Dom Casmurro: A inocência de Capitu e as estratégias tendenciosas de argumentação...

Por Aucilane Santos Aragão | 23/08/2016 | Literatura

Dom Casmurro: A inocência de Capitu e as estratégias tendenciosas de argumentação de Bentinho para condená-la ao adultério

Resumo:

Este estudo objetiva analisar a argumentação do personagem Bentinho, em “Dom casmurro”, de Machado de Assis (2004), cuja intenção do narrador-personagem era de condenar a personagem Capitu por uma suposta traição. No entanto, focaremos não para a condenação desta, mas para a defesa, analisando as falhas na argumentação daquele. Haja vista que não há provas concretas, reais que a incrimine, pelo contrário, o único parecer sobre a história é exclusivamente do Bentinho que se utiliza da própria imaginação para criar situações que confirmem suas suspeitas. Desta forma, focaremos nos desvios/falhas da argumentação de Bentinho a fim de inocentar argumentativamente Capitu, entendo que a narrativa construída pelo ciumento é tendenciosa, uma vez que o livro contém diversas evidências criadas a fim de persuadir o leitor a crer que Capitu realmente o traiu.

Considerações Iniciais

Dom Casmurro, de Machado de Assis, pode ser considerado um dos romances mais famosos da Literatura Brasileira. É uma obra dividida em 148 capítulos, narrada em primeira pessoa pelo personagem Bento Santiago, que relata a história de sua própria vida, como se fosse uma biografia de um homem solitário, que não se desprende do passado.

O livro foi Publicado pela primeira vez em 1899, sendo considerado uma das grandes obras de Machado de Assis se estendendo sobre toda a sociedade brasileira, a realidade é retratada através da vida de Bentinho, no Rio de Janeiro do segundo reinado (1840 – 1889) e conta sua trajetória desde a infância, adolescência, seminário, estudos até o casamento.  A obra é instigante gira em torno do ciúme de Bentinho por sua esposa Capitu, abordada com brilhantismo no livro, provoca polêmicas em torno do caráter de uma das principais personagens femininas da literatura brasileira, Capitu.

A narrativa é em primeira pessoa o que permite manter questões sem elucidação até o final, já que a história conta apenas com a perspectiva subjetiva de Bentinho, ou seja, toda a trama gira em torno das percepções de Bentinho, todo o ciúme que ele sente por Capitu, faz com que ele fique transtornado. Desse modo, não há registros reais que comprovem um suposto adultério, e o único olhar que o leitor tem sobre a história é segundo os sentimentos obsessivos e inventivos de narrador-personagem, não sabendo a percepção de Capitu sobre os acontecimentos. Segundo Santiago os críticos estavam interessados em buscar a verdade sobre Capitu ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a única verdade é a de Dom Casmurro (2000, p.30). O grande enigma da obra está na dúvida em relação ao adultério de Capitu com Escobar, seu melhor amigo do seminário.

No livro não há nenhuma cena que o comprove o adultério, no entanto, Bentinho relata inúmeros episódios, marcando a obra pela desconfiança com que o leitor vai se enredando ou se desvencilhando das próprias interpretações oferecidas pelo narrador, haja vista, que Bentinho vai convencendo o leitor de que sua esposa lhe traiu.  Para Santiago, a qualidade essencial de Machado como escritor reside na “busca, lenta e medida do esforço criador em favor de uma profundidade que não é criada pelo talento inato, mas pelo exercício consciente e duplo, da imaginação e dos meios de expressão de que dispõe todo e qualquer romancista” (2000, p. 28).  O “fingere” na obra machadiana esta presente nas persuasões de Bentinho, o fingimento do narrador para assim convencer o leitor da suposta traição.

Bentinho tinha muita imaginação, registrada em toda a obra; segundo o narrador, “A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar” (Assis, 2008, p. 177). A intenção do narrador era fazer o leitor se deixar influenciar, “Também se goza por influição dos lábios que narram” (Assis, 2008, p. 138). O narrador é sincrético e cumpre, ao mesmo tempo, o papel de vítima, fazendo com que Capitu seja a vilã da história a traidora e dissimulada. Apesar de o romance não registre nenhuma prova de que ela tenha de fato cometido o adultério, o narrador do romance tenta persuadir o leitor de que isso realmente aconteceu. Para Santiago, “a obra de machado de Assis como um todo é coerentemente organizada” (2000, p. 27).

Na obra há uma busca da verdade, isto é, do verossímil, para Santiago “a verossimilhança, que, percorrendo o discurso de uma extremidade a outra, constitui a totalidade da arte oratória” (Santiago, 2000, p.43). Na obra, Dom Casmurro narra a versão de sua própria historia e restaura na velhice, os momentos vividos na adolescência ao lado de seu grande amor Capitu, menina que seduzia com seus olhos de ressaca.   Machado de  Assis escritor único com a publicação da obra “Dom Casmurro”, recebeu muitas de críticas de vários estudiosos. Segundo Zilberman:

A maturidade da obra de Machado e a institucionalização da crítica proporcionaram muitas leituras e debates sobre a obra do autor. É a partir desse momento que começavam a encarar “a literatura como objeto elevado, e não mero passatempo”.  o fato da crítica só ter meios de interpretar Machado quando a obra dele ia avançada repercute sobre o modo de a encarar.  Também a circunstância de predominar o foco evolucionista, originário do positivismo, teve efeitos determinados e ainda dominante na recepção daquele escritor (ZILBERMAN, 1989, p. 89, 90).

Em Dom Casmurro, Machado de Assis faz uso de uma comunicação direta com o leitor, ele conduz o mesmo a acreditar em seus preceitos Santiago afirma que “O romance de Machado é antes de tudo um romance ético, onde pede, se exige a reflexão do leitor sobre o todo. (2000,p. 30). Para Antônio Cândido:

Dentro do universo machadiano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói sua casa e a sua vida. (2004, p.23)

 

Sendo assim, a obra de Machado de Assis é dividida em duas partes a fase romântica, que retrata o início do namoro dos dois, e a fase realista, esta após o casamento é uma fase amarga, Bento desempenha o papel de homem patriarcal, assume o comando do relacionamento afetivo, levando-o à destruição de sua família.

Interpretação canônica

Durante muito tempo acreditou-se, por muitos críticos, que o tema principal da obra Dom Casmurro era a traição de Capitu. É considerada uma das questões mais misteriosas da literatura: enfim, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Existem diversas interpretações da obra, segundo alguns autores há indícios da traição de Capitu e para outros não há, mas concordam que a traição é o foco principal da obra. Havendo assim uma discussão acerca do caráter das personagens para provar se houve ou não a traição. Para Érico Veríssimo:

É o caso de um homem inteligente, sem dúvida, mas simples, que desde rapazinho se deixa iludir pela moça que ainda menina amara, que o enfeitiçara com a sua faceirice calculada, com a sua profunda ciência congênita de dissimulação, a quem ele se dera com todo ardor compatível com o seu temperamento pacato. Ela o enganara com o seu melhor amigo, também um velho amigo de infância, também um dissimulado, sem que ele jamais o percebesse ou desconfiasse. Somente o veio a descobrir quando lhe morre num desastre o amigo querido e deplorado. Um olhar lançado pela mulher ao cadáver, aquele mesmo olhar que trazia “não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”, o mesmo olhar que outrora o arrastara e prendera a ele e que ela agora lança ao morto, lhe revela a infidelidade dos dois. (VERÍSSIMO, 1981, p. 286).

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