolher essa experiência foi o fato dessa organização realizar uma educação diferenciada, onde as pessoas são valorizadas em sua essência, de acordo com o que realmente são. Outro ponto o qual despertou o nosso interesse por esse movimento se deu no sentido de que as crianças nas mais tenras idades, são ensinadas e conscientizadas politicamente acerca de seus direitos e deveres como cidadãos.
A pesquisa de campo será realizada na sede do Movimento Sem Terra, no intuito de aumentar conhecimentos sobre este movimento, além de conhecer de que modo acontece a experiência da educação infantil. Tivemos o objetivo de colher dados para confrontar teoria e prática.
3.4. Fontes de informação
A coleta foi realizada com quatro grupos sociais. Os sujeitos do campo que dialogaram conosco foram:
 Crianças do Movimento.
 Educadora
 Funcionária da escola municipal
 Gestora da escola municipal
3.5. Técnicas de coleta
A principal finalidade dessa experiência é alcançar novas compreensões baseadas na interação entre os sujeitos do campo empírico e pesquisadores.
Neste sentido Chizotti (1991) defende que "quais seja a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contexto da pesquisa, a saber, o mergulho nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos atores sociais como sujeitos que produzem conhecimentos e práticas; os resultados como fruto de um trabalho coletivo resultante da dinâmica entre pesquisador e pesquisado; a aceitação de todos os fenômenos como igualmente importantes e preciosos: a constância e a ocasionalidade, a frequência e a interrupção, a fala e o silêncio, as revelações e os ocultamentos, a continuidade e a ruptura, o significado manifesto e o que permanece oculto". (CHIZOTTI, 1991p. 102).
Com isto constatamos que é imprescindível a interação dos sujeitos do campo empírico com o pesquisador, visto que sem a mesma tornar-se-á extremamente difícil a obtenção fidedigna dos dados dentro do campo de pesquisa. Percebemos ainda, que todas as informações colhidas dentro do local que pesquisados são relevantes por mais simples que parecem ser. O aprendizado no campo é mútuo, posto que os sujeitos tenham muito a ensinar-nos e à medida que interagimo-nos com os mesmos aprendemos e ensinamos muitíssimos nessa troca de experiência e construção do saber no processo dialogado e recíproco.
3.6 Registro de campo
No registro de campo tem-se a possibilidade de colocar as informações necessárias, as quais foram colhidas durante o estudo realizado no local pesquisado.
Além disso, o registro de campo ainda auxilia, no sentido de que é por meio dele que se pode retornar ao que foi escrito no diário, bem como através do mesmo, há a possibilidade de transcrever fidedignamente o que colhido, dando credibilidade à pesquisa.
Neste sentido, Lage (2005) diz que:
"O diário de campo é um instrumento não só de registro, mas fundamentalmente um instrumento de análise de todo o trabalho de campo. É ainda, um instrumento de trabalho diário, literalmente diário, e por isso mesmo um incansável e por vezes um trabalho saturante, que exige disciplina, mas que proporciona ao próprio pesquisador (a) uma grande satisfação à medida que vai sendo construído e redescoberto a cada consulta que se faz dos passos dados. Tal como um álbum de fotografias, que nos leva ao reencontro das descobertas quotidianas" (Lage, 2005: 452).
Neste sentido as imersões ao campo foram registradas os registros, através das notas colhidas no campo de modo que as mesmas possibilitassem uma maior compreensão do espaço estudado, fazendo com que os pesquisadores adentrem de forma mais intensa na realidade existente, entendendo-a.
3.7. Análise e sistematização de dados
Utilizaremos a técnica de coleta de dados de Análise de Conteúdo, enquanto um primeiro exercício de aproximação metodológica.
A análise de conteúdo é uma técnica de tratamento de informações. Como técnica pode ser utilizada em vários tipos de pesquisa e servir igualmente os diferentes níveis de investigação empírica tanto das diferentes ciências humanas e sociais. Segundo Valla (2001), "a finalidade da análise de conteúdo será, pois efetuar inferências, com base numa lógica explicitada, sobre as mensagens cujas características foram inventariadas e sistematizadas" (VALLA, 2001; p. 104).
