Dona Mística: fragmento de um canto simbolista ao Amor

Por Silvana Lovera Silva | 26/09/2014 | Literatura

Dona Mística: fragmento de um canto simbolista ao amor

Silva. Silvana Lovera

 

 

 

Resumo

Este trabalho tem como proposta a análise de um trecho da poesia Dona Mística, de Alphonsus de Guimaraens, poeta simbolista, como uma amostra da imaginação poética do ideário simbolista deste poeta. Como as imagens poéticas do espaço amoroso refletem o amor “à primeira vista”, representado na poesia.

Palavras-chave:  Simbolismo, Espaço poético, imagens.

 

Abstract

This work has as proposal to the analysis of a passage of poetry Dona Mystic of Alphonsus Guimaraens, poet finde, as a sample of the poetic imagination of the ideals fiND of this poet. As the poetic images of loving space reflect the love "at first sight", represented in poetry.

Key Words: Symbolism, Space poetic images.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Contrariando a objetividade aspirada pela geração de 70, a estética simbolista prega e busca efetuar, o retorno à atitude psicológica e intelectual assumida pelos românticos, e que se traduzia no chamado “egocentrismo”.

Na visão simbolista, o eu, portanto, volta a ser objeto de cuidadosa atenção representando, também, um retorno ao idealismo, a busca da perfeição amorosa, como via psicológica, algo que refletiria na universalidade deste sentimento. O simbolista, desta forma, ama e este amor reflete em atitudes que afloram do seu inconsciente, ou seja, ele sente o amor, mas nem sempre detecta as causas e reflexos deste em sua alma, por isso, usa como recurso forjar sua escritura através do uso de uma linguagem carrega de símbolos, mitos e figuras, trabalha a forma e os sons, para chegar o máximo possível a perfeição da transmissão daquilo que surge repentinamente vindo do seu inconsciente.

Alphonsus de Guimaraens, simbolista brasileiro, não foge a esta regra, pois participa da característica de sua produção, o buscar transmitir a fidelidade de suas emoções, que repentinamente surgem em seu ser, em momentos inesperados e não calculados.

No fragmento abaixo, retirado da obra “Dona Mística”, que é um canto à sua Constança, ou seja, a noiva morta, a sua amada, que, apesar de ter atravessado o vale da morte, ficou palpitando em seu inconsciente e ressurgindo em momentos visionários das lembranças adormecidas, temos uma representação de como estas imagens simbolicamente são distribuídas e significadas no imaginário de Alphonsus.

Quando por mim passaste

Pela primeira vez,

Como eu sorrisse, tu coraste.

O sol estava abrasador

E eu disse então: Talvez, talvez

Fôsse o calor.

Quando por mim passaste

Pela Segunda vez,

Como pálida ficaste,

Nascia a lua devagar,

E eu disse então: Talvez, talvez

    [fôsse o luar.

 Em Dona Mística, de Alphonsus, percebemos que a cada instante poético, surge a imagem daquela que passa, simbolizando a amada, como aquela a refletir a dor que partia o coração do poeta, pois, Constança é o amor eterno, uma ponte para o céu, uma ponte de salvação, o amor na sua essência primeira da paixão que surgia, ou seja, “o primeiro amor”, representado nas palavras, calor e luar.

Podemos identificar o amor à “primeira vista”, logo no início do poema, pois, ao que tudo indica nos versos 1,2 e 3, da primeira estrofe, temos a primeira sensação imaginária da visão da amada:

    Quando por mim passaste

    pela primeira vez,

como eu sorrise, tu coraste.

 Temos um primeiro olhar, indicado nos verbos que estão no passado, algo que já aconteceu, uma primeira paixão. A primeira surpresa amorosa do olhar, do sorriso, do interesse: “eu sorrise, tu coraste”.

Para marcar o fator do amor à “primeira vista”, temos a inclusão de símbolos, que lembram a luz, a vida, o calor que remete a paixão, como é o caso do sol.

