DO QUILOMBO AOS QUILOMBOLAS. UMA HISTÓRIA DE IDENTIFICAÇÃO COMO SUJEITO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA SEM PERDER AS RAÍZES.

Por EDUARDO MACIEL NETO | 09/02/2018 | Psicologia

Eduardo Maciel Neto ¹; David Carlos Fernandes². Graduando em Bacharel no curso de
Psicologia¹; Graduando em Bacharel no curso de Psicologia². Autor¹; Co-autor²

INTRODUÇÃO

Falar do povo quilombola é projetar uma história marcada por lutas e resistências. Estudos revelam que existem mais de 5.000 (cinco) mil territórios quilombolas espalhados pelo Brasil. Quando nos questionamos acerca da localização exata desses espaços, é algo a se pensar o porquê de muitos territórios estarem em locais pouco conhecidos, ou até mesmo, a não identificação das próprias pessoas com a etnia quilombola. Por isso a Cartografia possui muita importância no planejamento embasado na territorialização para possíveis intervenções da Psicologia

Segundo descreve Anjos et al. (1989, p. 22):

A geografia é a ciência do território e este componente básico continua sendo o melhor instrumento de observação do que aconteceu, porque apresenta as marcas de historicidade espacial, do que está acontecendo, porque, tem registrado os agentes que atuam na configuração geográfica atual, e do que pode acontecer, porque é possível capturar as linhas de forças da dinâmica territorial e apontar as possibilidades de estrutura do espaço no futuro próximo.

A África teve importante papel de formação da população e na ocupação do território brasileiro. Antigos quilombolas, formados ainda no século XVI, hoje tornam uma outro olhar, uma outra dimensão e reforçam a presença negra no Brasil. Ao falar da origem dos quilombos temos que falar de um Brasil múltiplo, que secularmente convivemos, ou seja, o Brasil incluído e o Brasil excluído. Os quilombos fazem parte de um Brasil que em decorrência de sua história marcada por conflitos, se encontra excluído, como também sem muita visibilidade. É importante ressaltar que muitos de nós brasileiros ainda tratamos os quilombos como passado.

Segundo Almeida (2002):

Estamos diante de representações da realidade, na medida em que os seres humanos constroem símbolos e significados sobre si próprios e sobre o mundo. Nesse caminho, o próprio ser individual, o que cada um é aparece como uma ideia, uma categoria ideológica, uma representação social.

Durante o período colonial brasileiro, os quilombos se equiparavam a estados independentes, ou seja, do estado oficial da época, ou porque não dizer uma pedra no sapato no sistema político e econômico que funcionava. Os quilombos têm em sua bagagem essa memória e esse registro marcado na formação do território brasileiro, na sociedade brasileira, ainda o consideram como algo passado. Podemos considerar como recente a estruturação de um sistema de governo mais acessível aos povos, ou seja, os quilombos como algo verdadeiro dentro da cultura brasileira.

Segundo Manoela Carneiro da Cunha (1987) a identidade é constituída na luta e na escassez, e é este um dos fatores que unifica o quilombo rural e o quilombo urbano, por exemplo.

O mesmo autor afirma que:

A cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou em situações de intenso contato, não se perde ou se funde simplesmente, mas adquire uma nova função, enquanto se torna cultura de contraste: este novo princípio que a subentende, a do contraste, determina vários processos. A escolha dos tipos de traços culturais que irão garantir a distinção do grupo enquanto tal depende dos outros grupos em presença e da sociedade em que se achem inseridos. (CUNHA , 1987, p. 24)

O surgimento cultural quilombola no Brasil, provém de uma época muito anterior ao século XVII. Nos séculos XV e XVI, os fluxos dos deslocamentos do povo africano, na costa ocidental Africana para a costa brasileira, se tivermos uma observação ao mapa global, notaremos que a costa brasileira se encaixa perfeitamente a costa africana (Pangeia). O Brasil tem ao longo dos séculos uma maior condição numérica de população em relação aos outros países sul-americanos. Aqui no Brasil foi reconstituído o que já existia na África para certamente sair do sistema escravista, por que não dizer opressor. Essa referência básica nos direciona a um questionamento acerca da história brasileira: por que existem tantos quilombos no território brasileiro?

