DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA: CHARLATANISMO, CURANDEIRISMO E EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA.

Por Dayana Alves Bastos | 16/03/2011 | Direito

S u m á r i o
1 Introdução
2 Crimes contra a saúde pública
2.1 características
3 Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
4 Charlatanismo
5 Curandeirismo
6 Conclusão
7 Referências

1 INTRODUÇÃO
Este artigo pretende mostras as semelhanças e as diferenças entre o charlatanismo, o exercício ilegal da medicina e o curandeirismo, crimes contra a saúde pública, tema previsto nos manuais de Direito, mas que não tem uma atenção merecida.
Para muitos de nós, o direito penal tem a missão de defender a sociedade, protegendo seus bens, valores, ou interesses, acima de tudo. Mas deve-se salientar que em uma sociedade desigual, os bens, interesses ou valores tutelados são estabelecidos pela classe dominante, acentuando ainda mais as desigualdades.
Os bens jurídicos estão previstos na Constituição em seu art. 5º, quando menciona a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como em outras disposições, tais como no art. 225, §3º (meio ambiente ecologicamente equilibrado) e no art. 227, §4º (integridade e dignidade da criança e do adolescente).
A doutrina distingue bens jurídicos individuais e coletivos. Os individuais estão diretamente ligados à pessoa, enquanto os coletivos estão mais relacionados ao funcionamento do sistema.
O Código Penal Brasileiro, em relação à proteção da Saúde, distingue condutas que atingem a saúde individual e coletiva. São levados em conta elementos específicos para a classificação de tais crimes, como a indeterminação pessoal, que distingue as condutas em crimes contra a pessoa ou crimes contra a incolumidade pública. Os crimes em estudo se enquadram como crimes contra a incolumidade pública, ou seja, não são direcionados a uma pessoa determinada, mas sim a uma coletividade.
2 CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
Os crimes contra a saúde pública estão definidos no Código Penal Brasileiro de 1940, nos arts. 267 a 285, mas houve mudanças ao decorrer dos anos, na definição dessas condutas, na cominação de penas e na classificação jurídica.
Temos em vigência no Código Penal os seguintes crimes contra a saúde pública: Epidemia, Infração de medida sanitária preventiva, Omissão de notificação de doença, Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, Corrupção ou poluição de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, Emprego de processo proibido ou de substância não permitida, Invólucro ou recipiente com falsa indicação, Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores (arts. 274 e 275), Substância destinada à falsificação, Outras substâncias nocivas à saúde pública, Medicamento em desacordo com receita médica, Exercício ilegal de medicina, arte dentária ou farmacêutica, Charlatanismo e Curandeirismo.
2.1 Características
Os tipos penais contra a saúde pública apresentam características comuns em relação ao sujeito passivo e à técnica de definição. Sem mencionar que são crimes contra a incolumidade pública.
O sujeito passivo é a coletividade. O agente atua em prejuízo de um número indeterminado de pessoas. Todos os tipos penais mencionados são assim classificados, mesmo que seja possível a identificação das pessoas lesadas.
Salienta-se que o Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica é visto como uma norma em branco, ou seja, que necessita de complementação. A sua complementação deve ser buscada na legislação federal que regulamenta as profissões de médico, dentista ou farmacêutico.
A maioria dos crimes contra a saúde pública são crimes de perigo abstrato, por sua vez, não podendo ocorrer à incriminação de uma atitude não exteriorizada, a incriminação de condutas que não causem dano nem exponham a perigo um bem jurídico. Desta forma, apenas a mera realização de uma conduta que coincide com a descrita na norma é configurado o crime.
Dos crimes objeto deste estudo, se classificam como crimes de dano o art. 267 (epidemia) e os demais apenas quando resultar lesão corporal de natureza grave ou morte (art. 285 c/c 258). Os demais são crimes de perigo, presumido ou concreto, pois se consumam com a simples existência da probabilidade da ocorrência de um resultado.
Quanto ao resultado, os crimes se classificam em materiais, formais e de mera conduta. Os primeiros são aqueles cujo tipo legal contém a descrição de uma conduta e de um resultado, e que somente se consuma com a produção do resultado. Além de admitir tentativa. Já, os crimes formais são os aqueles que existem uma conduta e um mencionado resultado, não exigindo, por sua vez, a ocorrência do resultado para que se dê a sua consumação. Por fim, os crimes de mera conduta são aqueles que há uma conduta, mas nada se menciona sobre resultado. Esta classificação tem importância para a determinação do tipo de prova a ser realizada.
3 EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA, ARTE DENTÁRIA OU FARMACÊUTICA
"Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa."


