Dom Quixote de La Mancha e suas Lições para a Humanidade

Por David Lutango | 03/10/2019 | Sociedade

DOM QUIXOTE DE LA MANCHA E SUAS LIÇÕES PARA A HUMANIDADE

 

        1. INTRODUÇÃO

O personagem Dom Quixote ficou famoso pelas aventuras contidas em suas histórias. Miguel de Cervantes, o autor da obra - uma obra agradável de se ler – mostra-nos um exemplo de vida, apresentando, nas aventuras do nosso herói, aspectos intrínsecos à vida humano. Este artigo pretende reflectir alguns destes aspectos fundamentais que a obra apresenta.

        2. DOM QUIXOTE DE LA MANCHA

Dom Quixote de La Mancha, que também é o título do livro, é o personagem principal da obra de Miguel de Cervantes (1547.1616). A primeira publicação da obra foi em 1605 e teve sua continuação, na segunda parte, em 1615, dez anos depois. Na verdade, a segunda parte deve-se pelo facto de terem surgido muitos livros que se aproveitavam da famosa personagem do autor, o que deixara Miguel de Cervantes incomodado, levando-o a escrever a segunda parte do livro. Nesta segunda parte, Miguel de Cervantes mata seu famoso personagem, de modo que não viesse mais a ser encontrado em histórias de algum autor que não fosse ele mesmo.

A obra conta as grandes aventuras de Dom Quixote de La Mancha, um homem meio pobre na casa dos 50 anos, que se apaixonara muito extremamente pelos livros de cavalaria ao ponto de confundirem sua mente. Dom Quixote acreditava viver uma história de cavalaria; perdera o juízo da realidade e via todas as coisas como se fizessem parte da história dos seus livros. Saiu às escondidas da sua casa, deixando sua criada e sua sobrinha, e partiu em busca de aventuras. Via as pessoas que encontrava como cavaleiros adversários e as desafiava para a batalha. Vestia uma armadura velha que pertencia ao seu bisavô e andava montado no seu cavalo velho e desengonçado a quem o atribuíra o nome de Rocinante.

Como todo cavaleiro tem seu escudeiro, Dom Quixote, levado pela sua loucura de cavalaria, procurou também pelo seu, encontrando o camponês de nome Sancho Pança, homem de estatura humildade e de baixa altura, que Dom Quixote prometeu torná-lo governador de uma ilha caso aceitasse ser seu escudeiro, acabando por aceitar. Dom Quixote, na ânsia de poder salvar homens e donzelas em apuros, embarca pelas matas junto com seu escudeiro, onde puderam experimentar aventuras e viver histórias fascinantes.

Ora, esta obra, embora seja um romance, é na verdade um reflexo da vida como ela é; poderíamos dizer que é um romance da vida, cujas aventuras vividas pelo nosso herói Dom Quixote e Sancho Pança apresentam pontos que espelham a vida como ela é, o que nos dá a possibilidade de não apenas lermos as histórias, mas também reflecti-la de modo a extrairmos conhecimentos para a vida. Passemos então a reflectir sobre algumas lições de vida que a obra apresenta.

        3. LIÇÕES DE DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA

Dom Quixote, junto com seu escudeiro Sancho Pança, mergulha em profundas aventuras. O nosso herói foi levado pelo desejo de ajudar todos aqueles que se encontravam em apuros por onde ele passava. Em uma de suas aventuras, ajudou a libertar alguns reclusos que, injustamente, eram levados para serem presos, embora após isso, devido à língua afiada de Dom Quixote, os reclusos viraram-se contra o herói e o atiraram pedras. Este episódio mostra como o nosso herói afundou-se no desejo de justiça e viu-se obrigado a ajudar os injustiçados. Passemos então a reflectir sobre as lições que Dom Quixote e Sancho Pança nos ensinam com suas aventuras.

         3.1. Um mundo mais justo

Vivemos em tempos conflituosos; pessoas são condenadas injustamente. Em uma das conversas de Dom Quixote e Sancho Pança, Dom Quixote diz para seu escudeiro que “às vezes, os justos pagam pelos pecadores.” A ideia desta frase é, de facto, muito presente nos nossos dias, afinal, às vezes, o erro de um condiciona a vida de outros; isto nos faz reflectir sobre o tipo de sociedade que estamos criando; e as aventuras do nosso herói e seu desejo de justiça nos levam a questionar se estamos caminhando para uma sociedade mais justa ou mais injusta, mostrando a necessidade de buscarmos uma sociedade mais justa.

        3.2. Esperança de um mundo melhor

Aos poucos estamos perdendo a esperança pelo mundo. Diante das tragédias, dos conflitos políticos, da pobreza, das catástrofes naturais e da pobreza, fechamo-nos para a ideia de um mundo melhor. Perdemos a esperança no ser humano. Vivemos a vida como robôs; sem entusiasmo e vontade. A cada dia deixamo-nos levar pelo corre-corre da vida e não mais nos preocupamos em lutarmos por um mundo melhor. Dom Quixote nos ensina a viver; mesmo em meio a um mundo caótico como o dele (ou como o do seu autor Miguel de Cervantes), acreditava em um mundo melhor e deixara sua casa para que esta crença se materializasse, lutando pela justiça e pela liberdade dos que encontrava pelo caminho. Dom Quixote apela ao mundo que ainda há esperança; que enquanto existir vida, também existirá esperança de um mundo melhor e que todos nós podemos lutar por este mundo, onde a justiça e a liberdade poderão ser presentes.

