DO CONJUNTO CEARÁ AO PAPICU

Por Ledervan Vieira Cazé | 25/05/2011 | Geografia

"DO CONJUNTO CEARÁ AO PAPICU: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA SOBRE OS TERMINAIS DE ÔNIBUS DE FORTALEZA."


AUTOR: José Walacy Lima Lopes
CÓ-AUTOR: Ledervan Vieira Cazé


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RESUMO:

Este artigo tem a finalidade de analisar geograficamente a transformação espaço-funcional que se torna vigente e evidente nos terminais de ônibus de Fortaleza-CE (Terminais de Integração de Coletivos). Suas peculiaridades como espaços que tornaram-se propícios a mais variáveis atividades modificando assim sua dinâmica funcional ao longo do processo histórico; desde sua inauguração até a atualidade como espaço multifacetado onde atuam também agentes diversos no que concerne sua reprodução espacial, funcional, política e social.

ABSTRACT:

This article aims to analyze the transformation geographically-functional space that becomes evident in current and bus terminals in Fortaleza-CE. Peculiarities such as spaces that have become more amenable to variable activities thereby modifying its functional dynamics along the historical process, since its inception to the present as a multifunctional space where many agents act also as regards its spatial reproduction, functional, social and political.


Palavras Chaves: Transporte Público; Terminais de ônibus; Forma, Função e Processo; Territorialidades.



"_Quem cedo madruga, não pega ônibus lotado."
(Autor desconhecido)

1. "O Espaço Coletivo dos coletivos."

No inicio, 1991, quando o Sistema Integrado de Transporte de Fortaleza (SITFOR) foi pensado, cogitou-se na possibilidade da criação de espaços públicos, onde determinado número de linhas de coletivos deveriam convergir e interagir, formando um ambiente de passagem e troca de condução por parte de quem fosse transportado por esses coletivos. A idéia inicial era a formação de lugares onde ônibus deixavam os passageiros para que estes pudessem continuar suas viagens sem ter que pagar outra passagem pegando outro ônibus, constituindo uma rede de transportes facilitadora do deslocamento pela cidade. Estes espaços inicialmente planejados receberam a denominação de Terminais de Integração de Coletivos, e foram distribuídos em locais específicos da cidade para atender à demanda de toda a população de Fortaleza.
Fortaleza conta atualmente com sete Terminais de Transição de Coletivos Fechados: Antônio Bezerra, Conjunto Ceará, Lagoa, Messejana, Papicu, Parangaba e Siqueira, que, a primeira vista foram construídos para servirem como espaços públicos destinados à parada de coletivos e transição de passageiros, cada um com suas especificidades e características que os diferenciam entre si, o que nos leva a crer que houve uma evolução desde a implantação dos mesmos até os dias atuais.
Buscaremos com este projeto entender como os terminais se fazem presentes no modo de vida de seus usuários, em seus cotidianos. Por se tratarem de espaços considerados públicos e, portanto, estarem aos olhos da Prefeitura como centros em que grande parte da população é chamada a freqüentar, seja por necessidade, seja por pura e simples vontade, os terminais vêm entrando em programas de reformas e melhorando, cada vez mais seus equipamentos, chamando assim, uma parte da população que por lá estava só de passagem, para ficar e se favorecer dos serviços oferecidos.





