E A CASA CAIU

Por Sandra Oliveira | 17/02/2010 | Contos

Depois de tantos dias de chuva, tudo dentro de casa parecia  molhado,a casa cheirava a mofo,deixando mais evidente aquela sensação de morte,de podridão,não fosse pela vista que ela tinha da janela de seu quarto.

Passava das oito da manhã quando Sonia abriu a janela, e por um instante sentiu a alegria de poder ver o sol novamente enquanto comtemplava  aquela imagem que sempre lhe fascinou,varais com roupas ao sol.Roupas secando no varal lhe dava a sensação de limpeza,de recomeço,e os movimentos das roupas sob o vento,lhe provocava uma necessidade de se movimentar,de recomeçar,de viver novamente.

Com o queixo apoiado nas mãos ,debruçada na janela,se lembrou da primeira vez que veio até a casa.

Chegaram numa noite quente, depois de terem ficado perdidos por mais de meia hora naquela cidade que não conheciam .Ela não gostou mas sabia que teria que aprender a gostar,coisa que demorou muito tempo,o lugar era esquisito, a casa feia e escura, mas sabia que era ali que teria que viver,ela o marido e os filhos.

Quando foi ver a casa novamente era dia e entrou pela sala e ao abrir a janela teve uma sensação ruim,uma espécie de presságio,todas as janelas da casa,exceto a do eu quarto, davam para o muro do vizinho,que era de tijolo sem acabamento,olhando para aquele muro tão alto e tão feio disse sem saber porque:-Tenho certeza de que vou morrer nesta casa.

Passado este momento,porem não esquecido,Sonia e o marido se encheram de forças que nem sequer sabiam que ainda tinham,e voltaram a luta,planejando quais seriam as mudanças necessárias para tornar a casa mais adequada á família.Tudo que conseguiram em dez anos foi construir um pequeno quarto entre a cozinha e quarto deles para a filha caçula e mais nada .

Desde que se casou,seu marido vivia de crise em crise financeira,é certo que nunca passaram fome ou grandes necessidades,mas viviam endividados,cada centavo era contado. Seu marido,Luis,era um bom homem,mas a vida para ele era um jogo e não perdia a chance de jogar nenhuma  vez,sem se importar qual era o jogo.Como todo jogador não contava as perdas, só enxergava quando ganhava,não entendia e não queria aceitar que quando ganhava  o lucro não cobria as perdas.Tudo era  jogo,do baralho até a compra de mercadorias para sua loja,pois ele era comerciante.

Assim o tempo foi passando,crise financeira,crise conjugal,crises com os filhos, que eram três.Até chegar a crise dos cinqüenta anos de Sonia,e essa lhe trouxe de maneira incontestável a verdade ,tinha passado mais de trinta  anos esperando pelo dia de ser feliz.Se esqueceu  ou não sabia que vida  é feita de momentos felizes e esteve tão concentrada em esperar a felicidade que não viveu esses momentos.

 Dedicou cada minuto desses trinta e poucos anos,ou melhor,toda a sua juventude á família,tentando de todas as maneiras possíveis e até impossíveis deixar que cada um deles vivesse sua vida.Tudo o que queria é fossem felizes,saudáveis,honestos e que tivessem uma vida financeira mais tranqüila que a sua,pois bons exemplos não faltaram para que se tornassem bem sucedidos em qualquer aspecto da vida.

Luis era um homem esforçado, trabalhador,honesto e muito generoso,apesar de controlador e possessivo,claro que não precisaria  trabalhar tanto se não jogasse tanto com a sorte.

Sonia por sua vez,entendia e perdoava á todos,mesmo quando nem sequer pensavam em pedir compreensão e muito menos perdão,afinal conhecia cada um deles melhor que ninguém.Seus filhos  e seu marido eram maravilhosos e tudo que faltava á eles era dialogo,Luis foi criado sem pai,normal que não soubesse como lidar com filhos e os filhos por sua vez não sabiam se aproximar.Enquanto o momento mágico da aproximação não acontecia ela fica servindo de ponte entre eles,afinal eles valiam a pena.Mesmo tentando com toda força e paciência que tinha não conseguia o resultado esperado,pelo contrario,nenhum deles reconheceu seu trabalho de amor e foi ficando cada vez mais só,sendo acusada de facilitar para um e dificultar para outro.Estava sentindo-se péssima mãe e esposa,e viu que já não dava mais tempo para realizar seus sonhos nem mesmo os mais pequenos,embora já nem lembrasse mais deles.

Mas, aquelas roupas nos varais da vizinhança trouxe de volta a vontade que tinha de morar numa casa com jardim onde haveria um pinheiro que seria enfeitado para o Natal.

A casa seria bem arejada,clara,com muitas janelas para que pudesse aproveitar bastante a luz do sol,e de maneira nenhuma poderia haver goteiras,infiltrações,mofo.

Estava indo para a sala quando parou na frente do espelho e ficou olhando minuciosamente para seu reflexo,friamente sem sentir nada viu que estava velha,cabelo branco,rosto enrugado,o corpo flácido e alma seca,não sentiu pena de si mesma, como era de se esperar,respirou fundo,acendeu o cigarro que tinha nas mãos e se dirigia até a sala enquanto pensava: -Tenho que colocar os colchões e travesseiros para tomar sol,depois vou lavar as roupas e limpar a casa ,se bem que sei que não vai adiantar muito.Daqui a pouco vai chover de novo e as goteiras vão começar outra vez,e a casa vai voltar á cheirar mofo novamente.Meu Deus,quando será que o Luis vai por telhas nesta casa?Não sei quantos anos fazem que estou avisando que a qualquer hora ela vai cair.Debruçada na janela da sala olhava seus vasinhos de planta que tinha no corredor lembrou-se da segunda vez que tinha ido até a casa. – Será que vou mesmo morrer aqui?

Foi para a cozinha, tomou um café e sentou-se no degrau da porta em quanto terminava seu cigarro,seu cachorrinho apareceu e como sempre fazia sentou-se a seu lado.Ela amava aquele bichinho,dizia á todo mundo que ele era o único ser que a aceitava como era,passava muito tempo conversando com ele jurava que ele a entendia.Isso porque houve uma vez em que ela estava chorando,ali mesmo na porta,não se lembrava mais do porque, e o cachorrinho parecia estar chorado também enquanto se esfregava nas suas pernas,como se quisesse lhe consolar,compartilhar da sua dor.A partir deste dia se convenceu que ele era um príncipe transformado num cão,pois se havia estórias de sapos porque  não de cachorro encantado?

Enquanto acariciava o animalzinho não percebeu que os reboques das paredes da casa estavam caindo,muito menos que as rachaduras que já existiam foram aumentando.

Na verdade creio que ela nem ouviu o estrondo que aconteceu antes da casa toda ter vindo abaixo.

E naquela manhã cheia de sol,depois de tantos dias de chuva a casa da Sonia finalmente caiu.