METODOLOGIA

O embasamento teórico para a produção desse trabalho segue um modelo de pesquisa bibliográfica. A unidade pesquisada se desdobra acerca da significação dos quilombos e a importância da identidade do povo quilombola na história e em sua essência diante das mudanças culturais no Brasil. Tal formato de pesquisa se deve a um aprofundamento na temática e entender um pouco mais da realidade do povo quilombola. Portanto, objetivamos um levantamento para tentar entender uma realidade que nos aproxima cada vez mais de uma cultura que muitas vezes não é percebida.

A pesquisa busca adentrar em todos os espaços desse contexto, observando atentamente a dinâmica de identificação como sujeito quilombola até a identificação como ser social na educação, religiosidade e valores.

A pesquisa por artigos científicos nessa temática é deficiente pelo pouco número de artigos disponíveis. Uma alternativa valiosa que nos deu um grande arcabouço de informações foi o uso de livros sobre o tema. Um exemplo de fonte de informação, o livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, que foi um dos meios mais utilizados para tentar encontrar ideias para a produção desse artigo.

É importante destacar os recortes de alguns textos encontrados de outros livros que deram mais embasamento no que foi apresentado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A questão da fundamentação da educação no Brasil ela se estabelece em ordem problemática, ou seja, nós temos alguns séculos de atraso em relação a educação. Os questionamentos como: quem são? De onde vieram? Onde estão? Que espaços ocupam? A educação quilombola, em sua comunidade, o jovem tende a migrar muito cedo, ou seja, se desloca para a cidade grande, em busca de ensino, em busca de trabalho, em busca da sedução dos meios tecnológicos que por muitas vezes não possuem, etc. Ao chegar no meio urbano o que eles encontram? Preconceitos, espaços para trabalhar de maneira periférica, e isso é um problema. A educação quilombola é sim um ponto estrutural para ajudar na contenção da juventude e da manutenção das identidades dos quilombos.

Segundo Nunes (2006):

 

É na lógica de relação de coletivo, de concepção de escrita para além de uma formação letrada, porque se fala de um lugar – o quilombo – para além de um espaço físico, que aqui nos subscrevemos para refletir sobre a educação e as relações raciais, tendo em vista crianças, adolescentes e jovens pertencentes às comunidades de quilombos. (Nunes, 2006, p.39).

É possível que exista a descaracterização se levarmos em consideração a aproximação ao meio urbano. O processo de aculturação pode existir sempre que houver espaços de socialização e interação entre pessoas. O ritmo de um contexto é de certa forma diferente do outro, o comércio, a mídia, os processos de burocratização, ainda sim o acesso à própria escola de ensino fundamental e médio. O próprio acesso as comunidades se torna difícil em muitos lugares no Brasil pela falta de estrutura nos acessos.

Na cultura, especificamente na internalização do sujeito como quilombola, a oralização é um processo tradicional entre gerações. Podemos também retratar as memórias, mas não no sentido de algo estático, mas poder ouvir o que este público tem a dizer sobre seus ideais. É expressão daquilo que se tem de mais íntimo dentro de uma ideologia. Essas histórias enriquecem nossa cultura na dimensão do “diferente” mas não distinto de nossas raízes.

Segundo Forquim (1993), ele afirma:

Quer se tome a palavra “educação” no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de “conteúdo da educação” (Forquim,1993, p.10).

Na disseminação da cultura, se atentarmos para os documentos que registram os deslocamentos da matriz africana no Brasil, podemos perceber que em algumas localidades do país existem práticas culturais vivas. Portanto temos referências, como raízes culturais no sentido amplo como alimentação, religiosidade, de habitação, de curas, de falas ou línguas e etc. Quando falamos das expressões como Maracatu, Capoeira, o Candomblé, estamos falando de raízes culturais. Essas raízes se adequaram aqui e sobreviveram a muitas perseguições.