2. Terminais: "de espaços de redistribuição de usuários à espaços de convivência coletiva de pessoas"


O presente artigo tem o intuito de analisar e compreender como se dão as relações sócio-espaciais que vêm se intensificando no interior dos terminais de ônibus de Fortaleza a partir de 1992, quando o atual sistema de transporte entrou em operação, e como esses espaços estão inseridos no cotidiano de seus usuários refletindo o modo de vida urbano ao serem transformados em espaços de convivência e consumo, espaços estes que planejados para redimensionar o fluxo de passageiros da cidade.
Os terminais de ônibus são espaços polarizadores do fluxo de passageiros na cidade, ou seja, espaços que recebem uma grande demanda de pessoas e a redistribui. Esta é a função programada desses locais. Já nas primeiras semanas após a inauguração dos dois primeiros terminais, Antônio Bezerra e Messejana, a questão da obrigatoriedade de passar nos terminais e a troca de ônibus demorada foram questões que começaram a ser discutidas. Por falta de uma outra opção de transporte, os usuários de ônibus foram obrigados a incorporar a prática de entrar nos terminais em seu cotidiano, ou seja, teriam que adaptá-los em seu dia-a-dia. Assim, os usuários precisaram reorganizar o seu tempo em função dessa passagem obrigatória, como, por exemplo, sair de casa um pouco mais cedo ou encontrar um trajeto de ônibus mais curto no sentido terminal-trabalho e vice-versa.
Percebendo que os terminais estavam se constituindo como importantes componentes da cidade e que a população não os estavam percebendo de uma forma agradável, aos poucos novos serviços foram instalados nesses espaços, como uma forma de torná-los mais usuais à população. Assim, além das lanchonetes já existentes desde a inauguração dos terminais, surgiram os caixas eletrônicos, bancas de revistas, agências lotéricas, salão de beleza, lan house, farmácia popular, postos de atendimento em relação à compra de vales-transporte e lojas de variedades.
Assim, o terminal assume nova configuração em relação ao seu uso, não apenas do ponto de vista da problemática do transporte, pois alguns usuários utilizam o espaço interno dos terminais para outros fins. Por isso, importa saber como diferentes atores ocupam os espaços públicos, modificando-os e adaptando-os às suas necessidades específicas (FRÚGOLI JR., 1995, p.8). É comum presenciar nos terminais indivíduos utilizando caixas eletrônicos para saques e depósitos, serviços lotéricos, Internet e até mesmo cortando o cabelo. Para alguns usuários, isto pode ser visto como um consolo pelo fato de serem obrigados a passar pelos terminais; para outros, o fator econômico pode ser relevante, pois podem se dirigir aos terminais, utilizar algum serviço e retornar aos lares pagando-se uma única passagem.
Outra forma de utilização dos terminais é o fato desses espaços estarem se constituindo como locais que proporcionam a convivência coletiva dos usuários. Estudantes utilizam os espaços oferecidos pelos terminais como ponto de encontro, para depois se deslocarem juntos; nas filas, próximos a bairros residenciais, há o encontro de amigos e vizinhos, e, até mesmo, pessoas estranhas passam a dividir a mesma ansiedade quando o ônibus demora a chegar. Os terminais também são utilizados para ações culturais, como exposições de obras artísticas, sociais, como campanhas educativas e de saúde pública como postos de vacinação, entre outras funções atribuídas aos espaços pela Prefeitura Municipal.
Em 2007, a Prefeitura Municipal de Fortaleza implantou o serviço de "Integração Temporal", no qual o usuário tem a possibilidade de trocar de ônibus sem o pagamento de uma outra passagem, evitando assim a obrigatoriedade de utilizar os terminais. Porém, por ter sido implantado recentemente, esta obrigatoriedade ainda persiste, pois esse serviço é limitado pelo tempo e cada linha de ônibus possui conexões específicas com outras linhas, não atendo a toda frota municipal. Isto torna o serviço confuso e pouco utilizado, fazendo com que os terminais ainda se constituam como espaços centralizadores do fluxo de passageiros da cidade.
O que procurei entender é até que ponto os serviços oferecidos desviam o olhar do usuário para o interior dos terminais, fazendo com que ele deixe de ser um mero passageiro e passe a ser considerado um usuário não apenas do sistema de transporte, mas também dos equipamentos e serviços oferecidos.
Visto a importância que os terminais adquiriram desde as suas implantações como locais receptadores e distribuidores de fluxo de pessoas, e atualmente como locais multifuncionais, surgem às questões: Quem utiliza os terminais obrigatoriamente ou opcionalmente? Como os terminais estão inseridos no cotidiano do fortalezense? Como e quem utiliza os serviços encontrados nos terminais? Como os terminais são percebidos pela população?
A pesquisa assumiu assim, o papel de identificação e avaliação das formas de usos dos sete terminais de integração de Fortaleza e como eles são percebidos por seus usuários em seus cotidianos. São espaços impostos para uns, opcionais para outros; caóticos para alguns, econômicos para outros... Enfim, espaços nos quais é possível obter leituras diferenciadas em diferentes áreas de pesquisa; em nosso caso, geográfica.

