DUAS CASAS
Por Sara Luz | 21/04/2011 | PoesiasQuê isso? Pergunta a criança afeminada ao ver assustada o tamanho do saco de algodão doce. Nuvens de algodão de várias cores: branco, rosa, verde, azul e amarelo dentro de um saquinho enorme de plástico.
Toda criança se assusta e ainda tem adultos que dizem as crianças para que durmam em paz. Como? Que hipocrisia!
Fico possessa de entusiasmo e olha que até pareço gente grande, isto é, tenho família, marido, uma casa, trabalho, vida social e dinheiro na bolsa.
Chega um vendedor com um produto tão chamativo assim, de tantas cores, isto é poesia os olhos de qualquer poeta, até minha avó que descansa livre do fogo do inferno, penso eu, também iria querer igual.
É o produto que parece ser bom mesmo! O vendedor de tal façanha tem cara de sério, intelectual e esportivo, olha com os óculos pra cima, meio metido à besta, eu diria. Com olhos que não enxergam, observa até os sapatos de quem entra e sai, e até o formato das unhas de alguém. Por que não? Ora.
A verdade também é que pode parecer qualquer coisa, mocinho ou bandido faroeste, o importante é a essência e não a aparência, digo do vendedor, porque o produto, o algodão doce colorido do tamanho de marte já se vende sozinho, nem precisa de marketing!
Vendedor, vendedor, quanto será que custa tal amizade?
As riquezas que tenho são poucas, mas vejo o grande interesse que tem nos olhos do fabricador, cara de mau doutor que assina com dois zes, parece um menino perdido que quer pra si carvalhos de justiça, planta boa pra enfeitar a entrada de sua casa. Os celtas e os hebreus, dos hebreus que mais gosto, vê a planta com olhos espirituais, é algo sagrado. E isso é o que mais tenho.
Proprietária de plantation, miríades de hectares, monocultura de carvalhos, parecem como o infinito do mar que não tem fim, e olhe que nunca vi um de pertinho. Mas, quem me disse tinha olhos sinceros, acreditei.
Dentro do saco plástico transparente que parece água mineral de tão límpido, ressalto que água mineral não é pura, são mistura de cloro, zinco, chumbo, soda cáustica e cimento. Mas, é límpido!
O amarelo do pedaço de nuvem faz referencia ao sol batendo forte com tapas na face da areia, me lembra também a Espanha querendo ter filhos, só quem entende que conhece, ou melhor, só quem conhece que entende.
O azul me lembra o rio que divide os mineiros dos paulistas, sei que água de lá não tem esse azul todo, mas me associei na balça ao entardecer, sol baixando com brisa, sapos e pingos de chuva e a chegada dançante da lua. Balça de um amigo querido de Iturama, um médico cheio de poucos discursos longos. Nunca fui ver também não, mas se ele falou, pra mim, ta falado!
O verde me lembra a Amazônia, vontade de ser hippie ribeirinha, em meio a muitos índios legais, a doutora aqui chegaria pra se pintar e dançar a dança do fogo, comer turú..sonho de meus pais e meu também. Até descobrir que meu ramo era outro. Ai dos doentes ..minha receita sempre seria chá de Sant daime e absinto com Pirassununga. Preferi a arte e a pobreza das mentiras verdadeiras do que sangue, caboclos com malária..
Já o rosa, amigo. Lembra-me um filme idiota que vi e sem futuro de dois gays. Não que seja preconceito, era o filme mesmo que era tosco, chato, besta, me irritei por ser tão repetitivo.. aff.. Deixa quieto, oh filmezinho sem futuro!
O branco do algodão, só me lembra cama de hotel arrumada, dessas viagens que às vezes faço, digo eu que aprendo alguma coisa nessas palestras de congresso de Direito. Jura, heim? Hum, hum... Prefiro a beleza dos lençóis brancos, quarto escuro e gelado, vinho e um kilo de sonho de valsa ..hiberno e descanso o final de semana. Vou no dia que tem, somente "o cara da noite??, algo muito bom ou muito ruim, me convence a estar ali.
Ah..falo demais, amigo! O jeito é convencer, parar de questionar e conversar contigo e convencer, questionar, convencer de novo, achacar o vendedor, pois decidida estou, que bom ou ruim quero o doce. To pagando meus carvalhos, para experimentar. Olha que se o gosto for gosto de morte, não tem devolução. É fracasso do meu prejuízo, pois os carvalhos são raros.
.. Perguntei quanto era aquilo tudo, e me surpreendi ao saber que não podia ser vendido, foi feito por encomenda pruma moça distante. Já tinha destino o que eu queria, o vendedor frio e quente parecia ter zelo, carinho, afeto, amor, sabe lá o quê mesmo o vendedor tem ou tinha por tal moça.
Os pedaços de nuvens dão água na boca, vem acompanhado de poesia de olhos e olhar, de Luiz de Camões e Oscar Wilde, de companhia pra jantar, quiabo afogado ou refogado, arroz sem sal e com rapas douradas.
Essa ousadia perdi, amigo. O algodão já tem dona, não adianta persistir, vou voltar a ser criança.
Com um pouco só de tempo, fiquei sabendo do endereço de tal moça, foi publicada no diário oficial da União, Dilma governou e aprovou.
Passou-se vacation legis, tem vigência e eficácia, amizade firmada depois de passar nas duas casas. Oh, trem confuso esse, casa dos deputados amor e casa dos senadores amizade.
Ainda lembro bem, caro amigo, que tudo começou com brincadeira, ironia esta do destino, descobri até o nome do vendedor do algodão doce.
É Prometeu! Mudou-se a pouco tempo de profissão, largou a indústria em que muito trabalhava, parou de enxertar fogo no mundo, antes de ser condenado pelos homens e ter seu fígado comido pela águia.
Coisa boa essa de amizade sincera, mais verdadeira que nota de dois reais em dois mil e onze.
Eita!!! Carambolas!!! Como foi rápido! Tenho que ir, to com hora marcada. Hoje é dia de festa, carta de alforria assinada pelo veterinário. Pandora retorna pra casa, Benjamim à espera ansioso.
Abraço, amigo! Dê lembranças a Giovanna e aos pássaros esfomeados que nasceram.
Até a próxima!