        3.3. Luta pela dignidade

Dom Quixote não era rico; mas também não era tão pobre; digamos que tinha o suficiente. Já era um homem de meia-idade, na casa dos 50; apresentava uma fisionomia magra e supostamente enrugada por causa da idade. O que devemos reflectir aqui é que o nosso herói não tinha a estrutura física dos heróis com os quais nos habituamos. Os heróis que vimos na televisão são fortes, de aparência agradável e, muitas vezes, têm uma força que vai além do normal. Dom Quixote não tinha essas qualidades perfeitas; e mesmo assim, em nenhum momento se deixou levar por isso; em nenhum momento de suas aventuras perdera sua dignidade e seu amor-próprio; não tinha uma força além do normal; tudo que ele tinha era sua humanidade e sua vontade de lutar por um mundo melhor. Dom Quixote nos ensina que independentemente da nossa condição física, social ou da nossa idade, todos nós somos dignos o suficiente para levantarmos e buscarmos a cada dia um mundo melhor para nós e para as pessoas ao nosso redor.

        3.4. Começar com o que se tem

Muitas vezes, deixamos de fazer algo por pensarmos que o que temos é inútil para o efeito, ou seja, muitas vezes deixamos de realizar nossos objectivos e nossas pretensões por sentirmo-nos incapazes e por pensarmos que o que temos não servirá para a realização daquilo que queremos. Ora, Dom Quixote quase que não tinha nada para se tornar um cavaleiro. Tinha apenas uma armadura velha que pertencia ao seu bisavô, uma espada que ele adaptou e um cavalo velho e casando para o guiar em suas aventuras. Porém, estas dificuldades não o impediram de sair pelo mundo em busca de aventuras. O que Dom Quixote nos ensina é que para alcançarmos nossos objectivos e lutarmos por um mundo melhor, podemos começar com aquilo que já temos; e que ao esperarmos as condições perfeitas para começarmos, podemos correr o risco de nunca alcançarmos o que queremos, pois quando as conseguirmos, poderá ser tarde demais.

        3.5. Viver o sonho

Nós sonhamos o tempo todo. Sonhamos por uma casa, por um carro, por um objectivo, por uma pessoa ou por um amor. O alcance das coisas que sonhamos só será possível se vivermos o sonho. Dom Quixote sonhava em tornar o mundo um lugar melhor, o que levou as pessoas ao seu redor o chamarem de louco, pois confundia a realidade com os sonhos que tinha. Ora, isto é um exemplo claro da vida. Ao tentarmos realizar nossos sonhos, muitas vezes somos chamados de loucos e aventureiros e acabamos por não realizar. Dom Quixote nos ensina que o alcance dos nossos sonhos só é possível quando, ao acordarmos, nos movemos para os realizarmos, mesmo que sejamos vistos como loucos e aventureiros, pois no final, as mesmas pessoas que nos chamavam de loucos e aventureiros, olharão para nós como exemplos de vontade e persistência, assim como nós olhamos para o nosso herói.

        3.6. A necessidade do diálogo

Um dos aspectos que nos apaixona nesta obra é, definitivamente, o diálogo de Dom Quixote com seu escudeiro Sancho Pança, assim como os diálogos dos outros personagens da história. Nestes diálogos nos damos conta da humanidade destes personagens; Miguel de Cervantes foi feliz neste aspecto da sua obra. Dom Quixote e Sancho Pança dialogavam sobre suas aventuras; dialogavam sobre o que deviam fazer e o que não deviam fazer; dialogavam sobre como resolver os dilemas em que se metiam; dialogavam sobre suas conquistas; enfim, dialogavam sobre a vida. Dom Quixote e Sancho Pança nos mostram como o diálogo é fundamental para um mundo melhor; nos ensinam que é só através do diálogo que podemos resolver os dilemas que diariamente a vida nos impõe.

        3.7. A necessidade da amizade

Dom Quixote e Sancho Pança haviam-se tornado muito próximos. A proximidade deles superara o comum e se elevara para a cumplicidade e amizade. Tornaram-se irmãos; consagrados pelas aventuras da vida. Além da sobrinha e da criada de Dom Quixote, Sancho Pança foi uma das pessoas que mais ficou arrasado com a morte do irmão que a vida o deu; inclusive, Dom Quixote, antes de morrer, certificou-se de, no seu testamento, favorecer parte da sua herança para o seu irmão de aventura Sancho Pança que, vendo a partida do seu amigo para a pós-vida, chorava como se o amanhã não mais viesse a existir. Dom Quixote e Sancho Pança nos ensinam a amar. Nos últimos capítulos do livro, somos levados a reflectirmos sobre a brevidade da vida e que o que importa mesmo é aquilo que deixamos no coração das pessoas: a nossa humanidade.

        4. CONCLUSÃO

Ler a obra Dom Quixote de La Mancha é mergulhar em nossa humanidade. As histórias do nosso herói fazem-nos pensar a vida e despertam a nossa vontade de lutarmos por um mundo melhor; um mundo mais justo, mais livre e mais humano. Os diálogos contidos no livro são reflexos de vidas que já vivemos. Cada aventura contada é uma embarcação em nós mesmos, levando-nos a lutarmos contra os nossos preconceitos, o nosso orgulho e vaidade. Dom Quixote nos ensina que a vida é perfeita do jeito que é; e que, com vontade, dignidade, persistência e pessoas certas ao nosso lado – como seu amigo Sancho Pança –, podemos mudar o mundo por onde todos pertencemos.

        5. REFERÊNCIA

Cervantes, M. (s.d). Dom Quixote de La Mancha, tradução de Ernani Ssó. PENGUIN, Companhia das Letras.

Artigo completo: