Do estrutural para o cultural

Por Renato Carvalho | 16/07/2010 | História

Do estrutural para o cultural


Renato de Carvalho

Resumo: O presente texto procurará apresentar a virada de perspectiva nos estudos históricos da esfera estrutural para o cultural emergidas nos fins da década de 60 e inicio de 70, como uma reação aos modelos dominantes incapazes de interpretar novos agentes sociais da sociedade.


Nos fins dos anos 60 e inicio dos 70 do século passado, a intitulada terceira geração dos Annales, também atribuída como Nova História (LE GOFF, 2006), promoveu uma reviravolta nos estudos históricos que culminou no direcionamento de analise do foco da base econômica, demográfica, para a superestrutura - para o estudo da cultura, da vida cotidiana, da vida privada, das mentalidades e representações, analise dos gestos, das crenças, as idéias, da família, os lazeres, as mulheres, as relações de poder nos mais diversos ambientes sociais, os marginais, o sexo, os loucos, a morte, o medo.

Em 1969 Braudel se aposentou, deixando em 1972 a presidência da 6º seção da École nas mãos de Jacques Le Goff, ao passo que (...) abriu-se, assim, o caminho para que a produção historiográfica francesa fosse "do porão ao sótão", metáfora usada para exprimir a mudança de preocupações da base socioeconômica ou da vida material para os processos mentais, a vida cotidiana e suas representações. (VAINFAS, 2005, p. 136).

Esta Nova história afasta-se dos grandes paradigmas explicativos (da realidade histórica) das ciências sociais ? tais quais como o marxismo e o estruturalismo. Esta quer produzir analises das estratégias, das negociações, das jogadas sociais. A terceira geração dos Annales ? (1969) a Historia, afetada pela presença de novas exigências e sensível às interrogações do presente, se associa a novas disciplinas: psicanálise, lingüística, literatura, semiótica, antropologia e entre outras. Esta última leva a história a se interessar pelos aspectos simbólicos e culturais da sociedade.
O que se verifica e o esgotamento das explicações oferecidas por modelos teóricos globalizantes, com tendências à totalidade, nos quais o historiador era refém da busca da verdade. Segundo Burke:
Nos anos 50 e 60, os historiadores econômicos e sociais foram atraídos por modelos mais ou menos deterministas de explicação histórica, tenham eles dado primazia aos fatores econômicos, como os marxistas, a geografia, com Braudel, ou os movimentos da população (como no caso do chamada "modelo malthusiano" de mudança social.(BURKE, 1992, p. 32)

Essas explicações globais, por sua incapacidade de interpretar novos agentes históricos, passaram, portanto, a ser questionadas. Esta renovação do conceito permitiu também a renovação dos objetos de pesquisa e a valorização de temas tidos como secundários até então pela historiografia, ao possibilitar o diálogo com outras áreas, antes marginalizadas nos estudos históricos. O olhar do pesquisador se tornou mais refinado, indagando sobre o tipo de fonte, o lugar de produção, as relações do produtor com campos mais largos socialmente constituídos. A terceira geração, a partir de 1969, teve preocupações transferidas de bases sociais e econômicas para as mentalidades e a vida cotidiana, a vida privada, a "superestrutura cultural". É a fase do abandono da história global e a incorporação da fragmentação. Estudos dos hábitos, costumes, crenças, rituais, bem como do amor, do sexo, do casamento, da magia, da religião, da morte. Temas como: a história do Medo, Jovens, Poder, Sexualidade, Religiosidade, Estruturas, Mulheres, Alimentação, Livro, Mito, entre outras. Ou ainda, como salienta Peter Burke (1992, p. 25), "já foi sugerido que quando os historiadores começaram a fazer novos tipos de pergunta sobre o passado, para escolher novos objetos de pesquisa, tiveram que buscar novos tipos fontes, para suplementar os documentos oficiais". Ainda segundo o autor, "A micro-história e a história da vida cotidiana foram reações contra o estudo de grandes tendências sociais, a sociedade sem face humana". (Idem, p. 36).
A respeito das novas abordagens emergidas no âmbito historiográfico a partir de 1970-80, a história vista de baixo - essa história das pessoas comuns com sua experiência da mudança social, a história das mulheres, a história da cultura, da vida cotidiana, Burke se refere dizendo que:
O que essas abordagens tem em comum é sua preocupação com o mundo da experiência comum (mais do que a sociedade pro si só) com seu ponto de partida, juntamente com uma tentativa de encarar a (vida cotidiana) como problemática, no sentido de mostrar que o comportamento ou os valores, que são tacitamente aceitos em uma sociedade, são rejeitados como intrinsecamente absurdos em outras. Os historiadores assim como os antropólogos, tentam pôr a nua as regras latentes da vida cotidiana (...) e mostrar a seus leitores como ser um pai ou uma filha, um juiz ou santo, em uma determinada cultura. (BURKE, 1992, p. 23-24).

Neste sentido como sugere Geovanni Levi (1992, p. 20) em seu ensaio sobre a Micro-história, os modelos mais atraentes são aqueles que enfatizam a liberdade de escolha das pessoas comuns, suas estratégias, sua capacidade de explorar as inconsistências ou incoerências dos sistemas sociais e políticos, para encontrar brechas através das quais possam se introduzir ou festas em que consigam sobreviver.


Referencias Bibliográficas
BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 7-37.
LE GOFF, Jacques et. alli. A nova história. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
LEVI, Giovanni. A Micro-História. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 133-161.
VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO, Ciro. F. VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 127-162.