Ser quilombola é ser diferente por fazer a diferença e não no sentido de separação propriamente dita. É assumir suas raízes, é assumir a sua cultura como base de identificação. É também ser brasileiro que ajudou a construir essa riqueza e por muitas vezes não pode usufruir dela.

Mesmo com culturas diferentes, os problemas vividos pelos quilombos são muito parecidos. É o caso da comunidade do Rio dos Macacos que fica a poucos quilômetros de Salvador, capital da Bahia, onde a luta pela terra e pelo reconhecimento do território tem causado muitos conflitos de demarcações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando olhamos o papel do negro na sociedade nós temos uma tendência a olhar esses irmãos afrodescendentes, como seres inferiorizados pela própria sociedade, podemos considerar isto como um total equívoco, pois é preciso conhecer a história como um todo e compreender nossas raízes.

Como define Almeida (2002):

No momento atual, para entender o significado de um quilombo e compreender o sentido dessa mobilização que está ocorrendo, é preciso compreender como historicamente esses agentes sociais se colocaram perante aos seus antagonistas, bem como entender suas lógicas, suas estratégias de sobrevivência e como eles estão se colocando hoje ou como estão se autodefinindo, desenvolvendo suas práticas de interlocução. (ALMEIDA, 2002,P. 68-69)

As comunidades africanas têm influência no mundo pela sua cultura. Neste sentido, a identidade vai muito mais além do que um simples indivíduo, e sim como protagonista da história. E isso é um grande diferenciada educação como um todo. Hoje, para além da luta dos movimentos quilombolas, existe uma Resolução (Lei 10.639/03) que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

No que diz respeito a essa implementação, é sempre importante destacar que por mais que a gente focalize a legislação pelo caráter afirmativo, ou seja, como proposta, estamos também falando de Lei de Diretrizes que fundamentam um processo de crescimento na educação do povo brasileiro.

Pelo longo da história de luta e revindicação da educação escolar quilombola por todas as comunidades brasileiras, já era tempo do Ministério da educação, e do Conselho Nacional de Educação, reconhecer que além da educação escolar indígena, educação do campo, profissional, como também, educação especial, foi se constituindo uma nova oportunidade como modalidade para a educação que é a educação escolar quilombola.

É importante que saibamos que as mudanças que ocorrem no país em termos de avanços tecnológicos na educação, fomenta ainda mais uma atenção as comunidades quilombolas que mal tem acesso aos locais de ensino. Estamos diante de uma nova configuração como modalidade na educação.

Segundo Nunes (2006), ele cita:

Uma concepção de educação e aquisição de conhecimentos que vá ao encontro dos interesses emancipatórios que as comunidades quilombolas vem construindo desde o período escravista requer a promoção de uma leitura de mundo que dê ênfase a sua trajetória histórica, como lembrança viva de que o tempo não esvaece a disposição para a transformação. Ser quilombola é estar sempre com as armas da perseverança, sabedoria e solidariedade coletiva (Nunes, 2006, p.149).

Com um conhecimento mais vivo, direcionado para sua realidade, com a objetivação de pertinência social, pessoal, e coletivo. Quando o aluno quilombola tem a possibilidade de conhecer o seu contexto histórico e cultural, possibilitamos o reconhecimento que ele, o aluno, vai legitimar o seu saber histórico. E por que não dizer sua própria autoestima ou identidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. W. B. de. Os quilombos e as novas etnias. In: E. C. O’Dwyer. Quilombos: identidade étnica e territorialidade. São Paulo: ABA/FGV, 2002.

CUNHA, M C. Antropologia do Brasil. Mito. História. Etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1987.

FORQUIN, Jean-Claude. Cultura e Escola: as bases sócias e epistemológicas do conhecimento escolar: tradução, Guacira Lopes Louro. -Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

NUNES, Georgina Helena. Educação Quilombola- Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico- Raciais- Brasília, 2006.