E AGORA, JOSÉ (OU DUNGA)?

Por maria angela mirault | 20/07/2009 | Sociedade

Não é que não se possa servir a dois senhores. Não se deve. Não se deve servir a dois senhores porque não é possível. Não é ético, não é moral e não é legal, porque confunde, porque deprava. A servidão, assim, aliena e infunde desesperança. E a desesperança leva ao desânimo e o desânimo à imobilidade, à desistência. E viver, persistir e lutar é preciso.

            Não há como negar: estamos mobilizados e pautados pelos últimos (?) acontecimentos no Senado. Por hoje, não são apenas os fatos levantados e denunciados que vieram a lume que nos mantém perplexos. O que nos assombra é o senso-comum dos políticos que quer nos fazer crer que o importante, agora, “é não desestabilizar o governo, não contrariar os partidos da base, as candidaturas, as alianças, as eleições de 2010”... Se tem ou não um dragão soltando fumaça e labareda passeando pelos corredores da Casa do Povo e da Democracia, não vem ao caso, optam os excelentíssimos. Mas, iludem-se aqueles que pensam que tudo vai passar e que seja tarefa fácil domar, apagar, ou esconder um dragão dessas proporções e acalmar o povaréu. Salvar a pátria com acordos, com silêncios, com decisões tomadas em jantares e encontros de lideranças. O dragão está lá, soltando baforadas incandescentes, com seus rugidos cada vez mais estertorantes. Não dá pra esconder o dragão, e também não dá para servir as duas causas e se tentar conciliar o inconciliável. Mateus, um dos historiadores do Evangelho (6:24) registrou há milênios que “ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro”. E resume, categoricamente, a mensagem cristã: “não podeis servir a Deus e a mamon”. As coisas de mamon não podem ser confundidas com as coisas de Deus; há uma parede intransponível entre uma e outra. Ou se é, ou se não é. Ou se serve a um ou se serve ao outro; nunca aos dois, concomitantemente. E Deus, bem sabemos, está com o povão, segundo a sabedoria popular: “a voz do povo é a voz de Deus”. E a voz de Deus (de todos nós) tem sido bastante ressonante e retumbante frente aos acontecimentos alardeados, divulgados e midiatizados sobre os vergonhosos e escandalosos acontecimentos rotineiros no Senado da República. A voz de Deus está sendo anunciada pela imprensa, pelos blogs, pelas ruas e é impossível fingir que não se ouve; que não se sabe; que não é com a gente.

            Mas, será que suas excelências ainda não perceberam que os tempos mu-da-ram?! Será que ainda não se deram conta de que tudo que era possível de não se ver (a omissão nesse país é cultural), hoje não se pode mais, porque todo mundo vê, mesmo que não queira, pois, vivemos o ápice da era do Grande Irmão (George Orwel)?  Nada mais pode (nem vai) permanecer oculto, não mais com o bendito ou maldito (?) advento das novas mídias. Mesmo que não se queira, sabe-se de tudo. Não há caixa-preta que não seja decodificada e a caixa de pandora já foi aberta para nunca mais ser fechada.

            Todas as suas “excelências” estão em maus lençóis. O primeiro secretário da Mesa afirmou via tevê Senado que os oitenta e um senadores são, pelo menos, cúmplices por omissão e conivência das arbitrariedades (arbitrariedades?) cometidas nas ante-salas dos gabinetes e nas repartições administrativas. Não, senador, o senhor está redondamente enganado: não se trata apenas disso; ali tem muito mais do que simples arbitrariedades e omissões. Também não se trata somente de “demonizar” ninguém (frase brilhante!). Tem roubo do nosso rico dinheirinho, tem prevaricação, tem abuso de poder, tem muita cara-de-pau, no reino de mamon. E quem é mamon, nos dias e fatos atuais? É ainda o evangelista Mateus quem nos apresenta mamon como um outro senhor; o senhor da riqueza, do dinheiro, das luxúrias, do gozo e dos prazeres do mundo. Esse deus é aquele que inspira o homem a ambição e avareza e direciona seus desejos, corpos e mentes para as coisas materiais, triviais que qualquer airbus faz sucumbir no ar.

            E agora, José? Ou se apóia (descaradamente), submetidos ás coisas de mamon, advogando-se a causa do “ruim com ele, pior sem ele”, em nome da governabilidade (mas quê?), ou se deixa os ventos da era de aquário prevalecerem e varrerem, de vez, os falsos valores, os falsos profetas, as falsas verdades e se começa tudo de novo.

            Quando uma instituição como o Senado vira chacota rotineira dos programas humorísticos, a descredibilidade institucional está sacramentada e tornou-se irreversível: identidade e imagem não mais se pactuam.  E se a gente perder a crença nas instituições, perder a confiança de vez nos políticos, só nos restará - com IPI reduzido ou não, com baixa dos juros, ou não, com PAC, PEC, ou não – desistir de vez e de fato. E, com cara de paisagem, começar, já agora, alienadamente, a arrumar nossas árvores de natal, a confeccionar nossas fantasias para o carnaval, como prévia do que virá por aí, e, desde já, preparar nossa torcida para copa e, de hoje em diante, a torcer somente pelo Dunga, porque não nos restará mais nada a fazer.

            Mas, quer saber? Bem no fundo de um coração rubro-negro e patriota, persevera uma convicção: é impossível servir a dois senhores!  Somos mais fortes do que isso. Merecemos mais do que aparentemente querem nos oferecer. E mais: as coisas de mamon não têm consistência e espraiam-se no ar, como bolhas de sabão. Na verdade, se prestarmos mesmo bastante atenção, nesse arrepiante 2009 que ainda nos resta, quem sabe, seremos bem capazes de alvejar o dragão e, aí, sim, fazermos ressurgir dessa crise um novo povo, um novo e decente Senado (e alguns senadores), muito mais fortes, muito mais dignos e mais brasileiros do que nunca.


PS: O artigo   foi publicado em 15 de julho de 2009, nojornal Correio do Estado, em Campo Grande, MS.