3. Por que entender esse espaço "amontoado"

Compreender o cotidiano nos terminais de ônibus de Fortaleza se faz pela necessidade de entendermos a relação dos usuários com esses espaços como base fundamental para elaboração de melhores políticas públicas no que concerne a variável do transporte como serviço público municipal de importância vital a própria "respiração" da cidade de Fortaleza-CE. Analisar o modo como os usuários percebem sua estadia no interior dos terminais e Identificar as especificidades e similaridades de cada terminal, destacando a configuração das estruturas e serviço instalado é, nesse sentido, essencial para descrever a tipificação dos fluxos e o perfil dos que utilizam os serviços oferecidos nos espaços dos terminais; alem de verificar a atual variável de re-utilização dos terminais como espaços "públicos" e de convivência.


4. Conversa de Terminal: "Enquanto espera-se o coletivo debatemos sobre a Temática."


Os terminais de ônibus de Fortaleza vêm se constituindo como impositores de "espaço" e "tempo" à grande maioria da população, principalmente quando se trata do trajeto residência-trabalho. Muitos usuários são obrigados a utilizar os terminais por falta de outra opção de transporte, e isso acaba se refletindo no próprio cotidiano desses indivíduos, que acabam incorporando o uso desses espaços em suas rotinas diárias, criando uma identidade com eles.
Esse cotidiano está se tornando tão evidente a ponto de a Prefeitura Municipal de Fortaleza vir atribuindo aos terminais novos usos, como por exemplo, a utilização desses espaços como postos de vacinação, locais para exposições culturais e recreação. Além disso, os terminais possuem uma gama de serviços que descaracterizam a sua função original que é a de facilitar o fluxo de passageiros de ônibus, convergindo-o e redistribuindo-o pela cidade, ou seja, se antes se pensava como um local de embarque e desembarque, hoje o usuário pode permanecer no terminal e usufruir os serviços encontrados em seu interior, como caixas eletrônicos, lotéricas, lojas de variedades e farmácias. Podemos perceber que, aos poucos, os usuários estão aprendendo a usar os terminais por completo.
Nesse contexto, para que possamos compreender os terminais de ônibus como espaço apropriado por seus usuários é importante a análise dos efeitos que esses locais vêm provocando na rotina dos indivíduos que os acessam, ou seja, no modo como os terminais são percebidos pelo usuário, a sua relação com a utilização dos serviços disponíveis e a questão da identidade. Verificar o cotidiano desses espaços considerados "públicos" possibilita o reconhecimento de características locais peculiares não apenas do ponto de vista estrutural e arquitetônico, mas também comportamental, e vincular essas visões é de fundamental importância para a Geografia. Estudar os terminais por si só, desprezando as relações de convivência que os usuários adquirem com esses espaços, é, no mínimo, ter uma visão limitada e simplista do ponto de vista geográfico.
De acordo com Santos (1985), para a obtenção de um estudo geográfico, devemos levar em consideração quatro aspectos fundamentais em relação ao objeto de estudo: forma, função, estrutura e processo. Somente assim torna-se possível a descrição das relações que explicam a organização espacial existentes nos terminais de integração. Em seu livro ?Espaço e Método", o referido autor cita:

Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a
empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente apresentam apenas realidades, limitadas do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade". (Santos, 1985).