De fato pudemos o conjunto de instrumentos metodológicos utilizados, possibilitou-nos uma maior explicitação e compreensão ao logo do nosso exercício de pesquisa.
Neste sentido Bardin, (2004) afirma que: "A análise de conteúdo permitiu uma análise mais fiel da realidade, na medida em que por detrás do discurso aparente geralmente simbólico e polissêmico esconde-se um sentido que convém desvendar (BARDIN, 2004, p.37).
Em nossa pesquisa a análise dos dados coletados no campo, a durante a observação participante será realizada de acordo com as categorias explicativas decodificadas dos temas transcritos, que são: Educação nos movimentos sociais, Identidade e Formação Política.
3.8 Auto refletividade: a experiência do campo na formação do pesquisador/a
A experiência do campo na área de movimentos sociais proporcionou-nos uma compreensão maior do que deveras ocorre dentro dessa organização, assim como pudemos comprovar ou refutar o que creiamos serem verdades ou situações irreais. O aprendizado foi diferenciado e construtor de novas perspectivas acerca das organizações sociais.
As principais facilidades encontradas no local da "pesquisa" se deram no sentido de os sujeitos integrantes daquele movimento ser um tanto que susceptíveis ao diálogo e, portanto facilitou bastante o nosso trabalho e deu nos confiança para realizar um estudo de experiência mais tranqüilo e fidedigno as informações colhidas naquela localidade.
As principais dificuldades por nos vividas ocorreram no tocante ao acesso ao campo que estávamos estudando, tais empecilhos sucederam no fato de que a acessibilidade era complicada devida ao solo de barro e com isto, agravava muitíssimo a nossa visita aquele local, quando chovia, portanto não íamos ao campo, o que infelizmente, fez com que atrasemos o período de início e término do nosso trabalho.
Outra dificuldade vivenciada sucedeu quando de inicio notamos um desconfiança por parte dos sujeitos da pesquisa, os quais nos olhavam com curiosidade e punham olhares atentos sobre nós. Contudo superamos tais entraves com diálogo, a partir do momento que demonstramos ser confiáveis, daí notamos que a nossa relação com os pesquisados melhorou bastante e então pudemos colher os dados da forma mais fidedigna possível ao que de fato sucede dentre desse movimento social.
As aprendizagens do campo foram grandíssimas e extremamente relevantes para a construção do nosso conhecimento e a elaboração de novas compreensões acerca da realidade existente no campo, bem como tomamos mais ciência do modo por que se organizam e lutam os participantes dessa organização. Pudemos também adentrar na cotidianidade deles, de forma que passamos a ter idéias diferenciadas das que tínhamos a respeito desse movimento social.
Conseguimos durante a experiência no campo, conhecer as práticas educativas existentes dentro do MST, e a partir dele compreendemos como a conscientização surge nessa organização. Notamos que a politização dos sujeitos nasce desde a infância, uma vez que desde muito cedo os "Sem Terrinha" são conscientizados, tanto que possuem uma compreensão do mundo diferenciada e são seres críticos, ainda que sejam crianças.
4. O CASO DO MOVIMENTO SEM TERRA DE PERNAMBUCO
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra localiza-se no município de Caruaru, cidade a qual se situa a 160 km da capital Recife. A sede dessa organização também é no município de Caruaru, mais especificamente no bairro denominado Vassoural. O local em que estudamos foi o assentamento Normandia que se encontra fora da cidade, uma vez que essa localidade está situada a cerca de 20 km da sede citada anteriormente.
O MST está organizado em 100 municípios de Pernambuco, divididos por 17 regionais. Temos hoje 184 assentamentos onde vivem e produzem 14 mil famílias. Outras 18 mil famílias resistem embaixo da lona preta em 163 acampamentos.