O crime tipificado no art. 282 do CP prever duas formas distintas de conduta delituosa. A primeira caracterizada pela ação de alguém, sem autorização legal, exerça a profissão de médico, dentista, ou farmacêutico. A lei aponta, neste caso, punir o falso médico ou o falso dentista, ou seja, aquele que, não se enquadrando às condições legais de médico, exerça a medicina. Não se trata propriamente de crime do médico, mas sim de outrem, que não seja médico, que decida exercer sem qualificação técnico-legal a medicina.
Já, segunda figura típica do dispositivo acima, pune a conduta do médico que se excede nos limites de sua própria atividade. Neste caso, trata-se de um crime próprio e que somente o médico, o dentista e o farmacêutico, ou seja, pessoa qualificada para a profissão, podem cometer, cada um em relação à sua própria área profissional.
Entende-se que, não pode o profissional extrapolar os limites estabelecidos pela habilitação que lhe foi conferida, pois presume-se que o usuário (paciente) de seus serviços corre sérios riscos em sua saúde, justificando a intervenção estatal, através da incriminação e repressão da conduta excessiva.
"se caracteriza quando o agente transpõe os limites da profissão médica para a qual está habilitado, isto é, quando transgride os limites estabelecidos na lei, nas normas regulamentares e na utilização de métodos e práticas não condenadas".
Devemos levar em consideração que o conceito de excesso ou abuso no exercício da medicina é relativo e não absoluto. Há situações em que o médico não estar excedendo os limites da profissão, ou da sua qualificação, mas apenas a exercendo de forma a chegar a um resultado esperado, ou prevalecendo o interesse social.
4 CHARLATANISMO
Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
O charlatanismo ocorre quando um determinado indivíduo afirma curar doença através de meio infalível e secreto. É um crime de difícil aplicação a muitas condutas. Os requisitos que enquadram uma conduta como crime de charlatanismo é inculcar ou anunciar cura, e que esta cura seja através de meio secreto ou meio infalível.
Além disso, a doutrina não reconhece a forma culposa, assim, se uma pessoa cumpre todos os requisitos essenciais do crime, mas acredita no que estar fazendo, estar cometendo o crime.
Ocorre que muitas pessoas pensam que o charlatanismo é uma coisa forçada pelos seus praticantes, todavia se esquecem que muitos os procuram movidos pela curiosidade e aos poucos, nas suas "consultas", acabam se envolvendo e revelando "segredos" de suas vidas, facilitando a atuação dos charlatões.
Faz se salientar que a oferta da cura deve ser feita de maneira pública, pois para ser considerada crime deve ser anunciada, além de a cura ser alcançada de forma secreta.
A prática do Charlatanismo é comum, mas deve ser repudiada, haja vista que a promessa de curas milagrosas com um simples gesto ou toque de mãos não deve ser admitida.
Outro aspecto interessante o fato de existirem aqueles que se julgam com poderes fora do comum, àqueles que se dizem capazes de prever o futuro, onde muitas pessoas se consultam com estes mediante pagamento e acabam se deixando envolver em suas "previsões". Observa-se essa atuação também nos anúncios de trabalhos específicos para "amarração no amor", "conquista da pessoa ideal" entre outros, pois as pessoas que ofertam tais serviços ofertando uma cura milagrosa para o problema das pessoas.

5 CURANDEIRISMO

Art. 284 - Exercer o curandeirismo:

I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.

