Dos procedimentos a serem adotados nos crimes contra a honra

Por Rafael Henrique Gonçalves Santos | 15/11/2011 | Direito

 

I – INTRODUÇÃO

 

O Código de Processo Penal brasileiro prevê em seu Livro II, Título II, os vários procedimentos especiais, dentre eles os procedimentos adotados para os crimes contra a honra.

Neste texto, faz-se uma reflexão sobre a inaplicabilidade quase que total de tal procedimento na atual conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no atual sistema processual penal. Questões como as diversas reformas que o Código de Processo Penal sofreu ao longo dos anos (considerando que o mesmo foi publicado com sua redação original em meados de 1941), geraram consideráveis contradições, bem como a inaplicabilidade de diversos dispositivos.

Um segundo fato gerador da supramencionada inaplicabilidade se deve ao surgimento das inúmeras Leis Penais extravagantes, como é o caso da Lei de tóxicos, Maria da Penha, e principalmente a Lei nº 9.099/95 que regula os Juizados Especiais Criminais.

 

 II – DO PROCESSO E DO JULGAMENTO DOS CRIMES DE CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA, DE COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR.

 

O procedimento especial dos crimes contra a honra é tratado no artigo 519 e seguintes.

Dita tal procedimento que antes de receber a queixa, o juiz oferecerá as partes oportunidade para se reconciliarem. No caso de acertada reconciliação o querelante deverá assinar um termo de desistência da queixa, se aplicando ai, por analogia, o art. 397 do CPP, cuja conseqüência será a absolvição por extinção da punibilidade.

A Lei da ao querelado a faculdade de provar a veracidade da afirmação tida como desonrosa, devendo fazê-lo por meio do que o Código de Processo Penal chama de exceção da verdade. Parte da doutrina, entre eles para o jurista Eugênio Pacelli de Oliveira, a exceção mencionada no art. 523 é na verdade uma excludente de ilicitude, quando aduz que:

 

 "Na realidade, a exceção ali mencionada não é procedimental, mas excludente de ilicitude. Sendo assim, não haveria necessidade alguma do oferecimento dela em separado, para autuação em apenso, como ocorre as demais exceções processuais". (Eugênio Pacelli de Oliveira. (Curso de Processo Penal. 13º ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2010. pág. 757)

Porém, é conveniente que assim se proceda, quando a situação do querelado se encaixa no que dispõem o art. 85 do CPP. Nesse caso caberá, ao tribunal competente para julgá-lo nos crimes comuns o julgamento da exceção da verdade, porquanto o conteúdo desta exceção pode, inegavelmente, conter a afirmação do fato que constitua.

 Assim, e dando cumprimento ao que dispõe o já citado art. 85 do CPP, os autos da exceção seriam remetidos ao tribunal competente por prerrogativa de função.

Após oferecida a exceção, o querelante (autor da ação penal), terá um prazo de dois dias para contestá-la, podendo nesse momento inquirir as testemunhas arroladas na queixa, ou outras que poderão ser indicadas nessa oportunidade, desde que não seja ultrapassado o limite máximo legal de oito testemunhas.

Caso ocorra o pedido de explicações de que trata o art. 144 do Código Penal, sobre este não será proferida decisão alguma, sobre serem as explicações dadas satisfatórias ou não.  O que ocorre na verdade, é que o pedido de explicações tem o objeto de esclarecer, para o querelante, o real conteúdo da afirmação por ele reputada criminosa.

Para o já citado renomado jurista Eugênio Pacelli de Oliveira "as explicações poderão até servir de matéria de defesa por parte do querelado, quando instaurada a ação penal, na medida em que se prestarem a esclarecer a inexistência de intenção caluniosa, ou mesmo em relação à natureza e à própria existência dos fatos então afirmados. Por isso, a apreciação de seu conteúdo, a valoração de seus efeitos e as conseqüências na órbita do patrimônio moral do querelado serão da competência do Juiz Criminal, por ocasião da prolação de sentença".

Lado outro, além das falhas procedimentais comentadas, existe mais uma que no meu ponto de vista é a mais relevante e que torna esse procedimento inaplicável. Embora ainda conste do Código de Processo Penal como um procedimento especial, os crimes contra a honra estão sujeitos aos Juizados Especiais Criminais, ou seja, se submetem ao procedimento sumaríssimo, uma vez que constituem crimes de menor potencial ofensivo.

Mas a coisa não é tão simples assim. O § 3º, do artigo 140 do Código Penal, dispositivo legal que trata o tipo penal da injúria, traz uma espécie de injúria qualificada, mais comumente chamada pela doutrina de injúria preconceituosa. Diz respeito a injúria praticada com a utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Nesse caso a pena cominada é de um a três anos, fugindo nesse caso da competência dos Juizados Especiais, uma vez que nestes só se admitem o julgamento de contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima de dois anos, segundo o art. 61 da Lei nº 9.099/95.

Para o jurista Rogério Greco, a ai uma dupla aplicabilidade de procedimentos. É o que pensa o doutrinador quando diz que:

 "Compete, pelo menos inicialmente, ao Juizado Especial Criminal o processo e o julgamento do delito tipificado no art. 140 do Código Penal, tendo em vista que a pena máxima cominada em abstrato não ultrapassa o limite de 2 (dois) anos, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a nova redação dada pela lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006, excepcionando-se a chamado injúria preconceituosa, prevista no § 3º do art. 140 do Código Penal, cuja pena máxima cominada é de 03 (três) anos". ( Rogério Greco. Código Penal Comentado. 4º ed. Editora Impetus. Niterói, RJ: 2010. pág. 329).

 Sendo assim, conclui-se que pode ser usado dois procedimentos no crime de injúria. Se o crime for cometido na forma do caput do art. 140, adota-se o procedimento sumaríssimo trazido pela Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais. Lado outro, se é cometida a chamada injúria preconceituosa, que se encontra no § 3º do citado artigo, o procedimento adotado deverá ser o procedimento previsto nos artigos519 a523 do Código de Processo Penal.

Nos demais crimes contra a honra (calúnia e difamação), resta claro que o procedimento adotado será sempre o procedimento sumaríssimo, uma vez que a pena prevista em ambos os tipos penais não ultrapassam dois anos, se enquadrando perfeitamente ao art. 61 c.c com art. 60 da Lei nº 9.099/95 que ditam o seguinte:

 

 "Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

(...)

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa".

 

 III – CONCLUSÃO

 Diante do que foi exposto, fica demonstrado de uma forma sucinta, a quase total inaplicabilidade do procedimento previsto nos artigos 519 a523 do Código de Processo Penal brasileiro. O procedimento, que genericamente se aplicará, quando o crime submetido a julgamento for um crime contra a honra é o procedimento sumaríssimo e não o procedimento especial que ainda está presente no CPP. Só se aplicará o antigo procedimento no caso excepcional de o crime pratico for a chamada injuria preconceituosa.

            Apesar de uma grande parte da doutrina falar em revogação do procedimento antigo pelo procedimento sumaríssimo, fico com o entendimento de outra camada doutrinária, camada esta que não considera os dispositivos dos art.519 a523 revogados, uma vez que ainda a casos que se prestam ao mesmo. O que ocorre porém é um aplicabilidade baixa, se comparada com o procedimento trazido pela Lei nº 9.099/95.

 

 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 4º ed. Editora Impetus. Niterói, RJ: 2010.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto Júnior; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 7º ed. Editora Renovar. São Paulo: 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13º ed. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2010.