Dobrando o Mundo - Ptolomeu Revivido e Revisto
Por Julio Cesar Souza Santos | 29/10/2016 | SociedadeComo os Europeus Descobriram Novas Rotas Para Várias Partes da Terra? Qual Foi a Maneira Encontrada Por Eles Para Irem da Ponta Oriental Até Rio Nilo e ao Egito? Como Chegar à Ásia Por Mar, Partindo dos Países Mediterrâneos?
O bloqueio das rotas terrestres redundou numa dádiva do Céu, pois impelidos por novos caminhos marítimos, os europeus descobriram rotas para toda a parte. A ciência cartográfica começou a florescer no mar e, essa necessidade, desviou o interesse dos geógrafos do atacado para o varejo. Sendo assim, a geografia cristã se tornou um empreendimento cósmico, muito mais interessado em todos os lugares do que em qualquer lugar, mais preocupado com a Fé do que os fatos.
O marinheiro que não encontrava muita ajuda na “caixinha perfeita” do Universo precisava conhecer a exata localização de rochedos, bancos de areia pertos dos portos de Atenas ou Roma e saber encontrar o caminho livre entre as pequenas ilhas do Mar Adriático. Durante o interregno do conhecimento geográfico europeu, marinheiros e viajantes foram acumulando informações a respeito do Mediterrâneo as quais lhes facilitariam o caminho e tornariam a passagem mais segura e mais rápida.
No século V a. C. marinheiros do Mediterrâneo anotavam as suas experiências de marcos terrestres, características costeiras e outros fatos úteis. Essas anotações se chamavam “périplo” (“navegar à volta”) e nós chamamos de “guia da costa”. O mais antigo desses périplos foi feito por Scylax, onde as suas instruções de navegação descrevem os perigos do Mediterrâneo; isto é, a melhor maneira de ir da ponta oriental até a boca do Nilo, no Egito ou às Colunas de Hércules em Gibraltar.
Decorreriam muitos séculos antes de os marinheiros serem letrados e, até lá, não houve mercado para um texto escrito. No entanto, era difícil fornecer uma imagem útil da costa marítima, porque a cartografia continuava primitiva. A passagem mais curta e segura de um ponto para outro, além de ser um segredo profissional do marinheiro também era um segredo de Estado, pois constituía a oportunidade capaz de enriquecer uma cidade ou um império.
Portanto, não surpreende que os guias da costa manuscritos fossem poucos. Não chegou até nós nenhuma carta marítima de todo o período do século IV ao XIV. Nessa época de analfabetismo disseminado, os marinheiros transmitiam seu saber por via oral e, a partir de 1300, encontramos cartas marítimas do Mediterrâneo que proporcionaram pormenores úteis nos antigos périplos. Enquanto os guias antigos eram textos escritos que falavam das condições de navegação, os guias posteriores passaram a ser as cartas.
Estas cartas costeiras do Mediterrâneo são os primeiros e verdadeiros mapas, porque foram os primeiros a reproduzir uma parte considerável da superfície da Terra a partir de observações próximas que podemos chamar de “científicas”. Se tornaram conhecidas pelo seu nome italiano “portolanos” ou “guias de porto”.
Apesar da sua origem humilde os portolanos foram fonte das informações mais merecedoras de crédito que viria a encontrar-se nos atlas impressos, até meados do século XVI. Os pioneiros da cartografia moderna encontraram pouco que lhes fosse útil em todas as especulações de teólogos cristãos, mas aproveitaram muitas das verificações de marinheiros práticos. Em 1595, os portugueses – principais navegadores do Mundo – ainda se guiavam pelos contornos costeiros, pelas sugestões e pelos acautelamentos de marítimos que tinham compilado cartas marítimas dois séculos antes.
Esses profissionais posteriores – dotados de grande poder de observação – perdiam suas faculdades críticas quando se aventuravam em terra. Os guias costeiros ou deixavam o interior em branco ou salpicavam-no de boatos. Foi na orla marítima – onde os contornos da terra eram postos à prova pela experiência de todos os dias – que nasceram as verdades vivas da cartografia moderna.
Mas existiam ainda outras razões para que o mar fosse o viveiro das cartas científicas e precisas da Terra, pois os teólogos cristãos colocavam o Jardim do Éden no alto dos seus mapas. As Escrituras declaravam que existiam seis partes e, para esses teólogos, a Terra deveria ser composta de seis sétimos cobertos de terra e apenas um sétimo de água. Sendo assim, os mares seriam apenas um elemento menor no seu esquema e na Idade Média – e durante todos os séculos antes da imprensa – essas fontes se acumularam.