A forma é o aspecto visível do objeto. Os sete terminais existentes na cidade, apesar de terem a concepção para um mesmo propósito, visivelmente apresentam configurações bastante diferenciadas no que se referem ao tamanho, quantidade de plataformas, estacionamento para veículos, entre outros. Por exemplo, o terminal do Siqueira foi projetado para internamente ter o aspecto de uma praça; já o terminal de Messejana possui uma área ociosa entre a plataforma de embarque e seu muro delimitador em direção à rodovia BR-116 que poderia ser utilizado para outro fim em benefício dos usuários.
A função focaliza a atividade que o objeto representa. Como exposto anteriormente, os terminais vem incorporando novos usos, não limitando-os apenas sobre o ponto de vista da questão do transporte público, e esse é um dos principais focos da pesquisa.
No que se refere à estrutura, ela é invisível, subjacente à forma. Os terminais podem ser analisados do ponto de vista comportamental: "Quem os utiliza? Ele faz parte do dia-a-dia de alguém? Quem detesta passar por eles? E quem gosta?" E uma pergunta essencial não pode faltar: Por quê? Também podem ser analisados do ponto de vista econômico: "O custo da passagem é um atrativo para utilizar o terminal? Possui algum serviço essencial à população em suas dependências? E se existe, é utilizado com freqüência? Por quê alguns terminais possuem determinado serviço e outros não?"
Quanto ao processo, relaciona-se a ação de fatores que se interrelacionam em determinado tempo de forma contínua. Em se tratando dos terminais, desde a inauguração dos dois primeiros até os sete em operação atualmente, as mudanças as quais foram submetidos não se deram de forma brusca. Foram implantadas de acordo com as necessidades que o próprio sistema apresentava ao longo de sua operacionalidade.
Por isso, ao tratar-se da inserção dos terminais no cotidiano de seus usuários, procurei elaborar uma base conceitual a partir de autores, como por exemplo, Carlos (2005), Certeau (1994), Lefebvre (1991), entre outros, por abordarem conceitos chaves que poderão ser utilizados para uma melhor compreensão do. Dentre os conceitos abordados ganham destaque os de: espaço urbano, cotidiano e convivência.
Como já visto anteriormente, não se pode simplesmente analisar os terminais do ponto de vista da forma, ou seja, o que essa aparenta transmitir, pois, no interior desses espaços, as relações ocorrentes parecem transcender a simples forma aparente. Os terminais possuem plataformas de embarque e desembarque de passageiros, que vão apresentar um fluxo diferenciado de pessoas em horários distintos. Nesse contexto, Carlos (2005) afirma:

As construções poderiam ser tomadas como os elementos estáticos da paisagem. Se observarmos seu tipo, grau de conservação, arquitetura, perceberemos o movimento "escondido" na forma. Dependendo da hora do dia, ou dia da semana, a observação de um determinado lugar vai mostrar um determinado momento do cotidiano da vida das pessoas, (...). (CARLOS, 2005, p.39).

Acredito ser possível aplicar este conceito no projeto. Nos horários de pico, podemos ver um movimento intenso de usuários nos terminais: indivíduos aglomerando-se em filas, embarcando ou desembarcando dos ônibus, utilizando... É como se os terminais realizassem um movimento de repulsa e atração de fluxos, constituindo, no decorrer do dia, paisagens diferenciadas e que trazem as mais variadas formas de se perceber a realidade daquele lugar onde as interações estão ocorrendo. Para Cosgrove¹ (1998), as varias paisagens formadas no decorrer dos dias são dotadas de simbolismo e significados que podem inserir-se ou alterar o cotidiano e a forma de se perceber os espaços, por parte de quem os utiliza. O referido autor discute, em um artigo publicado em 1998, que:


(...) as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. (...) todas as paisagens são simbólicas, apesar da ligação entre o símbolo e o que ele representa (seu referente) poder parecer tênue. (...) (o simbolismo) serve ao propósito de reproduzir normas culturais e estabelecer valores de grupos dominantes por toda a sociedade (COSGROVE 1998, p. 108 e 106).


Como um dos pontos abordados no projeto centra-se no entendimento de como o usuário vê e sente os espaços e serviços oferecidos pelos terminais, necessitamos, assim, trazer à tona a discussão sobre paisagem, e, como Cosgrove (1998) coloca na citação acima, tentar entender qual o significado dos terminais para aqueles que os freqüentam, ou seja, espaços que para uns são vistos sob a ótica dos transportes, para outros são percebidos pelos serviços e relações existentes no interior dos terminais.
Centrando parte da discussão proposta pelo projeto, entendo que a conceituação de espaço torna-se indispensável à elaboração e entendimento das relações ocorrentes, para tanto, há a necessidade de se recorrer a autores que se destacam na produção de trabalhos que tratam do tema. Para Santos (1985), os elementos que compõe o espaço são estruturados pelos seus papéis, seus estados, relações e condições e não pela representação particular e física. O espaço estrutura-se mais como um evento que um elemento físico, dotado de estrutura concreta. Ele define-se segundo uma multiplicidade de conceitos que interagem na forma como este pode vir a se tornar.


(...) o espaço é formado de objetos; mas não são os objetos que determinam os objetos. É o espaço que determina os objetos: o espaço visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma lógica. (SANTOS, 1997, p. 239).