A Fazenda Normandia (ocupação símbolo da luta pela terra em Pernambuco) - no dia primeiro de maio de 1993, 179 famílias ocuparam a fazenda Normandia, no município de Caruaru. A ocupação se transformou em símbolo de resistência e luta em Pernambuco. Foram quatro despejos e cinco ocupações até a vitória definitiva, em novembro de 1997. No dia 17 de abril de 1996, coincidentemente, o dia do massacre de Eldorado dos Carajás
Hoje no Assentamento Normandia vive 41 famílias e em 1998 foi criado, na antiga casa sede da fazenda, o centro de Formação Paulo Freire, em homenagem ao grande educador Pernambucano, esse espaço tem sido um importante espaço de formação política de militantes do MST e de outras organizações do estado de Pernambuco e do nordeste. (http://www.mst.org.br/)
Constatamos que o MST é um movimento extremamente organizado, onde os sujeitos são politizados e conscientes de seu papel dentro da sociedade, por isto é que travam constantes embates, no sentido de reivindicarem a posse da terra, a qual lhes é de direito.
4.1 Educação nos movimentos sociais
Para fins desta categoria utilizamos a reflexão da Educadora Edileusa que diz:
"A educação oferecida nessa escola é diferente da que se ensina na maioria das escolas, pois aqui as crianças são desde muito cedo ensinadas a pensar por si mesmas, porque elas aprendem a ser criticas, também trabalhamos com os direitos e deveres delas para que venham a ser cidadãs quando crescerem. Esse é o diferencial da educação desse movimento para as escolas, já que nelas não se ensinam as crianças a serem criticas e a pensarem por si mesmas". (Diário de campo, 24/03/2011).
Segundo a gestora a educação oferecida nos movimentos sociais é diferente, pois: "Aqui as crianças são ensinadas a fazer por conta própria, ou seja, são ensinadas a pensar, a saber, sobre seus direitos e deveres tornado-se assim cidadãs. Além de eles já saberem reinvidicar o que é deles, porque são conscientizados politicamente". (Diário de campo, 21/03/2011).
Com isto compreendemos que as crianças são direcionadas para agirem e se adequarem-se a determinados padrões estabelecidos pela classe elitista, bem como a desvalorização para com essa idade é grandíssima, visto que normalmente esses sujeitos são considerados seres inconclusos e, sobretudo irrelevantes para a construção da sociedade. Contudo o Movimento Sem terra utiliza-se de abordagens diferenciadas, haja vista que veem e lecionam aos sem terrinhas que eles são relevantes dentro da sua organização e mais ainda apontam para a importância dos mesmos na sociedade. Portanto, desde a mais tenra idade as crianças são direcionadas a construir seu próprio processo histórico, posto que elas também participam das reuniões e marchas que sucedem nessa organização.
4.2 Identidade
Para fins desta categoria utilizamos a reflexão de um estudante que diz: "A gente aqui tem aulas que a gente se interessa, gosta de estudar, porque é tudo o que a gente vive fora daqui, por isso a gente acha mais fácil o que a professora ensina e a gente vê a gente mesmo nas nossas aulas". (Diário de campo, 29/03/2011).
Com isto, percebemos que as crianças integrantes do MST não somente se encontram submissas as transformações na sociedade, bem como participam delas, uma vez que militam juntamente com seus pais em prol da reforma agrária. Ou seja, a participação e a inclusão nos processos políticos se lhes é ensinado desde muito cedo, prova disso, se dá no sentido de que as crianças assistem as reuniões existentes na organização, como também viajam com seus familiares e marcham em favor de sua luta.
Nesse sentido a funcionária diz: "Que os alunos se sente daqui e é como se a escola fosse a segunda casa, porque eles brincam, se divertem e gostam de estudar aqui. Eu também me sinto muito bem aqui e gosto muito dessa escola". (Diário de campo, 14/04/2011).
4.3 Formação política
Para fins desta categoria utilizamos a reflexão da professora que diz:
"A educação desse local é diferenciada, porque, os estudantes, são tratados de forma diferente das que são tratados nas escolas, daí uns dos fatores que diferenciam essa escola das outras. Aqui se valoriza o que o sujeito é e não queremos que ele seja desvalorizado e desrespeitado por seus valores, costumes, muito pelo contrário, fazemos com que as crianças vejam como são importantes na sociedade, por isso é que damos aulas sobre cidadania e política para que quando cresçam sejam seres politizados e lutem por seus direitos dentro da sociedade, ao mesmo tempo cumpram também com seus deveres".