Chegar à Ásia por mar – partindo dos países mediterrâneos – significava trocar o mar fechado pelo mar aberto. As viagens mediterrâneas eram constituídas por navegação costeira, o que significava depender da experiência pessoal desses lugares específicos como ventos, correntes, pontos de referência terrestres e silhuetas de montanhas.
Para além das Colunas de Hércules encontravam-se problemas novos. Quando os navegadores portugueses avançaram para sul pela costa da África abaixo, eles deixaram para trás suas referências terrestres familiares e, quanto mais desciam, mais eles se afastavam dos pormenores tranquilizadores. Não havia experiência acumulada nem guias práticos.
Quando uma costa marítima era pouco conhecida, os habitantes eram hostis e os perigos pouco assinalados nas cartas, a latitude era a melhor – e algumas vezes – a forma de definir a posição de um navio e, por isso mesmo, os navegantes tinham de aprender a determiná-la. Ao princípio, sabiam calculá-la pela altitude da Estrela Polar, mas à medida que avançavam para o sul, ela descia e eles tinham de utilizar tabelas de declinação com um astrolábio marítimo ou um quadrante, a fim de observarem a altitude do Sol ao meio-dia.
Mas, no início do século XVI as cartas marítimas começaram a apresentar escalas de latitude e, gradualmente, inúmeros pontos da costa africana ficaram com a sua latitude definida. Esses auxiliares de navegação fomentaram a navegação para sul e norte, mas como vimos anteriormente, a definição da longitude para medir distâncias leste-oeste seria muito mais complicada. Os marinheiros continuavam dependendo daquilo que poderíamos chamar de “cálculo de olho”; ou seja, calculavam a posição sem observação astronômica, avaliavam a distância viajada a partir de uma posição previamente determinada.
O mapa cristão T-O de pouco servia aos europeus que procuravam uma passagem para o Oriente (Índias). Os soberanos europeus e os patrocinadores tiveram de trocar o ponto de vista teológico pelo dos navegadores marítimos e, dessa forma, Jerusalém não ficaria mais situada no centro, o Jardim do Éden foi relegado a outro mundo e, no lugar de ambos, apareceu a Geometria da latitude e da longitude.
Aqui entrou o grande Ptolomeu e foi precisamente nessa altura, quando a cortina da terra caiu através das rotas terrestres europeias para o Oriente, que a Geografia de Ptolomeu foi reavivada para reformar o pensamento dos cristãos europeus. Se existe uma relação entre esses acontecimentos, não sabemos; mas, a coincidência foi fecundada para o futuro do Mundo.
Quando recomeçaram as perseguições aos Judeus em Aragão, o filho de Abraham Jehuda foi obrigado a emigrar e, aceitando o convite do Infante Dom Henrique (o Navegador), refugiou-se em Portugal, onde ajudou os Portugueses a elaborar os mapas e as cartas para suas jornadas ultramarinas.
Não foi por acaso que os Judeus desempenharam papel importante na libertação dos europeus da escravatura da geografia cristã. Empurrados de lugar para lugar ajudaram a transformar a Cartografia, oferecendo fatos válidos em terras de todas as fés. Marginais para os cristãos e muçulmanos, os Judeus se tornaram professores e emissários e trouxeram o saber árabe para o Mundo cristão.
O atlas catalão tinha o objetivo proporcionar um mapa-múndi; isto é, uma imagem do mundo, das regiões da Terra e das várias espécies que a habitam. Ele expressava os interesses dos navegantes europeus da idade da terra que se aproximava do fim.
A extensão leste-oeste – que era o centro do seu mundo – era representada em 12 folhas montadas em tábuas que se fechavam como um biombo. Esses mapas não mostravam a Europa setentrional, a Ásia setentrional e a África meridional, mas mostrava o Oriente e o pouco que se conhecia do Oceano ocidental. Em contraste com os mapas cristãos eram um triunfo do empirismo.
Por mais primitivo que possa parecer aos olhos modernos, o atlas catalão foi uma obra-prima do espírito empírico, pois muitos dados que constavam nos mapas durante todos os séculos cristãos estavam omitidos. O maior gesto de domínio do cartógrafo era deixar partes da Terra em branco e, fiel ao espírito portulano, o atlas catalão deixa de escrever vastas regiões do Norte e do Sul.
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