Importante conhecermos a forma como o espaço é pensado, pois, segundo a Prefeitura Municipal de Fortaleza, os Terminais de Integração de Coletivos de Fortaleza constituem-se espaços públicos. E o que viria a ser um espaço publico? Quais as características primordiais para se considerar um espaço público? Para Gomes,

Fisicamente, o espaço publico é, antes de tudo, o lugar, praça, rua, shopping, praia, qualquer tipo de espaço, onde não haja obstáculos à possibilidade de acesso e participação de qualquer tipo de pessoa. E do ponto de vista simbólico poderíamos dizer que esse espaço é composto pelo espetáculo da tensão entre a diferença e a possibilidade de coabitação. (GOMES, 2002, p. 162 e 163).


Se numa primeira idéia os espaços públicos vêm a se constituir em espaços livres de qualquer cobrança para se adentrar a seus interiores e usufruir de seus serviços sem que se pague para ter acessos a estes, os terminais de Fortaleza caem em uma contradição quando imposta essa visão. O simples fato de se pagar para ter acesso aos interiores dos terminais vem a causar a discussão dos ideais que colocam esses espaços como públicos, já que parcela da sociedade é excluída de seus serviços se não tiverem o referente a uma passagem de ônibus para adentrar a seus interiores.
Analisando as questões postas a respeito de conceitos citados, surge a necessidade de se conhecer outro conceito presente nas ciências humanas: o cotidiano. Entender o desenrolar da vida dentro desses espaços/lugares e como os atores se comportam diante da realidade vivenciada., para tanto, é preciso saber no que concerne cotidiano.
Para Lefebvre (1991), não existe nada linear, e o cotidiano se faz em ciclos que produzem e reproduzem idéias, fatos, costumes, vida, etc. para o autor:


O cotidiano se compõe de ciclos e entra em ciclos mais largos. Os começos são recomeços e renascimentos. Esse grande rio, o vir-a-ser heraclitiano, nos reserva surpresas. Não há nada linear. (...) As horas, os dias, os meses, os anos, os períodos e os séculos se implicam. Repetição, evocação, ressurreição são categorias da mágica, do imaginário e também do real dissimulado sob a aparência." (LEFEBVRE, 1991, p. 11).


Como Lefebvre coloca, o "grande rio" define-se pelo cotidiano e nos reservas grandes e inesperadas surpresas. É a relação deste (cotidiano) com seus sujeitos/objetos que vem a nos responder a ultima questão posta: será que os espaços postos estão se tornando lugares vividos? Acredito na possibilidade de, entendendo o "grande rio" que deságua dentro dos terminais, poder responder essa pergunta com maior grau de certeza possível.
Tentarei entender como os serviços oferecidos dentro dos terminais vêm a transformar estes de espaços à lugares, modificando o cotidiano das pessoas que o utilizam, refletindo na convivência, tornando-se algo a ser buscado e melhorado, sendo mais sucinto: Procurarei explicar a dinâmica e transformação dos terminais de ônibus de Fortaleza como espaços/lugares de convivência.
Mesmo com conceitos pré-estabelecidos para o início da pesquisa, durante o andamento da pesquisa, outras questões poderão surgir. Por isso, faz-se necessário um bom levantamento bibliográfico no intuito de esclarecer eventuais dúvidas,e, assim, tornar os resultados satisfatórios.