Diferente do Charlatanismo, o Curandeirismo é um tipo penal muito mais amplo e abrangente. Pode ser definido como a utilização de meios não reconhecidos como eficazes ou seguros pela ciência, para a cura, explorando a fé de cada um. Aqui, não importa se funciona ou não, se é científico ou crença popular, se importa lucro ou é gratuito, o simples ato de fazer já configura o crime.
O curandeirismo caracteriza-se por uma situação de risco, assim, mesmo que nenhuma ameaça real de dano tenha existido, há de se considerar como consumado o crime de perigo abstrato, ou seja, de perigo presumido. Geralmente o termo é reservado para os não médicos, e difere do exercício ilegal da medicina.
Importante salientar que o curandeirismo não engloba somente curas através de meios místicos, mas pode sim englobar curas através de meios científicos, bastando que a cura se opere por meios fora do padrão aceitos pelos médicos, por motivos irrelevantes.
Caracteriza-se a atuação do curandeirismo através de modos de execução previstos no Código Penal. São eles:
1. Prescrevendo, ministrando ou aplicando habitualmente qualquer substância. Prescrever é receitar, determinar um tratamento ou remédio; Recomendar; aconselhar, advertir, dar para consumir; Aplicar tem o sentido de opor, empregar.
2. Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio. Gestos são movimentos do corpo, sinais. Como palavras podem ser indicadas as rezas, benzeduras, orações etc.
3. Fazendo diagnóstico. Diagnóstico é determinação de uma doença pelos sintomas da mesma, através de um análise da pessoa e dos seus sintomas que chega-se a uma diagnostico.
O curandeiro acredita fielmente no que estar fazendo, diferente do "charlatão". Mas não se pode olvidar que só não haverá crime quando a pessoa que se nomeia a tratar o doente está ligada a uma religião e utiliza seus procedimentos.

7 CONCLUSÃO
A saúde pública é um bem jurídico tutelado pelo Estado. As condutas que ofendam este bem estão pré-estabelecidas no nosso código penal, em capítulo específico aos dos crimes contra a incolumidade pública.
Cabe ao médico, profissional técnico especializado, a cuidar corretamente dos pacientes. A saúde do indivíduo "estar em sua mão", e o seu dever é zelar por ela. Práticas excessivas ou abusivas, e até mesmo lesivas à saúde devem sem criminalizadas, afinas cabe ao Estado zelar pelos bens jurídicos da sociedade. Para exercer a profissão deve-se ter uma especialidade, "saber o que estar fazendo" e não apenas exercer irresponsavelmente a atividade. Bem como deve-se ponderar e saber os meios adequados, alem de ter proporcionalidade na atuação da profissão, médica, farmacêutica e odontológica, praticando-as na medida certa.
Podemos dizer que o "charlatanismo" se aproxima do crime de estelionato, enquanto o "curandeirismo" se aproxima do crime de exercício legal da medicina.
Se faz salientar que, no entendimento de muitos especialistas, as condutas do charlatanismo e do curandeirismo não deveriam ser taxadas como crimes. Observa-se que há uma colisão entre princípios constitucionais, como a liberdade religiosa e as praticas culturais de cada um e a configuração de tais crimes.
O curandeiro, por exemplo, acredita que consegue alcançar a cura do doente por meios místicos integrante de sua crença, de sua cultura e, por isso os pratica. Isso não quer dizer que o mesmo esteja comentando crime, apenas estar seguindo a sua cultura.
É muito difícil distanciar a prática delituosa de uma simples crença, de um seguimento religioso.



REFERÊNCIAS


1. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte especial, volume 4. 2. ed. rev. e atual. Sao Paulo: Saraiva, 2006.
2. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP. 15. ed. rev. e atualizada até outubro de 2000 Sao Paulo: Atlas, 2001.
3. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4ª edição, São Paulo: Saraiva, 2007
4. http://www.direitonet.com.br
5. http://www.codigopenal.adv.br/
6. http://www.direito2.com.br/
7. www.minasprag.com.br/doc/Lei_9677.doc