DO MITO DA CAVERNA A EDUCAÇÃO DO BRASIL: O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL
Por JEOVANE SOARES RODRIGUES | 28/06/2015 | EducaçãoDO MITO DA CAVERNA A EDUCAÇÃO DO BRASIL: O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL
Jeovane Soares Rodrigues*
A conhecida alegoria da caverna criada por Platão, ou ainda, mais popularmente o conhecido como mito da caverna é, incontestavelmente, uma das passagens clássicas da história da Filosofia, conhecida pelos que não possuem vasto conhecimento e muito analisada pelos filósofos mais renomados. Integra o livro VI de “A República” obra em que Platão a teoria do conhecimento, questões sobre a linguagem e sobre a educação e sua importância para a formação do Estado ou ainda como ele mesmo apresenta na obra a formação do Estado ideal. Se traduz em um modo indireto de representar uma coisa ou uma ideia, a alegoria, que pela especificação apurada de João Adolfo Hansen1 “ (grego allós = outro; agourein = falar) diz b para significar a. Para configurar-se a alegoria não, não necessariamente, precisa ser expressa no texto escrito,
pode dirigir-se aos olhos e, com frequência, encontra-se
na pintura, escultura ou noutras formas de linguagem2. Hoje vivemos outro momento. A configuração do século XXI, coloca em xeque a ideia da metáfora e do implícito. Não há algo para aludir ou se fazer inferência e sim a comprovação da imagem. Eis o que leva a desuso a elaboração da alegoria, o requinte da metáfora que sugere conhecimento prévio para a compreensão, é rendido em detrimento da supervalorização que o mundo moderno atribui a foto, aos enormes outdoors diversos, as imagens da internet que são analisadas e “compartilhadas”. Não se pode esquecer das imagens que nos mostram a mídia: novela, cinema, televisão entre outros, afinal, estamos na era da imagem, como afirma Josefina Ludmer3. Entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, a filosofia grega, que é a própria filosofia em si4, suscita o olhar para que se volte a origem e as causas das ações humanas e do próprio pensamento. De modo que é pertinente refletir sobre o que a alegoria da caverna mostra e que relação com seus significados se deseja estabelecer. _________________________
1 Professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo – USP. Estudou a alegoria distinguindo a alegoria greco-romana (de natureza essencialmente linguística, não obstante o anacronismo) da alegoria cristã, também chamada de hexegese religiosa (na qual eventos, personagens e fatos históricos passam também a ser interpretados alegoricamente). Autor da obra
Alegoria – construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra; Campinas: Unicamp, 2006.
2 http://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria
3 Escritora nascida na cidade de San Francisco, na província de Córdoba, na Argentina. É professora atuante na área de Letras na Universidade de Rosário
– Argentina. São publicados por ela Cien años de soledad, una
interpretación (1972); Procesos de Construcción del Relato (1977) y El género
gauchesco. Un tratado sobre la patria (1988).
4 Embora hajam outros segmentos de filosofia. “ Vejamos um exemplo. Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de oposições. O mundo, portanto, é feito da atividade masculina e da passividade feminina.” (Marilena Chaui - Convite à
Filosofia. Ed. Ática; São Paulo, 2000.) Mas antes de discorrer sobre o tão conhecido mito, apresentamos algumas considerações sobre quem foi Platão. Para contextualizar questões de Filosofia e propor quais relações encontramos sobre a educação atual brasileira e o mito da caverna. O conjunto mencionado: Mito da Caverna e Educação brasileira atual é configurado para nos fazer refletir sobre a vida, que é a centralidade da temática educação, ou seja a formação do cidadão, a visão de sociedade, enfim nos faz refletir sobre a vida. Platão, ao propor esse mito instiga a sociedade de sua época para refletir sobre a importância de se conscientizar sobre valores. Alerta para não atribuir valor apenas a bens materiais, mas prega a necessidade de se libertar do que lhes era imposto.
Mas e hoje, o que seria o “cavernismo”? Será que depois de tanto tempo a filosofia proposta nesse mito, pode acrescentar algo a hodierniddade?
Platão e a Filosofia Para contextualizar os pontos centrais da discussão, apresentamos suscintamente quem foi Platão. Nascido no ano 348-347 a.C, na cidade de Atenas, na Grécia, foi filósofo e matemático e com ajuda de Sócrates solidificou pilares da filosofia natural. Não só da filosofia, mas também da ciência e da filosofia ocidental. O fato de ter Sócrates como uma inspiração, se torna um escritor com base. Sua obra é entendida como socrática em decorrência de ser composta de trinta e cinco diálogos e treze cartas que são creditados a Sócrates. Ainda que haja dúvidas em relação a sua autoria. A interação de Platão com a filosofia se plenifica na configuração da filosofia em si que se resume na prática de análise, reflexão e crítica na busca do conhecimento do homem e do mundo. A dedicação do filósofo se constitui na sua dedicação, na investigação e no questionamento das questões humanas, de seu contemporâneo, do mundo com profundidade e rigor metodológico. Com a finalidade de refletir sobre a essência e a natureza do universo, do homem e de fatos, são feitas reflexões sobre questões de ética, políticas e muitos outros temas sempre a fim de buscar compreensão teórica de conceitos, como os de espaço, tempo e verdade. A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo derivase de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita. Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V antes de Cristo) a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.1 Partimos dessa reflexão para implantar o valor da filosofia aproximada dos projetos educacionais. O respeito pelo saber, além disso, o desejo de saber que define um filósofo, é muito importante para as aproximações que se deseja constituir neste texto. Em 387 a.C, Platão fundou a Academia, espaço configurado para uma escola de filosofia que atuava com a finalidade de recuperar e desenvolver as ideias e pensamentos socráticos. Sendo assim, Platão teve muito para contribuir, uma vez que, valorizava os métodos de debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento. A educação deveria dedicar esforços para o desenvolvimento intelectual e físico dos alunos. Aulas de retórica, debates, educação musical, geometria, astronomia e educação militar. Para os alunos de classes menos favorecidas, Platão dizia que deveriam buscar em trabalho a partir dos 13 anos de idade. Em relação a que se refere à educação da mulher, afirmava que a deveria haver condição de igualdade, ou seja, dizia que deveria ser a mesma educação aplicada aos homens. A escola é o exato espaço onde o saber e o desejo de saber precisa estar em harmonia. Para Platão, a filosofia é aplicação do saber, é a interação do aluno com o conhecimento de modo que os alunos deveriam descobrir as coisas superando os problemas impostos pela vida. O que prega e o que pensa em relação a educação é que ela deveria funcionar como forma e instrumento para desenvolver o homem moral. Dessa forma, há uma unicidade, uma equiparação do que pensamos como educação a essência da filosofia.