5. Pesquisando este espaço diferenciado: Como fazer?


De acordo com os questionamentos que pretendo responder, a pesquisa foi dividida em três etapas principais: a primeira correspondeu a uma revisão os aspectos geográficos urbanos e das questões referentes a geografia da circulação urbana; a segunda consistiu no trabalho de coleta de dados; e a terceira centrou-se na análise e interpretação dos dados coletados.
Na primeira etapa houve também o aprofundamento conceitual, a partir de literaturas específicas e a sua aplicação junto à investigação desse tipo de espaço de circulação urbana. Faremos o levantamento de literaturas que abordem temáticas como espaço, lugar, paisagem, cotidiano, convivência, mobilidade, circulação, acessibilidade e percepção.
A segunda etapa foi o trabalho de coleta de dados, que se deu da seguinte forma:
? Recolhimento de reportagens, artigos ou publicações que tratem das condições dos terminais, dos serviços oferecidos e sobre os usuários;
? Levantamento de informações estatísticas, como tabelas e gráficos, em instituições diretamente ligadas aos terminais, como a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza S/A ? ETUFOR, órgão da Prefeitura Municipal de Fortaleza responsável pela administração dos terminais;
? Realização do trabalho de campo nos terminais, tendo contato direto com os usuários destes locais. Utilizarei a técnica da documentação direta, através da observação direta e intensiva por meio de entrevistas que serão realizadas com os usuários dos terminais, identificando assim o perfil do usuário de cada um deles, e como este se relaciona com os terminais. Os entrevistados responderão as mesmas perguntas, por isso utilizarei entrevista do tipo padronizada, por permitir que "as diferenças devem refletir diferenças entre os respondentes e não diferenças nas perguntas" (LEDI, 1974, p.16).
Quanto à observação, optei pela observação não-participante. Nessa técnica, o pesquisador toma contato com os usuários e com a realidade estudada, mas sem integrar-se a ela. No meu caso, ela é essencial, pois como sou usuário e tenho relação direta com o objeto, não posso permitir que minhas experiências induzam ao que quero ouvir durante as entrevistas. Assim, o pesquisador não se deixa envolver por situações, assumindo o papel de espectador
A terceira etapa consistiu na análise e interpretação dos dados coletados. Após a coleta, seguiu-se na tentativa de identificar as prováveis similaridades e especificidades de cada local estudado, e também dos indivíduos que os freqüentam. Foi necessário comparação e confrontação dos resultados obtidos com os conceitos abordados pelos autores utilizados como referências para o embasamento teórico que dá suporte a este trabalho à medida que os dados forem organizados.


6. Considerações Finais:


Em verdade percebemos que os Terminais de Ônibus são espaços diferenciados onde ocorre e convive numa "pseudo harmonia" diferentes indivíduos, agentes, por assim dizer da reprodução espacial local (empresários, vendedores autônomos, artistas populares, motoristas, funcionários públicos, usuários de forma geral entre outros) em um multifacetado espaço, com diversas territorialidades distintas e variáveis. Embora o transporte público em nossa capital ainda deixe muito a desejar aos filhos e filhas dessa cidade, é nos terminais que estas pessoas compartilham suas ansiedades, suas motivações, seus cotidianos e ritmos as vezes tão "repetitivos", no sentido mais factual de similaridade coletiva; ir para o trabalho no início da aurora e retornar para casa no fim do crepúsculo e no cair na noite. E é nesse espaço peculiar e cheio de facetas que isso esses encontros ocorrem. Ou seja, é nesse emaranhado posto no substrato espacial de concreto que esses agentes sócio-espaciais compartilham sua energia transformadora.
Acredito que cabe a cada usuário, como agente transformador do espaço, a responsabilidade de torná-lo cada vez mais agradável, ainda que, em meio as mais variadas "formas de filas", e "técnicas de entrar e sair de ônibus lotados" está ao nosso alcance a melhor maneira de perceber e desenvolver efetividade dos locais. Respeite as filas para o embarque e desembarque de passageiros; zele pelo seu meio de transporte. Não risque e não danifique os veículos. Assim, você também contribui para garantir o seu direito de ir e vir com qualidade. O corre-corre dos terminais de ônibus de Fortaleza cede espaço para a as mais variadas formas de mobilizações que, em verdade, podem ser consideradas representações formais da resistência e da necessidade por espaços públicos mais agradáveis em meio ao amontoado de lugares que é nossa capital. A superlotação dos ônibus e a cultura dos "fura-filas" transformam em tragédia anunciada a manhã dos usuários atendidos pelos Terminais em horário de pico. Desse contexto, resultam os passos de formiga dos trabalhadores que utilizam o lugar.
Por fim, entendemos que mesmo no terminal, lugar de incontável fluxo de pessoas, nos mais variados momentos do dia, como um reflexo cruel e real do ritmo "louco" da cidade de Fortaleza-Ce existe uma solidão triste, que só espaços urbanos típicos transmitem a quem os usufruem.


"Aonde a gente se esconde do que aconteceu (...) ainda queria dizer tanta coisa (...) mas não deu (...) nessa cidade tão cheia de gente, ninguém sabe o que você sente e ninguém quer saber de ninguém... (trecho da música: SOZINHO NA CIDADE de Caetano Veloso)"

Um pedido de socorro como esse, acima, está se tornando freqüente em Fortaleza - CE e em outras grandes cidades do Brasil, a solidão dos citadinos em meios uns aos outros é uma variável real e preocupante e que só pode ser entendida e combatida com o espírito de grupo, de união e de comunidade.











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