Neste sentido notamos o quão é relevante que a formação política se dê desde a infância para que as crianças venham a tornar-se conscientizadas de sua historicidade e entendam que elas também são construtoras do espaço nos quais se encontram inseridas. Percebemos ainda que a politização presente dentro desse movimento social gera noções de criticidade, as quais farão com que futuramente os "sem terrinhas", tornem-se militantes, tal quais seus pais, e com isto perpetuem a luta em prol de sua causa, ou melhor, que continuem lutando em favor da reforma agrária.
Seguindo esse pensamento a professora Edileusa afirma: "Ao contrário das escolas, onde os sujeitos só repetem o que se é ensinado, nesse espaço as crianças participam, dão opinião e constroem o conhecimento junto comigo, elas não só são assistem, mas também atuam na sala de aula e por isso aprendemos mutuamente".
Já um estudante afirma: "A gente aqui aprende que a gente é importante no mundo e também sabe o que é nosso. A escola é muito boa e eu gosto demais dela, porque me sinto bem com meus amigos a sempre to aprendendo a ser eu mesmo e a lutar pelo que é meu".
5. ANÁLISE DO CASO
Para fins desta categoria dialogaremos com os teóricos visando pensar acerca da contribuição que os mesmos nos deram, bem como também dialogamos com o sujeito do campo. Com isto tentamos aproximar ou tornar distante teoria e prática vividas no MST.
O fato de as crianças terem grande poder de autonomia faz com que, as mesmas tornem-se diferenciadas em relação à maioria dos sujeitos de sua idade, haja vista que os Sem Terrinha já participam das reuniões existentes no MST e aprendem grandemente com elas, prova disso é que eles se reconhecem com a idade do Movimento Sem Terra e tem orgulho disso. Sabem em parte reivindicar seus direitos e já estão cônscios dos problemas que o atingem e do mundo no qual vivem.
Diante disso apontamos que as práticas educativas oferecidas dentro do MST caminham para uma educação democrática, onde os sujeitos são ensinados a serem críticos, a ter autonomia, a lutarem por seus direitos e, sobretudo a se colocarem face ao mundo em que se encontram não mais como meros espectadores, e sim, como atores sociais construtores de sua própria história e capazes de modificar o espaço em que vivem.
Os militantes infantis crêem que a metodologia a eles ensinada auxilia-lhes na sua luta e na construção de sua cidadania, bem como na formação política que possuem. Por fim, acreditam que o que apreendem ajudá-los-ão futuramente para que quando se tornem adultos continuem militando em prol da reforma agrária, dentre outras causas.
Neste sentido as crianças pesquisadas notam que a o movimento lhes possibilita uma compreensão maior da sociedade e das "teias" que as permeiam, de modo crítico, e então constroem suas cidadanias, voltando-se para os problemas que os castigam dentro da sociedade capitalista do século XXI, as quais se preocupam mais com o ter do que com o ser, e é aí que o MST se distingue, haja vista que a valorização das identidades e dos sujeitos são maiores que o capital econômico que um individuo possui.
6. CONCLUSÕES PRELIMINARES
Retomando a pergunta inicial que provocou esta pesquisa que foi: É possível desenvolver a formação crítica na educação infantil nível II no campo? Concluímos que há de fato a possibilidade de trabalhar a politização, uma vez que os sujeitos, embora sejam crianças, são capazes de conscientizarem-se criticamente, prova disso, é que eles já possuem uma visão diferenciada da maioria dos sujeitos de sua idade, haja vista que fazem uma leitura do mundo de forma razoavelmente clara e desingenuizada.
Constatamos que teoria e prática estão em consonância dentro do movimento sem terra, no sentido de que as aulas abordam a vivência dos integrantes dessa organização, bem como a educadora traz conteúdos referentes à conscientização política, fazendo com que os sujeitos adquiram compreensões mais esclarecidas acerca da realidade existente no mundo em que vivem, de modo que consigam posicionar-se criticamente frente a ele.
