Do Útero de Deus ao Ventre Materno.
Por Fábio Cardoso Lopes | 20/04/2009 | Psicologia
No Paraíso Terrestre ou Jardim de Éden, Adão e Eva a priori desfrutavam da beatitude e retidão, pois estavam acastelados ou acautelados, enquanto imersos no útero de Deus. A inteireza divina e áulica abarcava suas almas, oriundas da tutela do abrigo da santíssima providência. Eram seres apascentados pelo princípio do prazer, ou seja, viviam em plena consonância com a desmesurada manifestação idílica de seus desejos e presentânea satisfação de necessidades ou instintos.
Conquanto, tudo o que desejavam encontrava-se ao seu alcance, haja vista, sua existência era imbuída da perfeição, pois desconheciam (atinente a sua necedade exacerbada) o bem e o mal, assim como a frustração, a qual de uma forma trivial e primária seria o iminente embate antagônico entre duas forças paradoxais - o princípio do prazer e o princípio da realidade – ou seja, o estado do indivíduo que perante a ausência de um objeto extrínseco ou intrínseco, lhe é privado a satisfação de um desejo ou necessidade, os quais seriam ontológicos, inerentes e constituintes estruturais psíquicos a todos os seres humanos.
A prole divina vivia em um quadrante ameno, um recôndito rincão, benquistos pela beatitude suprema, proferiam a lisura e sublimidade do gozo sobrecelestial. Todavia, não imaginavam qualquer forma de martírio ou calvário, existiam como arautos ou paracletos da benevolência do Criador, insertos a ermo no aprazível útero divino. Sua noção de finitude repousava acerca da benevolência divina, isto é, sabiam que eram seres imortais, equável ao seu Pai criador e, por conseguinte, não conheciam a morte, sua representação, ou significado, desde que, vivessem em conformidade com as premissas morais do Criador, nesse caso, nunca seriam expulsos do Paraíso e viveriam para sempre, sem experienciar a dor e o sofrimento.
A primitiva habitação do homem abrangia peculiaridades como o desvelo despendido ao Jardim plantado pelo Criador no intuito do cultivo e zelo pelo fruto da criação (Adão e Eva). A ordenança dada por Deus seria a de que o Homem podia comer os frutos oriundos de todas as árvores do jardim, exceto os da árvore do conhecimento do que é bom e do que é mal. Ao desobedecer esta ordenança e comer esse fruto proibido, Adão e Eva eventualmente ficam a conhecer o bem e o mal, e do pecado nasceu a vergonha e o reconhecimento de estarem nus. Em decorrência da desobediência, Deus expulsa o homem do jardim e, este sujeito se percebe como indivíduo mortal. O Jardim do Éden, a sua localização e a tentativa de reencontrar a felicidade perdida após a expulsão, bem como, o anseio do retorno ao útero, constituem o desejo primevo do ser-desejante (homem).
O ser humano possui uma forma análoga de nascença e existência embrionária ou fetal coadunada e, precedente ao nascimento no Paraíso Terrestre ou Jardim de Éden. Nessa amálgama o ventre materno é similitudinário ao útero divino, no que tange ao lócus escudado e tutelado pelas condições estruturais biológico-orgânicas, provenientes da espécie mamífera. Destarte, o indivíduo existe em um sucinto período de nove meses, deleitado pelo princípio do prazer, como se estivesse embebedado e inebriado pelo abrigo maternal. Todas as carências de que o feto necessita para sobreviver lhe são fornecidas pelo cordão umbilical, sem esforço, contudo, concernente, aos seus instintos para a sobrevivência e prazer, os quais são prontamente atendidos por uma imbricada rede biológico-orgânica, procedente da raça humana.
Entrementes, esse ser desconhece a frustração ou qualquer gênero de desprazer, ao passo em que vive atolado em sua placenta protetora, cujo escopo, é sanar todas as categorias de necessidades advindas de sua condição frágil de desenvolvimento. A relação umbilical com sua progenitora assemelha-se aos cuidados genealógicos da fábula bíblica do paraíso, ou seja, existe uma entidade superior provedora das necessidades, instintos e desejos para a sobrevivência do ser humano. Neste ínterim análogo, dentre o útero divino e sua proteção despendida e imbuída de um amor maternal com os personagens da narrativa bíblica, podemos traçar um paralelo com o ventre materno e sua função primeva no desenvolvimento orgânico/biológico do ente humano.
A raça humana em sua gênese possui a completude para sua existência, desde que, seus instintos e necessidades basais sejam satisfeitos, porém, com o advento do desenvolvimento genótipo atrelado às influências do fenótipo, o homem torna-se um ser fragmentado e dependente, visto que, se depara com o fim de sua existência, ao se atremar ou atinar com a certeza crucial de sua morte, passando toda sua vida proscrito ao martírio de seu fenecimento inevitável, sofrendo pelo desconforto da incerteza do momento do augúrio final. Portanto, o homem procura em outros entes humanos, semelhanças de sofrimento e dor, as quais atenuam seu escarmento e lhe caracterizam como homem, pertencente a uma espécie, podendo apaziguar sua angústia perante o desconhecido e, consequentemente, fornecer um lugar ou uma inscrição social.
Diante desses sentimentos difusos, a condição do homem alude a um esvaziamento do ser enquanto indivíduo, ou entidade humana dotada da razão, nesse caso, esse ser somente se reconhece no estadio tardio, com a vida vazia do outro, a qual parece lhe representar algum sentido e significado para sua própria existência e essência.
Esse sentido ou significado para o homem nascer completo e tornar-se incompleto, é a instauração da falta medular e crucial, desinente do contato prisco ou primitivo com a imago maternal ou, no caso da parecença com a imagem celestial apregoada pela narrativa bíblica. A primeira entidade que configura o reconhecimento do humano, enquanto espécie semelhante, mas também, e, principalmente, como um ser imbuído do pecado e dependente do “outro” por toda sua existência, o que engendra uma relação de sujeição, submissão e servidão ao desejo, que supostamente, possa suprir as lacunas deixadas pela falta inicial ou pecado original.
É nesse imbróglio e confluência da falta de significado ou respostas exatas, que tanto os personagens bíblicos, quando expelidos e expurgados do Paraíso celestial, como os meros mortais ao nascerem e tornarem membros de uma comunidade cultural deparam-se com a finitude da vida, atinente a certeza inefável da morte, a qual todo ser vivo está submetido, exposto e condenado.
A frustração de Adão e Eva, por conseguinte, a expulsão do paraíso, é análoga ao ato de expelir do nascituro por sua progenitora, isto é, ao nascer e assimilar a cultura de sua sociedade, o homem conhece a frustração de sua existência finita e percebe-se como um ser vazio, um ávido animal impelido a sanar sua dor de desejar o indesejável, ansiando pelo prazer efêmero e fugaz em sua eterna busca cíclica pela satisfação de um sentimento de completude único, o qual nunca será real, pois é apenas uma repetição de um protótipo idílico idealizado ou uma fixação em uma imago infantil que tende a se repetir.