DO TEXTO TRIVIAL...

Por Ary Carlos Moura Cardoso | 25/01/2009 | Literatura

A Literatura esclarece, alarga e valoriza a nossa experiência de mundo.

Leyla Perrone-Moisés

Há um tipo de produção literária que não pode ser classificada: Literatura. Ela, no fundo, serve como tentativa de aniquilação desta. Verdade, que, às vezes, o fenômeno se manifesta de maneira inconsciente ou até ingênua. Entretanto, amiúde, é caso pensado, adrede trabalhado. Refiro-me ao que conhecemos por "texto trivial".

A trivialidade não ocorre apenas em termos de linguagem ou pelos bosques teóricos. Acima de tudo, é deslavado simulacro da arte maior, encenando rituais doentios, velando artimanhas ideologizantes. Sua capacidade de sedução é incontestável, posto apelar sempre aos variáveis desejos e preconceitos massificantes. O salto para estereótipos e caricaturas é crucial na formação das imagens, das personagens. Vícios, taras, neuroses, em nome da mímesis, são elevados à categoria de virtudes públicas.

Na obra trivial, as engrenagens textuais escamoteiam os gestos significativos presentes nas sociedades, instituindo uma espécie de corrupção semântica marcada, claro, por dizeres que silenciam, que parecem combater os fetiches, os encapotamentos, mas não existe horizonte nenhum. Se de um lado, nos deparamos com arquétipos socializadores pregando a salvação humana através de reconstruções das estruturas vigentes; do outro, espalham-se ideologias capitalistas advogando que o egoísmo é o motor real da história, desde que atentemos para as chamadas "compensações recíprocas". Em ambos, sem dúvida, forjam-se mentalidades rasteiras, de rebanhos.

Nesta estrutura (trivial), um mesmo esquema se repete como ladainha alienante buscando manter tudo como está. No dizer de Flávio Kothe, é o ópio de nosso tempo. Institucionaliza-se a meia-verdade, exercita-se a falência do raciocínio. Em nome da arte, toleramos barbáries, regressões, manifestações de baixos instintos e aplaudimos essas ondas "superiores de aparências".

Trivialidade criativa não é paradoxo. Aliás, como a propaganda, ela precisa deste engenho para se mostrar "extraordinária", para persuadir. Em cada lance, você poderá encontrar o paraíso, o gozo, a felicidade, a esperteza. Não é à toa que toda obra trivial parece maior, mais íntima, mais representativa.

Portanto, o texto pelo texto, a forma pela forma, o texto transformado em discurso, o texto ideológico, o texto sentimentalóide, o texto preconceituoso, o texto que se movimenta na superficialidade a fim de preservar a situação vigente, o texto "esperto", o texto que só apresenta o previsto, o texto cujos heróis são os predeterminados, o texto construído a partir do que convém à classe dominante, o texto que confunde local com universal e momentâneo com eterno, outra coisa não pode ser senão um amontoado de trivialidades.

Ary Carlos Moura Cardoso

Mestre em Literatura pela UnB

Professor da UFT