No que se refere à educação nos movimentos sociais compreendemos que a mesma é diferenciada das escolas tradicionais por abordar temáticas que visam à formação política dos sujeitos, fazendo com que esses passem a "ler" de forma muito mais nítida o mundo no qual estão inseridos, bem como permiti a possibilidade de mudança, uma vez que entendendo o que de fato ocorre na sociedade e nas relações sociais os sujeitos poderão opor-se contra o que lhes afligem, alterando esta realidade para uma nova, na qual não sejam mais oprimidos, tampouco alienados, explorados pelas classes dominantes e sim, que passem a construir sua própria história, deixando de ser meros espectadores para tornarem-se atores sociais, construtores da sua realidade.
No tocante a luta do Movimento Sem Terra, notamos que essa organização visa romper com a má distribuição de terra do nosso país, assim como os sujeitos organizam-se em prol de outros objetivos que vão além da reforma agrária, posto que, anseiam por uma educação de qualidade e por um Brasil melhor, onde as injustiças e as desigualdades sejam se não erradicadas, ao menos diminuídas.
Percebemos que a organização presente nesse movimento auxilia-os e faz com que o mesmo seja o mais forte e representativo na política nacional, tendo por isto o MST obtido inúmeras vitórias e avanços. Contudo os militantes pretendem conquistar ainda mais para que continuem crescendo e que seus anseios sejam atendidos.
Notamos que esse movimento possui uma enorme relevância na política nacional devido a toda uma história construída por essa organização, bem como o empenho de seus militantes auxiliam-lhes dando-os fortalecimento e notoriedade no cenário nacional e internacional, tanto que o MST é o maior e mais organizado movimento social do Brasil, sendo, portanto o mais representativo no sentido de contestação da conjuntura societal.
Referentes às questões de identificar as práticas educativas existentes na experiência, notamos que as mesmas são enriquecedoras no sentido de fazer com que os sujeitos pensem por si mesmos e tornem-se sujeitos críticos, autônomos no poder de decisão, não necessitando dos outros para escolherem e lutarem pelo que é seu de direito, uma vez que desde muito cedo aprendem a militar por seus interesses e a enfrentar o que lhes afligem.
É indubitável que as práticas educativas utilizadas dentro do MST criam a conscientização política nas crianças, e potencializa a criticidade para que os futuros militantes venham a utilizá-la em prol da luta pela reforma agrária. E é essa "base" que quando diferencia o MST, e faz dele um movimento único diferenciado em relação aos outros, a tal ponto que essa organização é a de maior representatividade política no cenário nacional.
No tocante a demonstrar a influência da organização na formação da identidade dos seus militantes, compreendemos que é impossível não relacionar a influência desse movimento sobre seus sujeitos na formação de suas identidades, uma vez que já na infância os ?Sem Terrinhas?aprendem a reconhecer-se pelo que são, ou seja, orgulham-se do fato de serem "Sem Terras" e de pertencerem ao MST, haja vista que se sentem representados a cada encontro reunião, encontros e nas aulas oferecidas dentro dessa organização.
Mediante a perspectiva de conhecer até que ponto a politização presente nos sujeitos dentro dos movimentos sociais lhes auxilia em prol de sua luta, constatamos que ela é vital para o embate realizado pelo MST, visto que não haveria contestação por parte dessa organização se seus militantes não fossem politizados, haja vista que sem politização os sujeitos não conseguem "ler" o mundo, notar o que lhes afligem, sendo, portanto impossível de ir-se de encontro ao que não se conhece, pois, como dizia Paulo Freire:" È necessário conhecer a realidade para modificá-la". E se não tivermos cônscios dela, jamais tentaremos transformá-la.
É nesse sentido também que o Movimento Sem Terra destaca-se nacional e internacionalmente por contestar vorazmente a realidade existente, e tentar alterá-la independentemente das dificuldades enfrentadas constantemente, já que esse enfrentamento é rodeado de inúmeros percalços e austeridades, pois, sabemos que opor-se ao sistema dominante e as ordens estabelecidas são ações corajosas e tarefas altamente árduas.
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