O Mito da Caverna Platão na obra intitulada A República, no livro VII, fala sobre o “mito” da caverna. Como já mencionado anteriormente, é no conhecido mito que ele usa uma alegoria para explicar suas teorias. O mito, suscintamente fala sobre uma caverna onde viviam pessoas acorrentadas de tal modo que eram forçadas a permanecerem ali sempre no mesmo lugar. Estas pessoas, desde a infância, assim viviam e dessa forma elas não podiam ver a entrada do lugar que viviam, dessa forma, o mundo para elas se restringia somente a enxergar o fundo da caverna. No interior da caverna existia uma fogueira que lhes possibilitavam ver as sombras das coisas que passavam atrás de suas costas. O mundo para eles se resumia naquela projeção de espectros. Até que um dos prisioneiros se libertou das correntes e enfrentou seus medos, afinal aquele que conseguisse se soltar das correntes poderia ver à luz do dia, mas primeiro tinha que se acostumar com a claridade, uma vez que ele tinha passado toda a sua vida na escuridão. Ao sair da caverna e começar a caminhar, estava dolorido pela imobilidade e completamente cego pela luz do dia. Descobriu cores, sensações, a perfeição de toda a criação e voltou para contar aos companheiros presos sua experiência. Ele desejava soltá-los, leva-los consigo para fora. O resultado foi que uns riram dele, outros tentam espancá-lo, lhe ameaçam outros lhe chamam de mentiroso e há quem deseje sair da caverna para conferir com seus próprios olhos. O mundo em que vivemos é a caverna hoje. Cada vez mais egoístas, somamos no planeta o número de 6 bilhões, porém, o individualismo restringe cada um a um mundo particular onde não cabe o outro. Não se enxerga nem se percebe o outro. Ao se referir a temática educação proferimos muitos discursos, estudos, pesquisas, avaliações, critérios, julgamentos, mas seguimos sem o mínimo, sem as palavras chaves e mágicas: com licença, por favor e obrigada2. _____________________________
1 Marilena Chauí - Convite à Filosofia. Ed. Ática; São Paulo, 2000.
2 Bráulio Tavares, Modos de ser brasileiro in Leituras Compartilhadas, ANO 6 Fascículo Especial - Leitura
Ampla - ANO 2 disponível em http://www.leiabrasil.org.br/pdf/revista_leitura_ampla2.pdf#page=15 Na configuração de Platão, há uma equiparação dos acorrentados a uma pessoa acomodada, sem ambições e aquele que se liberta é alguém que
deseja “mais”, ou seja, se libertar das correntes é ser capaz de buscar e de atingir o conhecimento, o que de fato exige esforço. Libertar-se da ignorância e preconceito, dos muitos julgamentos que uma sociedade impõe e ser capaz de passar por cima de muitas coisas para estar de fato livre e mais, voltar para libertar os demais. Nessa perspectiva é tudo muito filosófico, mas é na prática, o que aplicamos a nossa realidade? A reflexão sobre educação brasileira tem muito a se ater a prática, muito para se pensar e muito o quê se mudar. O contexto do mito da caverna no nosso cotidiano é o de que a educação, o desejo do saber, que refletimos no tópico anterior nesse texto, seja o efetivo ato de tirar os prisioneiros da caverna da submissão e agir de modo que o desejo do saber se concretize no desejo de explorar o mundo fora da caverna. Atribuir a culpa do que vivemos aos governantes sem cobrar nada deles, sofrer o sub julgo do fardo da luta de classes que se constitui sem tomar a iniciativa para fazer mudanças ou realizalas acreditando estar consciente de tudo, mas enxergando a realidade como espectros se privando de reais informações sem pesquisas, sem averiguações acreditando em tudo que nos diz a mídia de massa, enfim, sem se preocupar com qualidade. Qualidade de vida, de instrução, de educação entre outros. Um dos ensinamentos que podemos depreender é o de que precisamos olhar o mundo de outro modo, com outros olhos, afinal, que legado desejamos deixar para as futuras gerações e precisamos proceder de modo que no futuro possam ter uma educação de qualidade, mas o futuro, precisa ser construído já.