           O sol  estava abrasador.

           E eu disse então: Talvez, talvez

           Fôsse calor.

 

O sol abrasador, aquele que queima e, transportando seu significado, na realidade é o amor que arde no peito no momento da primeira paixão, queima dentro o desejo do reencontro, o desejo da correspondência. Adiante o poeta coloca uma dúvida sugerida na expressão “talvez”, tem, portanto, dúvida se a moça corara por “calor” ou não.  Se substituirmos a palavra “calor” por “amor”, ficaria assim: “O sol estava abrasador/ E eu disse então: Talvez, talvez/ fosse o AMOR.”. A dúvida e o encaminhamento poético fazem-nos crer que, na realidade, este calor é resultado do primeiro sentimento de amor.

Nos versos seguintes, o que notamos é uma brusca passagem, que vai da luz, representada pelo sol, para a palidez, para o incolor, o triste. A Segunda vez, imaginária, que a suposta donzela, passa pelo poeta, indica a sua não existência, a sua palidez de morta.

           

    Quando por mim passaste

    Pela Segunda vez,

    Como pálida ficaste.

Aquela que sentia arder em si o desejo, o calor abrasador, de repente, bruscamente está pálida. Esta transformação é, não só emocional, mas, também corporal, pois a visão do poeta transporta aquilo que vê para a significação simbólica da “cor pálida”, “branca”, sem vida.

                Nascia a lua devagar

                E eu disse então: Talvez, talvez

                                        [ fosse o luar.

O poeta transfere sua dúvida em relação ao que vê, para o luar, talvez a luz branca e pálida do luar, esteja influenciando na moça que agora passa por ele pela Segunda vez. Na realidade o luar é a moça. A luz tem sentido celestial, vem iluminar e fazer resplandecer todas as coisas.

A imaginação é a luz que ilumina o poeta e seus poemas. Na realidade a força e a intensidade da luz é que mudam na relação daquilo que o poeta vê e transmite.  A imagem da moça é modificada no seu aspecto corporal e espiritual, ambos refletem em si próprios, convivem e não se separam.

O sol não queima mais, agora aquele calor abrasador que causa rubor, e cora o semblante da donzela, se transforma em palidez, em nítida tristeza. A lua surge na noite, e em noite agora a alma do poeta lê o semblante pálido da amada.

Os sentimentos e conflitos interiores, como vida, amor e morte é o que surgem da singeleza destes versos simples. A experiência da vida e de seus fatores contraditórios é profetizada nas lembranças que tem da amada. É na realidade, para o simbolista um afloramento inconsciente, que suavemente estão embalados nos versos. Assim como o sol queima e é luz, surge no dia, na vida resplandecente, virá depois com a passagem do tempo, a lua, o brilho da noite, a palidez de alguém que já passou. É o símbolo do tempo que muda e que nos transforma interior e exteriormente. Pode-se dizer, também, que estes versos também têm um quê de pessimismo, de alguém que observa a efemeridade da vida e que aqui, na terra, não vê todas as razões de sua existência. Ele apaixonou-se. E, por intermédio da paixão surge o amor, este amor lhe deu mais vida, calor, aqueceu. Porém, o amor parte, pálido como a lua, vai habitar a noite.

O tratamento lírico de Alphonsus é simples, mas nessa simplicidade surge a riqueza de seu sentimento e de sua percepção do mundo. Teve sim, uma vida simples, e foi ela que lhe deu um apurado conhecimento das sensações da alma e das figuras que seu inconsciente enviava. Portanto, a obra simbolista é um apurado de sensações e figuras que simbolizam na obra de arte a percepção humana mais profunda em relação à vida e sua passagem no mundo.

REFERÊNCIAS

GUIMARAENS . Alphonsus de ,   Obra  Completa .  Rio de Janeiro . Organização e preparo do texto por Alphonsus de Guimaraens Filho. Editora José Aguilar  L.T.D.A.,1960.